Guerra com o Irã
"EUA, Arábia Saudita e Israel, responsáveis por fiascos militares, mortes e crimes de guerra no Oriente Médio, agora querem atacar o Irã", diz Chris Hedges
Originalmente publicado no The Chris Hedges Report. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247
Os Estados Unidos, Israel e a Arábia Saudita estão tramando uma guerra com o Irã. O acordo de 2015 sobre as armas nucleares iranianas – ou o Plano de Ação Abrangente Conjunto (JCPOA – Joint Comprehensive Plan of Action) – o qual Donald Trump sabotou, não parece que será revivido. O Comando Central [militar] dos EUA (CENTCOM – U.S. Central Command) está revisando opções para atacar se Teerã parecer preparada a obter uma arma nuclear e Israel, que se opõe às negociações nucleares EUA-Irã, executar ataques militares. Durante a sua visita à Israel, Biden assegurou ao primeiro-ministro Yair Lapid que os EUA “estão preparados para usar todos os elementos do seu poder nacional”, incluindo a força militar, para impedir o Irã de construir uma arma nuclear. A Arábia Saudita, Israel e os EUA funcionam como a Troika do Oriente Médio. O governo israelense construiu uma aliança íntima com a Arábia Saudita, que produziu 15 dos 19 sequestradores dos ataques de 11 de setembro de 2001 [às torres-gêmeas de New York] e tem sido uma patrocinadora prolífica do terrorismo internacional, apoiando o jihadismo Salafita, a base do al-Qaeda, e outros grupos similares do Afeganistão, como os Talibã, o Lashkar-e-Taiba (LeT) e a Frente Al-Nusra. Os três países trabalharam em paralelo para apoiar o golpe militar de 2013 no Egito, liderado pelo General Abdel Fattah al-Sisi, que derrubou o seu primeiro governo democraticamente eleito. Ele aprisionou dezenas de milhares de críticos do governo, incluindo jornalistas e defensores de direitos humanos, sob acusações politicamente motivadas. O regime de Sisi colabora com Israel em manter a sua fronteira comum com Gaza fechada aos palestinos, encurralando-os na faixa de Gaza, um dos lugares mais densamente povoados e empobrecidos da Terra. Israel, a única potência nuclear do Oriente Médio, tem conduzido uma campanha contínua de ataques secretos às instalações nucleares iranianas e aos seus cientistas nucleares. Entre 2010 e 2012, quatro cientistas nucleares iranianos foram assassinados, presumivelmente por Israel. Em julho de 2020, um incêndio, atribuído a uma bomba israelense causou danos às instalações nucleares iranianas em Natanz. Em novembro de 2020, Israel usou metralhadoras acionadas por controle remoto para assassinar o maior cientista nuclear iraniano. Em janeiro de 2020, os EUA assassinaram o General Qassem Soleimani, chefe da Força de elite iraniana Quds, juntamente com outras noves pessoas e incluindo uma figura-chave na coalizão anti-ISIS, Abu Mahdi al-Muhandis. Eles [os EUA] usaram um veículo aéreo não-tripulado MQ-9 Reaper para disparar mísseis contra o seu comboio, próximo ao aeroporto de Baghdad. Se ataques similares tivessem sido executados por operadores iranianos dentro de Israel, isto teria detonado uma guerra. Apenas a decisão do Irã de não retaliar, além de enviar cerca de uma dúzia de mísseis balísticos visando duas bases militares no Iraque, evitaram a conflagração. Em 7 de julho, o Irã informou a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA – International Atomic Energy Agency) que está usando as suas centrífugas IR-6 com “subtítulos modificados”. O propósito declarado do processo de enriquecimento [de urânio] nas suas instalações em Fordow é de criar isótopos de urânio enriquecidos até 20% - muito abaixo dos 90% de níveis de enriquecimento necessários para criar urânio em grau de armas. Sob o acordo de JCPOA, os níveis de enriquecimento foram limitados a um máximo de 3,67%. Israel alocou US$ 1,5 bilhão para um potencial ataque contra o Irã e, durante a primeira semana de junho, conduziram exercícios militares de larga escala, incluindo um sobre o Mediterrâneo e no Mar Vermelho, em preparação a um ataque às instalações nucleares iranianas, usando dezenas de aviões de combate e incluindo jatos F-35 da Lockheed Martin. O Memorando de Entendimento de 2016 assinado pelo presidente Barak Obama provê um pacote militar de US$ 38 bilhões para Israel num período de 10 anos. Israel e o seu lobby nos EUA estão trabalhando para apressar as negociações com o Irã para monitorar o seu programa nuclear. A preparação para a guerra espelha a pressão israelense sobre os EUA para invadir o Iraque – uma das piores decisões estratégicas da história dos EUA.
O ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, testemunhando numa comissão sobre a guerra britânica no Iraque, ofereceu esta versão sobre as suas discussões com George W. Bush em Crawford, Texas, em abril de 2002:
Como eu me lembro daquela discussão, ela tinha menos a ver com questões específicas sobre o que nós estaríamos fazendo no Iraque ou, efetivamente, no Oriente Médio, porque a questão de Israel era uma questão grande, grande naquele momento. Na verdade, eu penso, eu me lembro, efetivamente, que podem ter ocorrido conversas que nós dois tivemos até com os israelenses, enquanto estávamos lá. Isso foi uma parte maior de tudo isso.
A Arábia Saudita, que busca dominar o mundo árabe, rompeu relações diplomáticas com o Irã em 2016, depois que a sua embaixada em Teerã foi invadida por manifestantes após a execução do religioso Shia Sheikh Nimr al-Nimr em Riad. Com ajuda chinesa, a Arábia Saudita construiu uma fábrica para processar minério de urânio e adquirir mísseis balísticos. Em 2017, a Arábia Saudita assinou uma série de cartas com os EUA para comprar armas imediatamente, num total de US$ 110 bilhões, e de US$ 350 bilhões na próxima década.
Uma guerra com o Irã seria uma catástrofe de proporções inimagináveis. Ele se espalharia rapidamente por toda a região. Os Xiitas por todo o Oriente Médio veriam um ataque ao Irã como uma guerra religiosa contra o Xiismo. Os dois milhões de Xiitas da Arábia Saudita, concentrados na província do leste que é rica em petróleo; a maioria Xiita no Iraque; e as comunidades Xiitas em Bahrain, no Paquistão e na Turquia se juntariam à luta contra os EUA e Israel.
O Irã usaria os seus mísseis anti-navios supridos pela China, as embarcações rápidas e submarinos equipados com foguetes e bombas, minas, drones e artilharia de costa para bloquear o estreito de Ormuz, que é o corredor de 20% do fornecimento de petróleo e gás liquefeito do mundo. As instalações de produção de petróleo no Golfo Pérsico seriam sabotadas. O petróleo iraniano, que perfaz 13% do fornecimento mundial de energia, seria tirado do mercado. O preço do petróleo pularia para um preço acima de US$ 500 por barril e, talvez, à medida que o conflito seguisse, para acima de US$ 750 por barril. A nossa economia baseada no petróleo, que já está cambaleando sob o aumento de preços por causa das sanções sobre a Rússia, pararia completamente. Israel seria atingida por mísseis balísticos Shahab-3 do Irã. Os depósitos do Hezbollah de foguetes supridos pelo Irã, os quais se alega que poderiam atingir qualquer lugar em Israel – incluindo a instalação nuclear de Israel em Dimona – também seriam empregados. Ataques do Irã e seus aliados à Israel, assim como em instalações militares estadunidenses na região, deixariam centenas, talvez milhares, de mortos.Em 2002, as forças militares dos EUA conduziram o seu “mais elaborado jogo de guerra”, que custou mais de US$ 250 milhões. Conhecido como Desafio do Milênio, este exercício foi executado entre uma Força Azul (os EUA) e a Força Vermelha (amplamente considerada como um substituto para o Irã). [Este jogo] teve a intenção de validar “os conceitos modernos de combate de guerra de serviços conjuntos”. E isto fez o oposto. A Força Vermelha, liderada pelo general-tenente aposentado dos Marines, Paul Van Riper, conduziu um enxame de ataques de botes kamikaze suicidas e destruíram 16 navios de guerra dos EUA em menos de 20 minutos. Quando o jogo de guerra foi reiniciado, este foi manipulado à favor da Força Azul. Foi dado à Força Azul acesso à tecnologia experimental – incluindo aquelas que não existem, como as armas aéreas a laser. Neste ínterim, foi dito à Força Vermelha que eles não tinham permissão de derrubar aviões da Equipe Azul, que teriam que manter as suas armas ofensivas visíveis e que não poderiam usar armas químicas. Mesmo assim, a Força Azul não conseguiu cumprir todos os seus objetivos, porque [o general] Riper lançou uma insurgência de guerrilha contra as forças ocupantes. Por que Joe Biden não deva ser festejado pelo regime assassino da Arábia Saudita e pelo estado de apartheid de Israel? Ele e os EUA têm tanto sangue nas mãos quanto aqueles doi. Sim, em 2018, o governante de facto da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, ordenou o assassinato e o desmembramento do meu amigo e colega Jamal Khashoggi.
