A insuperável rejeição de Bolsonaro e seus riscos
"Datafolha mostra que a fraqueza da campanha de Bolsonaro está no próprio candidato e na maioria de eleitores que o rejeitam", escreve Paulo Moreira Leite
Em março, nada menos que 55% dos eleitores e eleitoras recusavam-se a votar em Bolsonaro em qualquer circunstancia. No levantamento mais recente, esse número, que expressa aquilo que os estudiosos chamam de rejeição, permanecia no mesmo patamar -- 54%. Em qualquer caso, com sua contabilidade negativa, Bolsonaro tornou-se sério candidato a uma derrota já no primeiro turno.
O mesmo levantamento mostra que Lula reune, hoje, 54% dos votos válidos (Bolsonaro tem 30%), patamar suficiente para liquidar a fatura na primeira rodada.
Não existe prova tão clara de fiasco definitivo para um presidente: com rejeição quase duas vezes maior do que apoio, Bolsonaro perde a eleição para si mesmo. Em situações normais, sem esquemas de segurança, estaria na situação do do governante que não pode caminhar na rua pelo risco de ser vaiado, xingado e até agredido.
De cada 10 pessoas que irão se encontrar para discutir política no balcão de um boteco -- situação cada vez que irá se tornar corriqueira daqui por diante, na reta final da eleição --, os aliados de Bolsonaro estarão em minoria clara.
Uma rejeição neste patamar mostra que, mesmo com o auxílio que a máquina do governo oferece a todo ocupante da Presidência ele enfrenta um problema básico, essencial. Não consegue apresentar argumentos para o eleitor lhe dar seu voto em 2 de outubro, data do primeiro turno, nem mesmo no segundo turno, ou 30 de outubro, se houver.
Essa situação não é inédita no país. Fernando Henrique Cardoso obteve duas vitórias no primeiro turno e Lula passou com folga pelos dois turnos em 2002 e 2006. Dilma conquistou os dois mandatos em dois turnos. Em 2010, contra José Serra, seus números foram 46% a 32% , na primeira fase, 56% a 43% na segunda. Em 2014, quando já havia um esquema golpista em curso, Dilma venceu Aécio por 41,5% a 33,5% na primeira rodada, fazendo 51,6% contra 48,6% na segunda.
Há uma diferença, porém. Com uma desvantagem imensa -- matematicamente, a distancia gigantesca entre Lula e Bolsonaro pode ser estimada em 29,8 milhões de eleitores -- , a máquina bolsonarista acumula sinais graves de descontentamento, e dá sinais que lembram a execução de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 20 de março do ano eleitoral de 2018.
Empossado após o impeachment à jato que derrubou o ex-aliado Wilson Witzel, a PM do amigo Claudio Castro promoveu o massacre de 25 mortos na Vila Cruzeiro, acumulando um recorde de letalidade -- 4,5 mortos por chacina, contra 3,8 do antecessor. Num brinde macabro à insensatez, um coronel da PM politizou o episódio com um chavão bolsonarista. Alvejou o o Supremo Tribunal Federal, acusando a Corte de responsabilidade pela matança, ao limitar operações policiais nas favelas após a pandemia de Covid-19.
Na última quarta-feira, em Umbaúba, no Litoral Sul do Sergipe, um cidadão com transtornos mentais foi abordado na rua e trancafiado no porta malas de uma viatura da Polícia Rodoviária Federal, onde morreu asfixiado por uma nuvem de gás. Muitas circunstâncias são diferentes mas o episódio que lembra, pela crueldade animalesca, pela indiferença brutal com o sacrifício de uma vida humana, um crime que marcou a campanha presidencial dos Estados Unidos, que terminou na derrota de Donald Trump -- o sufocamento em praça pública de George Floyd, que teve o pescoço esmagado pelo joelho do policial Derek Chauvin.
Como você, eu também detesto teorias conspiratórias. Mas me recuso a acreditar que seja tudo simples coincidência. Há sinais de alguma coisa no ar -- e não são aviões de carreira, como dizia o grande Barão de Itararé.
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* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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