À espera da sentença, Dirceu ataca de repórter

Ex-ministro da Casa Civil entrevistou embaixador da Venezuela no Brasil, que falou sobre as eleições que se aproximam; Maximilien Arvelaiz explica como o país governado por Hugo Chávez foi o que mais reduziu as desigualdades na América Latina

À espera da sentença, Dirceu ataca de repórter
À espera da sentença, Dirceu ataca de repórter (Foto: Divulgação)


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247 – País ainda pouco conhecido pelos brasileiros, a Venezuela foi o que mais reduziu desigualdades na América Latina, segundo dados das Nações Unidas, utilizando a receita do petróleo. Para decifrar as transformações no país vizinho, o ex-ministro José Dirceu entrevistou o embaixador venezuelano no Brasil, Maximilien Arvelaiz. Leia:

Blog Zé Dirceu – Após 12 anos de governo de Hugo Chávez, a Venezuela mudou. E para melhor. De coqueluche dos Estados Unidos, por conta de suas reservas de petróleo, o país se transformou em um dos maiores opositores da política neoliberal do continente, retomou o controle de sua renda petrolífera e destinou-a aos programas sociais devolvendo a cidadania para os venezuelanos. 

Nesta trajetória arrojada e de assumida independência ante as exigências de Washington, o governo Chávez desagradou – e muito – a direita conservadora nacional e internacional, o que já lhe rendeu um golpe de Estado (em 2002) e a oposição ferrenha, dia e sim e no outro também, da mídia. Mas, segundo Maximilien Arvelaiz, embaixador da Venezuela no Brasil, valeu a pena. “Basta caminhar pela Venezuela para ver o quanto o país mudou”, comemora.

Agora, rumo à consolidação de sua independência, a Venezuela de Hugo Chávez retorna, mais uma vez, às urnas. Com data marcada - 7 de outubro – a eleição venezuelana é o retrato da forte polarização da sociedade venezuelana, conta Maximilien, a da esquerda unida a Chávez e a da direita, representada por Henrique Capriles. 

Nesta entrevista, Maximilien não apenas conta como está a campanha, como nos traz um retrato fiel da sociedade venezuelana, suas conquistas e aspirações. 

Membro do governo Chávez desde o início, Maximilien também explica por que o país é tão combatido pela mídia. E avalia as oportunidades – tanto para eles, quanto para nós – abertas com ingresso recente da Venezuela no MERCOSUL. 

Confira a entrevista e compreenda o que está em jogo na América Latina e por que o ex-presidente Lula afirmou recentemente a Chávez “sua vitória, nossa vitória”. 

[José Dirceu] A Venezuela hoje usufrui da mais justa distribuição de renda do continente. Como foi possível chegar a este patamar?

[Maximilien Arvelaiz] Com a recuperação da renda petroleira em primeiro lugar. A Venezuela tem uma das principais reservas de petróleo do mundo. Houve todo um processo nos anos 80 e 90 de externalizar nossa renda petroleira. Nesses doze anos de governo Chávez, nós tivemos uma primeira fase de reordenamento político com a implementação da nova Constituição. E, a partir de 2002/03, tivemos um enfrentamento muito forte para retomarmos o controle da PDVSA (Petroléos de Venezuela S.A). Foi uma guerra, uma greve patronal, em dezembro de 2002 e princípios de 2003, muito difícil e polarizada. Na medida em que procuramos recuperar o controle da PDVSA pudemos, por meio da renda do petróleo, servir aos programas sociais.

[ Dirceu ] Quanto as [empresas] pagavam de imposto [pelo petróleo] antes do governo Chávez?

[ Arvelaiz ] Não passava de 1% a 2%, era ridículo. Hoje é mais de 1/3. Com Chávez, a renda do petróleo passou a ser apropriada pela Venezuela e não mais pelas estrangeiras. E nós passamos a usar essa renda nos programas sociais. O interessante é que a maioria das grandes petroleiras ficaram. 

[ Dirceu ] Porque, mesmo assim, a renda é alta.

[ Arvelaiz ]  Exatamente. A grande diferença foi garantir que o petróleo servisse aos interesses do povo. Quando subiu ao poder, Chávez encontrou um país completamente quebrado, decadente, com mais de 60% de pobreza. Houve todo um esforço de recuperação do país. A primeira emergência, logo nos dois anos iniciais de governo, foi o grande programa Simón Bolívar, no qual Chávez chamou as Forças Armadas para atender o povo de imediato. Esse programa coincidiu com a tragédia de Vargas – desastre natural ocorrido em 1999 – que ocasionou fortes inundações em Caracas e nas demais regiões do país. Depois disso vieram as missões. 

A primeira foi a Missão Bairro Adentro que, com a ajuda de Cuba, criou uma rede de primeiro nível de médicos que foram para dentro das favelas. Essa missão começou em 2003, após o enfrentamento pela PDVSA. Os médicos cubanos – há 30 mil deles no país hoje – começaram a ir, em grupos, nas regiões onde os médicos venezuelanos nunca haviam estado, nos lugares de mais difícil acesso. 

