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Paulo Moreira Leite

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Até jurisprudência do STF contraria nomeação de 03 para Washington

"Em passado recente, Joaquim Barbosa, Roberto Barroso e Alexandre Moraes já condenaram nomeação de parentes para 'cargos politicos' pela razão mais elementar", escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia. "Faltava qualificação para o posto"

(Foto: Arquivo 247)
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Por Paulo Moreira Leite, para o Jornalistas pela Democracia - O parecer da Consultoria Legislativa do Senado, que acaba de denunciar a indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington como caso de "nepotismo", está longe de constituir um raio num céu azul.

Uma consulta aos arquivos do STF na internet, que resumem o  debate jurídico de uma década sobre a presença de parentes em cargos públicos, mostra que o esforço de Jair Bolsonaro para emplacar 03 no mais importante posto diplomático do país no exterior está longe de fazer jurisprudência da mais alta corte do país. Pelo contrário. 

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Quando situações similares chegaram ao Supremo, envolvendo postos em esferas inferiores da administração pública os ministros Joaquim Barbosa -- em novembro de 2011 --, Luiz Roberto Barroso -- em maio de 2014 --, e Alexandre Moraes -- em maio de 2018 --, se manifestaram através de sentenças que dão combustível para a rejeição de 03. 

Nós sabemos que há um ponto em discussão aqui. Uma súmula vinculante, de número 13, do próprio STF, considera como violação da Constituição "a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas." 

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Embora seja óbvio que o caso de 03 esteja incluído nessa regra geral, o mesmo tribunal reconhece um tratamento diferenciado para os chamados "cargos políticos". Estes, sob determinadas circunstâncias, não estariam enquadrados nas regras anti-nepotismo e poderiam ser preenchidos pela "livre escolha" do Executivo.  

Ainda que o termo "cargo político" não possua uma definição jurídica precisa, a visão de que o posto de embaixador pode ser enquadrado nessa categoria é um dos principais argumentos do Planalto para sustentar a nomeação de 03. Levada em termos absolutos, essa visão poderia autorizar -- automaticamente -- Eduardo Bolsonaro a ocupar o mais  alto cargo de nossa diplomacia no exterior, evitando o debate sobre suas qualificações e seu preparo para as funções.  

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A verdade é que decisões anteriores trabalham no sentido contrário. Em deliberações posteriores a aprovação da súmula 13,  quando o debate sobre nepotismo reapareceu no tribunal a partir de situações concretas, vários ministros usaram os novos casos  para ajustar uma discussão que envolve uma situação bem mais complexa.

Em 2011, examinando a nomeação de um Secretário da Educação de uma prefeitura gaúcha, Joaquim Barbosa fez uma observação essencial para o estudo do caso 03. Barbosa até reconheceu que o "cargo político" pode permitir a nomeação de um parente -- desde que seja acompanhado de outras condições.

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Debruçado sobre o argumento de um prefeito que se escondia atrás da denominação genérica de "agente político" para garantir a instalação de um parente num cargo de grande relevância para a população, o ministro recusou o pedido,  registrando uma distinção importante. 

"É que não há, em passagem alguma das informações prestadas pelo Município, qualquer justificativa de natureza profissional, curricular ou técnica para a nomeação do parente ao cargo" escreveu Joaquim, para concluir: "Tudo indica, portanto, que a nomeação impugnada não recaiu sobre reconhecido profissional da área da educação que, por acaso, era parente do prefeito, mas, pelo contrário, incidiu sobre parente do prefeito que, por essa exclusiva razão, foi escolhido para integrar o secretariado municipal." 

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Resumindo: na visão de Joaquim, o laço de parentesco não pode ser um convite a farra familiar com órgãos públicos. Não pode ser a "exclusiva razão" para uma nomeação, como alegou Jair Bolsonaro ao se referir a 03 nos seguinte termos: "Lógico que é filho meu," disse. "Pretendo beneficiar meu filho, sim. Pretendo, está certo. Se puder dar um filé mignon ao meu filho, eu dou".

A mesma ideia de que a nomeação de parentes como "agentes políticos" não pode ser um valor absoluto também foi assumida por Luiz Roberto Barroso, numa decisão de 2011. 

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Mesmo reconhecendo que "em linha de princípio," a súmula vinculante não se aplica a cargos politicos", Barroso fez duas ressalvas importantes que podem justificar a rejeição. Uma delas é a "idoneidade moral". A outra se encaixa como uma luva no fritador de hambúrger": "ausência manifesta de qualificação técnica". 

Em 2017, Alexandre Moraes derrubou a nomeação de dois irmãos que o prefeito de São José da Tapera, no interior de Alagoas, havia instalado no Conselho Fiscal do Instituto Municipal de Previdência. 

Sem deixar de reconhecer, mais uma vez, que são cargos de "livre escolha" do Executivo, o ministro sublinhou um aspecto "fundamental"na função que os nomeados deveriam exercer: "zelar pela imparcialidade das decisões do colegiado, garantindo a devida independência dos conselheiros membros, em proteção aos princípios da moralidade e impessoalidade". Escreveu Alexandre Moraes que, "nessas circunstâncias, em que o chefe do Poder Executivo nomeia seus dois irmãos como representantes do Executivo ao Conselho Fiscal IAPREV, tem-se configurada a prática de nepotismo, nos termos vedados pela Súmula Vincultante 13". 

Em sua argumentação, também contrária a 03, a Consultoria Legislativa do Senado seguiu outro caminho para chegar à mesma conclusão. 

Alega que os embaixadores não exercem o papel de agentes políticos: "não são titulares de órgãos da cupula do Estado nem atuam com independência funcional. Seguem instruções e se sujeitam a supervisão de órgãos superiores do Ministério das Relações Exteriores, os quais, por sua vez, prestam assessoramento ao ministro de Estado".

Seja pelos casos já resolvidos no STF, seja pela avaliação da Consultoria Legislativa do Senado, está cada vez mais claro o desastre que a nomeação de Eduardo Bolsonaro representa uma ameaça a diplomacia e ao Estado Democrático de Direito.

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