Economia da Cultura no respirador
Os profissionais da cultura e da arte estão entrando em desespero. Há muita informalidade no setor. Não sabemos quanto tempo vai levar até que a curva epidemiológica decresça. E em quanto tempo as pessoas se sentirão seguras novamente para voltar ao teatro, aos museus, aos bares, aos restaurantes, aos shows
Seu Augusto trabalha como garçom há 37 anos. Tá parado em casa. A vizinha do Seu Augusto é esposa do Mário, carregador há mais de 8 anos da imensa traquitana de uma das aparelhagens mais famosas do Pará, que está há mais de 15 dias sem fazer show. O cunhado da prima do Mário é tecladista de uma banda que toca em um barzinho. Neste bar trabalham 3 seguranças, nos finais de semana. Mas o bar não pode abrir. Um dos seguranças é o Jacinto, namorado da Karla, dançarina de uma banda de brega que faz muito show no interior. Só que os shows foram cancelados. A Karla é irmã da Karina, que estava ensaiando uma peça de teatro infantil – seu sonho é ser atriz. Os ensaios foram suspensos e a peça tá sem data pra estrear.
Esse é apenas um pequeno recorte do imenso batalhão de profissionais envolvidos na Economia da Cultura. Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas, no ano passado, o setor movimentou 190 bilhões de reais no país, gerando cerca de 2,5 milhões de postos de trabalho. Gente como Seu Augusto e Karla – só pra citar personagens de um exército de anônimos – que estão com suas atividades completamente paralisadas, por conta da crise da covid-19. Esse baque na cena cultural vai provocar uma retração de 24% na movimentação financeira do segmento. Serão menos 46 bilhões de reais; isso é mais do que o investimento anual do governo federal no programa Bolsa Família.
Os profissionais da cultura e da arte estão entrando em desespero. Há muita informalidade no setor. Não sabemos quanto tempo vai levar até que a curva epidemiológica decresça. E em quanto tempo as pessoas se sentirão seguras novamente para voltar ao teatro, aos museus, aos bares, aos restaurantes, aos shows. Os governos estaduais vêm implementando saídas rápidas, com editais como o Te Aquieta em Casa, do Pará, que já está selecionando 380 conteúdos digitais, com remuneração de 1 mil e 500 reais pra cada. Ou o Edital Preamar de Cultura e Arte, que vai premiar com 28 mil reais 100 projetos de todo o estado. Mas o Governo Federal precisa fazer a sua parte. Dinheiro existe _ só em reservas internacionais são mais de 1 trilhão de reais. Uma medida rápida: o descontingenciamento de 300 milhões do Fundo Nacional de Cultura. Basta repassar aos Fundos Estaduais que as Secretarias de Cultura já sabem como operar os editais, só precisam do aporte. Em 2010, o FNC investiu 345 milhões de reais em programas e projetos de fomento à cultura; em 2019 o investimento foi de 990 mil...
A cultura está presente no comer, no vestir, nas experiências profundas de compreensão do mundo, do outro e de nós mesmos. É a base de saberes e fazeres que moldam nossa história, nossa memória e nossa identidade. Mas, para além de ser o motor gerador do prazer de ouvir música, assistir a um filme, dançar, comer e até rezar, a cultura é o ganha pão de milhões de pessoas que, com seu trabalho, geram impostos, pagam impostos e movimentam a economia dos territórios. Cultura não é supérfluo, nem perfumaria. E pra sair desta crise, o governo federal precisa parar de desidratar a cultura brasileira. Antes que nenhum respirador consiga nos tirar da UTI.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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