Isso teve um impacto imediato na população. Em paralelo, nós instalamos uma rede de serviço básico, o chamado Centro de Atenção de Saúde Integral – estruturas que dão acesso ao básico da atenção médica para os venezuelanos. E depois, instalamos um segundo escalão mais importante nestes serviços que oferece pequenas intervenções. Isso tudo não existia antes.

Outra grande missão, já em 2003/04, foi o programa Robinson, um grande plano de alfabetização em todo o país realizado também com apoio de Cuba. Um programa extraordinário que permitiu à Venezuela ser considerada pela UNESCO um país livre do analfabetismo. Daí surgiram as demais missões, Robinson 2, Missão Sucre, que basicamente permitiam às pessoas continuar estudando. Todo mundo estuda na Venezuela, é impressionante. Também surgiu a missão Milagre para cuidar de quem tinha catarata, quando descobrimos que muitas pessoas não sabiam ler, nem escrever, porque simplesmente não enxergavam.
 
Agora, na medida em que esses programas avançaram, nós investimos na nossa medicina. Conforme os estudantes venezuelanos foram se formando, muitos integraram esses programas como médicos. A princípio, eles se formavam em Cuba, depois começaram a se formar na Venezuela, com a Escola Latino Americana de Medicina. Esses médicos se tornaram um grupo importante de venezuelanos, filhos das classes populares, que em outro sistema jamais poderiam se formar em Medicina. 

Recentemente, quando acompanhei o presidente Chávez em campanha, eu vi um povo jovem e saudável em Puerto La Cruz, Barcelona... O país mudou e muito. Há 15 anos, a Venezuela tinha gente desnutrida, mal vestida, com fome. No campo, todos usavam a camiseta da campanha eleitoral anterior, mas, agora não. Eles estão bem vestidos, com seus celulares, tirando fotos. É única a relação que existe entre Chávez e essas pessoas. E são pessoas muito bem preparadas hoje, que estudam. Isso tudo mostra como a Venezuela se transformou. 

Tio Sam X Chávez, as razões da polarização

[ Dirceu ] Quais as principais razões para a oposição dos EUA ao presidente Hugo Chávez? Como você avalia a oposição Chávez x Tio Sam, batida e rebatida pela imprensa conservadora.

[ Arvelaiz ]  A principal razão da oposição estadunidense pode-se resumir a uma palavra: petróleo. É essa a essência, o fundamento. Toda política exterior dos EUA se caracterizou pelo controle do petróleo, basta ver o que está se passando no Oriente Médio.

[ Dirceu ] A reserva da Venezuela é a maior do mundo hoje.

[ Arvelaiz ] Sim, estamos falando de 300 bilhões de barris em um país que está a 7 dias de barco dos EUA, muito mais próximo do que o petróleo do Oriente Médio. O petróleo é o elemento principal. O presidente Chávez sempre diz que o Golpe de abril em 2002 foi por duas razões: nós estávamos a uma semana do início da Guerra do Iraque, e a cinco meses da eleição no Brasil. 

Os Estados Unidos estavam preocupados em garantir que a Venezuela estivesse sob controle. Uma das primeiras medidas do governo ditatorial foi acabar com o envio de petróleo a Cuba. Na Venezuela, no campo do petróleo, os gringos dominavam. O país era o fornecedor favorito dos EUA, que nunca respeitou suas cotas na OPEP. Na realidade, a Venezuela era um instrumento dos EUA contra a OPEP, apesar de sermos fundadores da entidade. Lembrem-se que quando Chávez ganhou, em 1999, o barril estava a US$ 7,00. 

O golpe foi dado também para servir de alerta ao Brasil. Estávamos a cinco meses da vitória eleitoral do ex-presidente Lula.
 
Os EUA e a Venezuela estão em trincheiras opostas nesse processo de integração regional. A Venezuela começou a onda de governos progressistas, preocupados em interromper o neoliberalismo que dominou a região durante anos. Em 2001, na Cúpula das Américas no Canadá, nós estávamos praticamente sozinhos e nos recusamos a assinar a declaração da ALCA (Aliança de Livre Comércio das Américas) que estava sendo negociada. Na cúpula seguinte, em Mar del Plata, já estavam os ex-presidentes Lula e Kirchner, também contrários ao bloco. A ALCA foi enterrada ali, por conta desses governos progressistas e, sobretudo, pela mobilização das ruas em vários países. Houve uma convergência desses dois pontos. 

A mídia chamou para si um papel político

[ Dirceu ] E em relação à mídia? Aqui no Brasil se passa a ideia de que o governo Chávez controla e quer calar a mídia.

