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Valéria Dallegrave

Jornalista, escritora e dramaturga

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"Privacidade Hackeada" – a manipulação das mentes

O documentário da Netflix Privacidade Hackeada (The Great Hack), dos diretores Karim Amer e Jehane Noujaim, lançado em 24 de julho deste ano, "nos dá a sensação de estar em um livro de George Orwell (1984) ou Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo)", escreve Valéria Dallegrave

(Foto: Divulgação)
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O documentário da Netflix Privacidade Hackeada (The Great Hack), dos diretores Karim Amer e Jehane Noujaim, lançado em 24 de julho deste ano, traz questões essenciais para o rumo da humanidade, indo a fundo no escândalo Cambridge Analytica, revelado em março de 2018. Dentre as diversas entrevistas, acompanhamos mais detidamente três personagens: O professor David Carroll, da Parsons School of Design de Nova York, que entrou na justiça pelo direito de saber como foram usados seus dados - e tornou-se protagonista na luta para transformar os direitos sobre as próprias informações digitais em direitos humanos -; Brittany Kaiser, ex-funcionária da Cambridge Analytica que se arrisca a depor contra a empresa e Carole Cadwalladr, jornalista do The Guardian, finalista do Prêmio Pulitzer de 2019 devido ao trabalho investigativo que desenvolveu sobre o caso.

Tudo começa com algo aparentemente simples e inocente, como um aplicativo do facebook... Bem, talvez não tão simples, nem tão inocente. O que vem depois disso nos dá a sensação de estar em um livro de George Orwell (1984) ou Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo). São, sem dúvida, tempos estranhos, o mundo se transforma rapidamente com os avanços da tecnologia. É importante, para começar, saber que os dados já chegaram a superar o petróleo em valor de investimento... 

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O aplicativo thisisyourdigitallife, como muitos outros, solicitava autorização para acessar os dados dos usuários, e de seus amigos. Declarando-se uma “ferramenta de pesquisa para psicólogos”, aplicava um questionário com o propósito de gerar um perfil de personalidade. A Cambridge Analytica, companhia britânica de análise de informações, comprou esses dados e os usou para fins diferentes dos declarados, como influenciar eleitores nos Estados Unidos - na eleição de Trump - , em outros países, e no plebiscito do Brexit.  A empresa, a título de “estratégia política”, utilizou os perfis de personalidade para manipular o público através de fake news e memes nas diversas redes sociais, até criar uma específica visão de mundo que determinou as escolhas políticas dos indivíduos. Não é para menos que a Cambridge Analytica se vendeu como “o santo graal das comunicações, capaz de alterar comportamentos”.Tudo fica mais claro ainda quando descobrimos que a empresa teve origem na SCL (Strategic Communication Laboratories), que treinava exércitos de diferentes países para a “guerra fora da guerra”, ou “guerra psicológica”, com fake news para disseminar medo e ódio. Ou que a filosofia de Steve Bannon, vice-presidente da empresa e estrategista da campanha de Trump, é de que, para mudar fundamentalmente uma sociedade, primeiro é preciso destruí-la, para depois remodelá-la segundo sua visão de uma nova sociedade... Segundo notícias divulgadas na época, o vazamento de dados atingiu até 87 milhões de pessoas, incluindo 443 mil usuários no Brasil. O tipo de ação da C.A. envolvia, sim,o uso de fake news com a intenção de semear medo e ódio, e isso ninguém pode negar que tem acontecido por aqui... Porém, ao compreender que a divisão criada na sociedade brasileira aconteceu igualmente  em outros países - que ainda não conseguiram reverter o estrago-, podemos deduzir que o ódio não é parte essencial da cultura brasileira, mas do ser humano. Além disso, é preciso lembrar do potencial de viralizar emoções através das redes sociais, que já havia sido comentado em artigo anterior.

O facebook está sendo investigado nos EUA, no Reino Unido e no Brasil, e excluiu duzentos aplicativos de suas plataformas - até maio de 2018 -, além de ter reduzido a quantidade de dados que podem ser obtidos através dos mesmos, e melhorado os controles de privacidade. Zuckerberg já deu depoimento ao Senado dos EUA em 10 de abril do ano passado, durante mais de cinco horas, no qual assumiu a responsabilidade pelas falhas e se comprometeu a buscar a não interferência nas eleições do Brasil ( o que não deu muito certo, não é!?). Na ocasião, especificou as dificuldades com que tem de lidar: “Discurso de ódio é uma das coisas mais difíceis de identificar. Temos que separar o que é ofensivo do que é odioso. 99% do conteúdo terrorista é tirado por inteligência artificial. Elas conseguem identificar diferenças de linguagens. A linha entre discurso político legítimo e discurso de ódio pode ser difícil de identificar.” Ele completou dizendo que poderia demorar de cinco a dez anos para ter ferramentas de inteligência artificial que combatam com precisão e velocidade os discursos de ódio na rede. (enquanto isso, fazemos o quê, Zuck!?).   

