Circo de horrores

Denúncia de estupro em programa de TV reacende discussão sobre até onde podem ir os excessos em nome da liberdade de expressão



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De férias e sem ler jornais ou ver televisão, recebo o mundo em doses homeopáticas e quase sempre atrasadas ou fragmentadas. Foi o que aconteceu em relação ao tema do momento: o suposto estupro registrado na madrugada de domingo (15) no reality show Big Brother Brasil, da TV Globo. Soube através de uma rede social, onde predominava a indignação, e não entendo o ar de surpresa com que a sociedade parece estar encarando a presumível ocorrência. Espécie de tragédia anunciada, a suposta violência sexual representa o desfecho previsível de uma série de ações bizarras testemunhadas pelo olho do grande irmão num circo de horrores que, há mais de uma década, rende milhões à emissora anfitriã do programa. E programa aqui pode, sim, ter aquela conotação associada à profissão mais antiga do mundo.

Nem vale discutir se o ato sexual foi ou não consumado. A nova redação do artigo 213 do Código Penal, aquele que trata dos crimes sexuais (agora chamados de crimes contra a dignidade sexual) define como estupro a conduta de "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso" e prevê como punição a reclusão entre seis e dez anos. Ou seja: submeter uma pessoa sem pleno domínio dos atos - pela ingestão de drogas legais ou ilegais - a carícias íntimas é considerado estupro.

Ocorre que ninguém nunca saberá a verdade por trás da versão. Brother e sister negam categoricamente que tenham passado dos limites (e existem limites?...), mas a polícia resolveu sair do papel de telespectadora e está cumprindo seu dever constitucional de apurar os fatos. Pelo menos, por enquanto. Se levará o caso adiante, são outros quinhentos...

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Ora, sabendo dos interesses comerciais que regulam o show business, dá para entender que é mais fácil comprar o silêncio dos envolvidos do que administrar os danos produzidos com situações desse tipo. Para os produtores, não importa se houve ou não violência sexual: o que interessa é avaliar se as regras (incrível, mas existem regras no que parecia um território sem leis) foram ou não quebradas. E se o brother estuprou a sister?... Bom, antes de qualquer reação, é preciso recorrer ao manual de boas maneiras do grande irmão para verificar se existe algum veto a esse tipo de conduta.

Mas, na verdade, o que surpreende não é a possibilidade de ter ou não ter havido um estupro numa casa cenográfica de uma emissora de TV. O que choca é a cumplicidade perversa, o silêncio conivente de quem deveria fiscalizar os atos da sociedade. Orgias regadas a sexo, álcool e sabe-se lá mais o quê nesse reality show nunca foi novidade. Pelo contrário, essa sempre foi a pedra de toque que fazia disparar a audiência do programa (é, nesse mundo tem gosto para tudo!) e, na democracia, em nome da liberdade de expressão, vale tudo, até jogar espalhar excrementos, via satélite.

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A pergunta que não quer calar é: por que nunca houve intervenção do Ministério Público nesse tipo de show de bizarrices? Se fosse aqui na Bahia, poderíamos responder que os senhores procuradores estavam muito ocupados em procurar fazer justiça, evitando que animais de tração fossem usados como alegorias em festas populares, por exemplo. No Rio, o MP também deve ter lá suas prioridades. Não por acaso, essa excrescência já está na 12ª versão.

E foi preciso acontecer uma situação-limite para que o Brasil se desse conta de que a TV está abusando do seu poder de movimentar a indústria do entretenimento. Ainda bem que, segundo os protagonistas da história, o que aconteceu sob o edredom foi uma sucessão de carícias calientes, mas consensuais. Certo, não foi um estupro. O próximo incidente pode ser uma morte por overdose de drogas. Ou um assassinato.

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