Fim do voto de opinião ou da opinião em si?

Será que já não há espaço para o candidato que faz campanha exclusivamente com base na defesa de princípios e valores, sem comprar votos ou se prestar a ser lobista de grupos específicos?



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Você já deve ter ouvido algum cientista político dizer que não há mais espaço para o chamado voto de opinião, que teria perdido espaço para o voto corporativo e para o voto de liderança, sem falar nas celebridades e nos cacarecos que a cada eleição são usados pelos partidos para desempenhar vergonhoso papel de meros puxadores de votos.

O voto em celebridades e cacarecos já é nosso conhecido. Sabemos que prejudica não só seus próprios eleitores, como a sociedade, pois quase sempre os eleitos nessa modalidade cumprem seu único mandato sendo massa de manobra dos donos dos partidos, velhas raposas de guerra. Nesse caso, ao contrário do que foi alardeado na última campanha, pior do que está pode sempre ficar. E tem ficado.

Já o voto corporativo é o obtido via apoio de determinadas entidades, notadamente sindicatos e igrejas, que se valem de isenções fiscais e benefícios legais de toda sorte para despejar recursos quase inesgotáveis em beneficio dos que, sendo eleitos pelo esquema, por ele trabalharão por todo o seu mandato.

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E voto de liderança, o que será? Nada mais é que mero eufemismo para designar a moderna versão da velha compra de votos. Explicando melhor: na sua modalidade mais ortodoxa, o suado dinheirinho dos nossos impostos é usado em convênios, emendas e repasses para comprar votos de entidades cujos líderes foram escolhidos a dedo para serem cabos eleitorais dos seus padrinhos políticos. Gostou? Tem mais.

Na modalidade mais heterodoxa do voto de liderança, ou seja, dinheiro vivo em troca de voto, enormes quantias são cuidadosamente canalizadas para lideranças que exercem influência sobre um grupo determinado de pessoas, como donos de escolas de samba, presidentes de associações de bairro, líderes de pequenas igrejas, etc. É bem verdade que, ao menos em São Paulo, quase não há dinheiro dado ao eleitor diretamente, mas à liderança que sugere ao liderado em quem votar a cada eleição. O volume de recursos exigido para essa modalidade de voto é assustador, e sempre obtido e distribuído "por fora".

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Pois bem, e o voto de opinião, onde fica diante disso tudo? Será que já não há espaço para o candidato que faz campanha exclusivamente com base na defesa de princípios e valores, sem comprar votos ou se prestar a ser lobista de grupos específicos? Para que haja voto de opinião é preciso, antes de tudo, que haja alguma opinião. Que existam políticos que se arrisquem a ter efetivamente uma opinião, defendendo-a de maneira coerente e continuada, sem se deixarem levar pelas pesquisas ou tendências do momento apenas para amealharem votos de forma oportunista.

A política está repleta de políticos guarda-chuva, que buscam votos em todas as correntes de pensamento, sem se preocuparem em manter alguma consistência de ideias e propostas. O importante é se elegerem. O que eles vão fazer no dia seguinte não importa. Não assumem posição sobre nada. Não têm opinião definida sobre nenhum assunto que a mídia já não os tenha pautado e não se importam em mudar totalmente de direção se as conveniências do momento assim o exigirem.

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O patrulhamento ideológico e a ditadura do politicamente correto também não contribuem para que mais políticos se arrisquem a ter alguma opinião, sobretudo polêmica. Sabem que, ao tomarem posição, serão alvo de ataques raivosos, e sobre estes terão de se manifestar. Você mesmo, caro leitor, que já ousou defender alguma opinião diferente da média, deve ter sentido na pele como é difícil fazê-lo.

É preciso ter coragem para assumir uma posição hoje em dia. Ter coragem de não ser como a folha morta ao vento, que se deixa levar cada hora para um rumo diferente. Coragem para defender posições firmes e claras, de forma impessoal e fundamentada, sob pena de estar sempre sujeito aos oportunismos de alianças e acordos políticos, cada vez mais espúrios, dissimulados e venais.

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A falta de opinião, a incoerência e a covardia dos políticos "gelatinosos" acabam por amortecer o espírito e a capacidade de indignação do eleitor, que, sucumbindo ao pensamento de que são todos iguais, já não se importa em votar com qualidade. Vota-se no "menos pior", pois, em tese, são todos a mesma coisa.

Ter opinião e defendê-la, com coerência e transparência, também significa, em alguma medida, aceitar a perda de votos. Se um político não aceita perder votos, ou não concebe como parte do jogo democrático a hipótese de perder uma eleição, para preservar a dignidade e a coerência, já está a meio caminho andado para reinar no campo da indefinição e da demagogia.

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Por outro lado, a consistência e a coerência da opinião do político serão sempre balizadas por seu comportamento. Pela compatibilização da retórica com a prática. Pela capacidade de se posicionar e por vezes contrariar corporativismos, até mesmo de seu próprio partido. De contrariar o senso comum quando este for contrario às suas convicções pessoais. De prezar a boa conduta, sem se descuidar da qualidade e da credibilidade da sua opinião.

O compromisso do candidato de opinião deve ser sempre o de agir em conformidade com os valores que alega defender, sob pena de, a cada novo desafio, achar desculpa ou pretexto para transigir ou mudar. Como mostra o recente filme sobre Margaret Thatcher, há momentos em que a intransigência é uma virtude, a melhor virtude, e o triste quadro político atual demanda uma atitude intransigente na defesa de princípios e valores.

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A sociedade ressente-se da escassez de verdadeiros líderes, que se comportem como homens de Estado, sejam capazes de inspirar, empolgar e conduzir os seus eleitores para determinada direção propositalmente escolhida. Sem isso não há realmente espaço para o voto de opinião.

Ricardo Salles é advogado e presidente do Movimento Endireita Brasil

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