Sim, Israel assassinou a jornalista palestina Shireen Abu Akleh. Mas Washington tem mais [coisas] ainda que coincidam com os crimes executados por Israel e os sauditas, incluindo aqueles contra jornalistas.O aprisionamento de Julian Assange - quem divulgou o vídeo de assassinato colateral que mostra os pilotos de helicóptero dos EUA rindo, enquanto matavam a tiros dois jornalistas da Reuters e um grupo de civis no Iraque, em 2007 – foi projetado para destruir psicologicamente e fisicamente Assange. Os cadáveres de civis, incluindo os de crianças, empilhados por Israel e a Arábia Saudita – que fazem muito das suas matanças em Gaza e no Iêmen com armas estadunidenses – sequer chegam perto dos milhares de mortos que nós [os EUA] deixamos para trás nas duas décadas de guerras perpetradas no Oriente Médio.Em 1991, uma coalizão liderada pelos EUA destruiu muito da infraestrutura civil do Iraque – incluindo instalações de tratamento de água, que resultaram na contaminação da água potável do pais por esgotos. Depois, seguiram-se anos de ataques aéreos dos EUA, do Reino Unido e da França para impor uma “No Fly Zone” [zona sem voos], juntamente com sanções esmagadoras impostas por eles através da ONU. De 1991 a 1998, estima-se que só estas sanções sozinhas tenham matado entre 100 mil e 227 mil crianças iraquianas com menos de cinco anos de idade, apesar que os números exatos tenham sido objeto de muitas disputas. As campanhas de bombardeios “Shock and Awe” (Choque e Intimidação) dos EUA dos centros urbanos do Iraque durante a sua subsequente invasão do Iraque em 2003 despejaram 3.000 bombas sobre áreas civis, matando mais de 7.000 não-combatentes nos dois primeiros meses da guerra. Segundo uma estimativa, os EUA foram responsáveis, direta ou indiretamente, pela matança de cerca de 20 milhões de pessoas desde o final da Segunda Guerra Mundial.
Israel e a Arábia Saudita são estados-gangsters. Mas assim também o são os Estados Unidos.
Reagindo aos legisladores democratas [dos EUA] que criticaram o tratamento dado por Israel aos palestinos, Joe Biden declarou ao Canal 12 de notícias de TV israelense: “Há alguns destes. Eu penso que eles estão errados, que estão cometendo um erro. Israel é uma democracia. Israel é nossa aliada. Israel é um país amigo e eu não faço apologias [por eles].”A angústia sobre Biden não haver responsabilizado os sauditas e os israelenses nesta visita é risível – como se nós [os EUA] ainda tivéssemos qualquer credibilidade que nos permita arbitrar entre o certo e o errado. A ideia de que Biden e os EUA são agentes da paz foi eviscerada há muito tempo. Os EUA oferecem um apoio desavergonhado ao governo de direita de Israel, incluindo os seus vetos às resoluções da ONU que censuram Israel. [Os EUA] se recusam a condicionar a sua ajuda ao respeito aos direitos humanos, mesmo quando Israel lança repetidos assaltos assassinos contra a população civil de Gaza, rotula as ONGs palestinas de grupos terroristas, expande as colônias ilegais só de judeus [na Cisjordânia], executa expulsões agressivas de habitações de famílias palestinas e maltrata cidadãos palestinos e árabe-americanos nos pontos de entrada e dentro dos Territórios Palestinos Ocupados.A ideia de que nós [os EUA] representamos e promovemos a virtude ilustra a autoilusão que acompanha a nossa degeneração moral e física. O resto do mundo, que se encolhe em repugnância àquilo que nós [os EUA] nos tornamos, não nos leva à sério. Eles têm medo das nossas bombas. Porém, medo não é respeito. Eles não invejam mais a nossa cultura de massas hedonista, manchada por assassinatos em massa, desigualdade social, a decadência da nossa infraestrutura e os estilo político de 'Grand Guignol' [teatro de terror] que tornou o discurso civil e político em uma burla espalhafatosa. Os EUA são uma piada sinistra que está prestes a ficar pior quando