"Nosso sangue irriga a soja consumida na Europa", denuncia comitiva indígena em Roma
Eliseu Guarani-Kaiowá, que integra a comitiva que está em viagem à Europa para denunciar os ataques do governo Jair Bolsonaro aos povos indígenas, afirmou, ainda, que os povos tradicionais são perseguidos e monitorados pelo governo brasileiro
Rafael Belincanta, da RFI em Roma - Uma comissão da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), iniciou nesta segunda-feira (21) um giro pela Europa para divulgar a campanha Sangue Indígena: nenhuma gota a mais. O objetivo é denunciar as sistemáticas violações dos direitos das populações indígenas pelo governo brasileiro e pressionar a comunidade europeia para vetar o consumo de produtos provenientes de áreas de conflito.
A comissão apresentada à imprensa na sede do Greenpeace em Roma é formada por Sandra Guajajara, Dinamam Tuxá, Angela Kahiana, Kretã Kaingang e Eliseu Guarani-Kaiowá, que representam etnias das cinco regiões do Brasil.
Eliseu Guarani-Kaiowá veio do Mato Grosso do Sul e faz parte da segunda maior população indígena do Brasil. Ele denunciou a escalada de violência provocada pela liberação das armas e o aumento do uso de agrotóxicos, sobretudo no monocultivo de soja. "Nosso sangue irriga a soja consumida na Europa", afirmou Eliseu. Ele teve que pedir autorização judicial para sair do Brasil. “Somos perseguidos e o governo monitora cada um de nossos passos”, desabafou.
Nordeste
Dinamam Tuxá, liderança que representa 78 povos do Sudeste e do Nordeste, garantiu que os índios são os guardiões de 82% da biodiversidade brasileira e que são vítimas da “política etnocida do governo brasileiro”. “As consequências do desmonte da política ambiental indigenista que o governo está fazendo hoje vai repercutir por 20 anos, ou mais. E será toda a humanidade a pagar as consequências”, advertiu Tuxá.
Dinamam Tuxá com um cocar usado em celebrações e durante guerras. A pintura em urucum revela que ele está num período em que fala menos e observa mais.Rafael Belincanta
Dinamam também relatou que o Brasil tem hoje 305 povos diversos que falam 274 línguas e somam 1 milhão de indígenas numa área que compreende 13% do território nacional. Ele denunciou interesses econômicos, como a monocultura do coco na Bahia, que está destruindo a biodiversidade do território. "Essa indústria financia o genocídio das nossas etnias. É isso que viemos dialogar com muitas dessas multinacionais que têm sede aqui na Europa. Eles têm que tornar público o que estão fazendo no Brasil", reivindicou.
Demarcação
Angela Kahiana, da etnia que vive no Pará, disse que a paralisação na demarcação de terras deixa as comunidades ainda mais vulneráveis.
“O nome da campanha não é uma metáfora, mas um fato real. As queimadas são criminosas, atos intimidatórios, e os povos indígenas em isolamento voluntário são os mais atingidos. A não demarcação das terras coloca em risco a vida de mais de 103 povos isolados, fragiliza os territórios, sobretudo pela ação ilegal de garimpeiros, hidroelétricas e grileiros. Defender os territórios indígenas é garantir a sobrevivência da humanidade", afirmou.
Preconceito nacional
Kretã Kaingang luta para defender os territórios no Sul do Brasil. Ele informa que hoje são 70 os pontos reivindicados para demarcação na região. O mais importante é o da Terra Xokleng, em Santa Catarina, que aguarda votação geral no Supremo Tribunal Federal (STF). “Estamos muito otimistas para a votação, tenho certeza que nossa terra será demarcada”, declarou.
Kretã denunciou ainda uma nova forma de racismo que tomou forma no país. “Nós não somos uma ameaça, mas esse preconceito não se tira mais. O que passamos no Sul nos últimos 150 anos, hoje o Brasil inteiro está experimentando na forma de racismo constitucionalizado. Éramos mais de 64 mil quando a colonização europeia teve início e fomos quase dizimados. Naquela época, a Coroa pagava por pares de orelhas de índios mortos. Se sobrevivemos a essa atrocidade, hoje vamos seguir lutando”, afirmou.
Vaticano é aliado político
Luta endossada por Sônia Guajajara, coordenadora executiva da APIB, que lidera a comitiva. Ela vê no Sínodo da Amazônia, realizado atualmente no Vaticano, um momento histórico para fortalecer e cobrar o respeito aos povos originários.
“O papa fez uma reparação do erro histórico da Igreja Católica com os índios e lhe agradecemos a visibilidade a partir do Vaticano. Hoje eu vejo a Igreja Católica como um aliado político que nos ajuda a proteger a nossa cultura e autonomia. Temos o nosso livre arbítrio, a Amazônia está cheia de missionários neopentecostais que interferem na nossa cultura. Cada povo tem que ter garantida a autonomia para decidir se quer ou não a presença desses missionários, sem prejudicar o modo de vida em prol de qualquer que seja a religião”, defendeu.
Da Itália a comitiva seguirá para Alemanha, Suécia, Noruega, Holanda, Bélgica, Suíça, França, Portugal, Reino Unido com uma última etapa no final de novembro na Espanha.
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