Um mundo para além da Matrix

Introdução - Escrevo para minhas netas: Isabela, que começou a andar faz apenas algumas semanas; Clarice, que quando esse artigo for publicado deve ter nascido, trazendo ainda mais luz à nossa vida, e para meu sobrinho-neto Henrique, que chegou e nos lembrou qual é verdadeiramente o caminho; eles são certeza da vida eterna e esperança.Meus filhos nasceram quando o Brasil vivia o que Boaventura Souza Santos chama de “terceira onda democratizante” do ocidente; mas minhas netas chegam quando os ventos sopram a favor da extrema-direita, uma tristeza. Como há “um tempo certo para cada propósito”, creio que é momento de subir à ribalta ou, pelo menos, cuidar de dar direção correta aos que estão lá, pois, como afirmou o Sousa Santos ao 247, "vivemos em sociedades politicamente democráticas, mas socialmente fascistas", por isso temos muito trabalho.

O cheiro de enxofre do fascismo está no ar; ele apropriou-se das cores da nossa bandeira, da camiseta da seleção, do nosso hino e usa o santo nome de Deus em vão, por isso temos que voltar a fazer política, afinal, há risco real de implantação de um Estado neofascista, teocrático e servil ao mercado. 

Temos de assumir nossos compromissos com a democracia, afinal, a nossa omissão e os erros dos nossos líderes nos trouxeram até aqui; é chegado o momento de nos movimentarmos para sairmos desse imbróglio, pois, não podemos legar esse mundo às futuras gerações. 

Como “vamos precisar de todo mundo, para banir do mundo a opressão” e muita gente “vive em Matrix”, precisamos trazê-los à realidade. Mas o que é a Matrix? – MATRIX é um filme das irmãs Lilly e Lana Wachowski e “o que é Matrix?” é a pergunta feita por Neo a Morpheus no começo do primeiro filme da trilogia.

Morpheus ofereceu a Neo uma escolha: tomar a pílula azul e viver em Matrix, ou a pílula vermelha, sair de Matrix e descobrir a realidade. 

No filme Matrix é um mundo irreal, uma realidade paralela, alimentada diariamente por um sistema de computador que escraviza os seres humanos; mais ou menos como as mentiras que circulam nas redes sociais e pelos grupos de WhatsApp no nosso mundo.

Incautos que vivem na Matrix, são vítimas do discurso da extrema-direita, fomentado pelos algoritmos do mal. 

O discurso messiânico, moralista, raso, pró-mercado e anti-Estado vem ganhando corações e mentes; esse discurso sustentou Mussolini, Hitler, Franco e Salazar, além de haver inspirado Plinio Salgado aqui no Brasil. 

É necessária coragem para escolher conhecer a realidade, desejo que minhas netas, assim como fizeram meus filhos, escolham a pílula vermelha, conheçam a realidade e procurem melhorar o mundo.Mas Matrix precisa ser conhecida, denunciada e vencida, ela é construção artificial de uma realidade criada pela lógica liberal e pela falácia de que “só o mercado salva” (mentira que toleramos por tempo demais); precisamos perceber que internalizamos as coisas a partir de seu valor simbólico, o que leva, por consequência, a um mundo de simulacros, ou seja, versão simuladas da realidade.

Temos que voltar a falar sobre coisas que importam, e o que importa hoje é que muita gente vive em simulacros, mundos irreais, e ficam condicionadas de tal maneira a ele, que se recusam a aceitar que aquele mundo é apenas uma ilusão, temos que trazê-las de volta.

No filme MATRIX Morpheus chega a alertar Neo para isso, afirmando-lhe que alguns indivíduos estão tão habituados ao simulacro que o defenderão, é o que vivemos hoje, poucos “especialistas” tem coragem de questionar a lógica liberal do “consenso de Washington”.

Em que mundo queremos viver? Não me parece “divertido” viver num mundo de enorme concentração da riqueza e renda (1% dos mais ricos detém 38% de toda a riqueza produzida no mundo). 

O fracasso do liberalismo econômico - assim como toda a injustiça que ele semeia -, não foi compreendido ou, adequadamente, manejado pela esquerda, mas sim pela direita e extrema-direita, que, assim como no período entreguerras, consegue comunicar-se com as pessoas e “vender” sua visão de mundo. 

Sabemos que a extrema-direita está a levar multidões para o caminho da destruição da institucionalidade, dos movimentos sociais e da democracia, mas não estamos conseguindo mostrar isso. Por quê? 

Não conseguimos convencer os incautos cooptados pela extrema-direita de que eles estão seguindo os algozes da democracia e os vassalos do Império (substantivo que isso no sentido apresentado por Hardt e Negri).

Pílula azul x pílula vermelha – Escolhendo pílulas azuis todos os dias, os indivíduos distanciam-se de si mesmos e, por conseguinte, do autoconhecimento, tão necessário à liberdade.

A decisão entre sair ou permanecer na caverna é difícil desde Platão.

É a coragem que separa as almas livres dos meros autômatos que nos tornamos; é ela que nos permite alcançar a consciência e lutar pela liberdade daqueles que se acham livres por poderem escolher entre duas marcar diferentes de produtos inúteis.

Como disse Goethe: “Não existe pior escravo do que aquele que falsamente acredita estar livre.”

Essas são as reflexões.