Biden/Trump
Em poucas palavras: eles são essencialmente iguais, sustentam a dominação capitalista nas condições em que ela se apresenta, mas com diferenças de superfície (questão climática, questões de gênero, etc.), também elas capazes de afetar, sem todavia alterações de fundo, as relações internacionais desta própria dominação
Continua nas redes sociais o debate sobre o significado da eleição de Biden, suas diferenças e semelhanças em relação a Trump. Muita confusão parece estar no ar, e nesse sentido vale uma breve nota a respeito, econômica mesmo, cujo único objetivo é o de propor uma questão teórica que possa organizar a discussão em um outro nível.
Diria que todo o problema está na dialética entre “aparência” e “essência” central ao marxismo (e obviamente já a Hegel). Em poucas palavras: eles são essencialmente iguais, sustentam a dominação capitalista nas condições em que ela se apresenta, mas com diferenças de superfície (questão climática, questões de gênero, etc.), também elas capazes de afetar, sem todavia alterações de fundo, as relações internacionais desta própria dominação.
Com efeito, estas diferenças de superfície, de aparência, contam alguma coisa (mesmo sendo ambos igualmente — essencialmente — imperialistas!) Se nos metermos a dizer que não contam, estaremos na boa companhia do novo socialchauvinismo que anda por aí (e que se entusiasmou com Trump 4 anos atrás). Dito de outro modo, estaremos adotando uma posição vizinha àquela dos fascistas. Estaremos nos deixando hegemonizar por suas monstruosas ideias, avessas à luta das mulheres, dos imigrantes, contra o racismo e pela proteção ambiental.
Isto, obviamente, não nos autoriza a propor qualquer espécie de frente ampla mundial com Biden. A ideia de frente, tal como emergiu no marxismo nos anos 20 (com Karl Radek na Alemanha, com Gramsci na Itália, discípulos criativos de Lenin), tem a ver com uma aliança dos operários e dos camponeses pobres com os setores médios, jamais com o grande capital, a quem Biden efetivamente serve. Do ponto de vistas das esquerdas, portanto, trata-se apenas de um “critério de interpretação” do fenômeno Biden, não da adesão ao seu governo.
Ainda assim, uma conclusão se impõe — teórica antes de tudo, política apenas de modo assintótico. Toda essa discussão pressupõe entender que a “aparência” não é para o marxismo (como não era para Hegel) mera “ilusão”. Trata-se de uma dimensão da realidade, como escreveu Losurdo nas belas páginas que nos deixou sobre o filósofo de Stuttgard. Para Gramsci, estaríamos diante do “valor intrínseco das ideologias”.
E ignorá-lo seria dar prova de uma visão pouco dialética da história, binária mesmo, segundo a qual se determinado fenômeno social é uma coisa, não pode ser simultaneamente outra, ou melhor, não pode estar sujeito a pressões sociais de outra natureza. Boa para um marxismo de jardim de infância, habituado a pensar as conquistas da humanidade de maneira rígida, a partir de etapas mecânicas — frequentemente guiadas pelo primado absoluto da economia — , e das quais ele próprio é a encarnação — divina, por supuesto — na Terra.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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