os fascistas cristãos, os fanáticos e os teóricos da conspiração tomarem o controle do Congresso [nacional dos EUA] neste outono [eleições de meio-mandato] e, eu prevejo, da presidência dois anos depois.Junto com Israel, os EUA guerreiam contra os muçulmanos – os quais, com estimados 1,9 bilhões de praticantes, abrangem cerca de 25% da população mundial. Nós [os EUA] tornamos muitos no mundo muçulmano em nossos inimigos. O mundo muçulmano não nos odeia pelos nossos valores. Ele odeia a nossa hipocrisia. Ele odeia o nosso racismo, a nossa recusa em honrar as suas aspirações políticas, os nossos ataques letais e ocupações militares, e as nossas sanções incapacitadoras. Os muçulmanos expressam a fúria sentida pelos guatemaltecos, cubanos, congoleses, brasileiros, argentinos, indonésios, panamenhos, vietnamitas, cambojanos, filipinos, coreanos do sul e do norte, chilenos, nicaraguenses e salvadorenhos – aqueles que Frantz Fanon chamou de “os miseráveis da Terra”. Também eles foram abatidos pela nossa [dos EUA] máquina militar e subjugados, humilhados, forçados a aceitar a hegemonia dos EUA e assassinados nos nossos [dos EUA] centros clandestinos de tortura, ou por assassinos apoiados pela CIA.Ninguém é responsabilizado. A CIA bloqueou todas as investigações sobre o seu programa de torturas, incluindo a destruição de evidências em videoteipe de interrogatórios envolvendo tortura e censurando quase todas as 6.900 páginas do relatório feito pelo Comitê Seleto do Senado [federal dos EUA] sobre os serviços de inteligência que examinaram o programa pós-9/11 [ataques às torres-gêmeas de New York em 11.09.2001] de detenção, tortura e outros abusos contra os detidos.Biden vai à Arábia Saudita e à Israel como um suplicante. Enquanto era candidato à presidência, ele chamou a Arábia Saudita de “pária” e jurou fazê-la “pagar o preço” pelo assassinato de Khashoggi. Porém, com o preço crescente do petróleo, Biden está “branqueando” [jogando uma pá de cal sobre] o assassinato, juntamente com o desastre humanitário que os sauditas causaram no Iêmen, implorando que os sauditas aumentem a produção de petróleo, um apelo rejeitado pelo príncipe Salman. De maneira similar, Biden é fraco em Israel, impotente contra a expansão das colônias judaicas [nos territórios palestinos ocupados] e os ataques aos palestinos e indispostos a mudar a embaixada dos EUA de Jerusalém de volta à Tel-Aviv – uma jogada do governo Trump que viola a lei internacional. A equipe de Biden ficou reduzida a apelar aos israelenses que não o constranjam, como fizeram durante a sua visita como vice-presidente em 2010. Durante a sua visita em 2010, Israel anunciou que estava construindo 1.600 novas casas somente para judeus em colônias ilegais na região leste da Jerusalém ocupada. A Casa Banca de Obama condenou com raiva “a substância e o 'timing' do anúncio”. Como podem os EUA barrar Cuba, Nicarágua e Venezuela de participarem da cúpula das Américas em Los Angeles e, ao mesmo tempo, abraçar o regime saudita e o estado de apartheid de Israel? Como podem os EUA denunciar os crimes de guerra da Rússia e, ao mesmo tempo, lançar um violência industrial [em massa] contra o mundo muçulmano. Como podem os EUA apelar à favor de 12 milhões de Uyghurs, na sua maioria muçulmanos, vivendo em Xingjian [China] e, ao mesmo tempo, ignorar os palestinos? Como podem os EUA justificar mais uma “guerra preventiva” - desta vez, contra o Irã? A duplicidade não passa desapercebida ao mundo. Eles sabem quem nós [os EUA] somos. Eles sabem que, aos nossos olhos, eles não importam. A nossa inevitável morte no palco mundial é aplaudida pela maioria do planeta. A tragédia é que, à medida que nós [os EUA] caímos, estamos decididos a levar junto conosco muitos outros.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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