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Em maio do mesmo ano, conversou com líderes do Parlamento Europeu, e não quis responder perguntas sobre o uso cruzado de dados do facebook e do whatsapp. Também admitiu que os investimentos em segurança reduzirão significativamente a lucratividade da plataforma, embora tenha se comprometido com os mesmos... 

É evidente que não foi possível barrar o discurso de ódio, e as eleições brasileiras foram totalmente prejudicadas com o uso indevido das redes sociais, conforme denúncia da FSP sobre uso de robots. Ao não admitir a gravidade da situação, o facebook e as outras redes digitais tornam-se cúmplices ou coniventes de toda a violência decorrente de seu mau uso.  De nossa parte, precisamos admitir a vulnerabilidade que existe nos indivíduos (negada até mesmo por muitas teorias da comunicação), a terrível falta de privacidade que vivemos hoje e a dependência absurda que adquirimos das plataformas de tecnologia, que está arruinando democracias, como bem resume Carol Cadwalladr.

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Em palestra na TED-X, em abril deste ano, a jornalista britânica  dirigiu-se diretamente aos grandes empresários das empresas de ponta de tecnologia no Vale do Silício* (Zuckerberg é apenas o mais famoso),  buscando sensibilizá-los para a gravidade das consequências do mau uso das redes sociais  nos diversos países, com o ódio sendo espalhado sem controle... O Brasil é citado como um dos exemplos de país em que isso acontece, como os Estados Unidos, o Reino Unido, a Fança, a Hungria, Mianmar e a Nova Zelândia. Sua palestra completa pode ser assistida aqui.   

Houve novos vazamentos de dados em setembro de 2018, e em abril deste ano. Se as redes sociais ainda estão sendo usadas para campanhas de manipulação política da extrema direita, o que podemos nos perguntar também é se não temos superestimando o poder destes grupos  ao fazer avaliações da situação política baseadas no mundo deformado das mídias digitais, que se tornou nossa esfera pública...

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Sobre as relações do Governo Bolsonaro com os principais nomes envolvidos no caso, não é segredo que Eduardo Bolsonaro se encontrou com Steve Bannon em agosto do ano passado, antes das eleições, quando recebeu “conselhos” para a campanha eleitoral do pai, conforme divulgado na mídia. Bannon é também idealizador do grupo “O Movimento”, que promete ascensão do nacionalismo de direita no mundo. Ele, por falar nisso, teceu elogios à indicação do filho de Bolsonaro para embaixador nos EUA, comentando que será ótimo ter em Washington alguém “que realmente entende O Movimento”, e completou com a observação de que “Eduardo é um indivíduo extraordinariamente talentoso”.

Por fim, para fazer pensar sobre o que tem acontecido no Brasil, creio que é importante citar um exemplo do “trabalho” da Cambridge Analytica: Trinidad & Tobago tem dois principais partidos políticos, um dos afro-caribenhos e outro dos indianos. A empresa trabalhou para os indianos, e criou uma campanha dirigida aos jovens afro-caribenhos, visando aumentar a sua apatia. Era uma campanha “apolítica”, com a chamada “join the gang” (faça parte do movimento),  que  convocava os jovens a boicotar as eleições, em protesto contra os políticos. A campanha tomou as ruas, houve manifestações e dancinhas com coreografia (faz lembrar algo?) e o partido dos indianos venceu as eleições, com alta abstenção entre os afro-caribenhos... 

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*O Vale do Silício localiza-se na região da baía de São Francisco, na Califórnia, Estados Unidos,  onde estão situadas várias empresas de alta tecnologia, de eletônica e informática. 

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Alguns dos sites utilizados como fonte:

https://www.brasil247.com/blog/este-odio-nao-lhe-pertence-uma-breve-historia-da-manipulacao-midiatica-e-nas-redes-sociai shttps://www.imdb.com/title/tt9358204/ 

https://tecnologia.ig.com.br/2018-04-10/zuckerberg-depoimento-facebook-congresso.html

https://br.reuters.com/article/worldNews/idBRKCN1IN2M5-OBRWD 

https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/facebook-e-processado-em-r-150-milhoes-por-vazamento-de-dados-de-usuarios/

https://www.techtudo.com.br/noticias/2019/04/brecha-no-facebook-expos-540-milhoes-de-interacoes-e-22-mil-senhas.ghtml https://www.brasil247.com/mundo/lider-do-neofascismo-global-bannon-comemora-eduardo-embaixador
 

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