[ Arvelaiz ] Qualquer pessoa que fique mais de dois dias na Venezuela se dá conta de que existe plena liberdade de expressão em nosso país. A mídia está completamente liberada. Agora, uma coisa é ter uma mídia livre; outra é ter uma mídia que chamou para si um golpe de Estado - que aconteceu efetivamente em 2002. Uma vez, em conversa com alguns representantes da Câmara dos Estados Unidos, eles disseram que se o golpe, aos moldes que aconteceu na Venezuela, tivesse ocorrido nos EUA, todos teriam sido executados… 

Precisamos analisar esse episódio. Chávez chegou ao poder em um momento em que o sistema político estava praticamente desintegrado. As elites e os setores mais conservadores tiveram como último respaldo a mídia. E na ausência de partidos de oposição a Chávez, a mídia chamou para si esse papel de uma maneira visceral. Repito: uma coisa é quando a mídia é instrumento de determinados interesses; outra é quando assume, ela mesma, esse papel político. 

Como os partidos tradicionais desapareceram, a mídia se autointitulou a defensora dos últimos interesses dessa minoria que durante décadas governou e explorou o país. O pretexto que eles usam é a defesa da liberdade de expressão, dos direitos humanos etc. Mas, quando você liga a TV, você vê uma Venezuela virtual muito diferente da que conhecemos - e estou dando um exemplo em termos de representatividade. A TV não reflete seu povo em termos de gênero, raça, referências culturais, nada disso.
 
Agora, depois do golpe de 2002, da mobilização dos petroleiros contra o governo e da luta pela PDVSA, começou o mito de que Chávez fechou de forma autoritária a Rádio Caravas Televisión (RCTV)… Mas, o que acontecia na Venezuela? De maneira automática estava-se renovando concessões a um canal, e não se questionava os métodos, ninguém perguntava se ele havia cumprido ou não as suas obrigações. Mas, a quem pertence a frequência? Ao Estado. Basta ver a quantidade de novos canais privados que foram criados e ampliados durante o governo Chávez. É sempre bom lembrar que, hoje, 80% do rádio permanece privado. E mais: 90% deles são antichavistas. 

[ Dirceu ] E antichavista o tempo todo… De programa culinário à infantil, de humor, de esporte, qualquer um. 

[ Arvelaiz ]  Sim, por isso que quando dizem que a mídia do Estado controla o país, eu lembro que se você viajar pela Venezuela, vai perceber que o sinal para os canais do governo é ruim. Em contrapartida, o sinal dos privados é bom. Há uma política sistemática de sabotagem dos canais públicos. Daí a polêmica de que Chávez abusa das cadeias nacionais. Mas elas são o único instrumento que temos para que as pessoas saibam, por exemplo, que o presidente vai inaugurar isso ou aquilo, no dia tal. 

Nós aprovamos, em 2006/07, a Lei de Responsabilidade Social, com base em toda uma discussão com a sociedade. Não somente com os donos dos meios, mas com artistas, produtores, criadores... Isso teve um impacto imediato, por exemplo, na qualidade da produção musical na Venezuela, sobretudo, quando introduzimos a obrigação de divulgação do conteúdo nacional nas rádios. Implementamos, também, regras mínimas que existem em qualquer país - horário de exibição de conteúdo com violência, restrição ao apelo sexual protegendo as crianças... Enfim, normas de senso comum que não têm nada a ver com estabelecer uma ditadura. 

Outro ponto bastante positivo foi a política de democratização da mídia alternativa e comunitária. Ambas tiveram forte penetração e nós fizemos uma lei distinguindo mídia comunitária (aquela que é feita pela e para a comunidade) e a alternativa (para quem quiser fazer uma rádio qualquer). É sempre importante lembrar que em abril de 2002, não havia smart phones. O povo se mobilizou contra o golpe por meio de torpedos e pelas rádios comunitárias que naquele momento não estavam regularizadas e denunciaram o que estava acontecendo. Depois do golpe, embora não tenhamos acabado com os latifúndios midiáticos, nós legalizamos e facilitamos toda a criação desses novos meios comunitários.
 
Golpe da Direita

[ Dirceu ] Como você avalia a deposição de Lugo?

[ Arvelaiz ]  Vejam como uma classe política, a direita, se articula. É um golpe, da mesma maneira que foi um golpe que aconteceu em Honduras, contra Manuel Zelaya. Mas, agora, a direita inovou. Eles se aperfeiçoaram, mas é golpe. Fizeram um impeachment em menos de 36 horas. A experiência no Brasil, do impeachment de Fernando Collor, durou meses e contou com toda uma mobilização da sociedade brasileira. No Paraguai não, em 24 horas o processo estava acontecendo. É lamentável para o povo paraguaio. É lamentável ver como o Paraguai está se isolando... 

[ Dirceu ] Lamentável é ver a direita brasileira, o PSDB, legitimar o Partido Colorado. O senador Álvaro Dias foi ao Paraguai se reunir com Federico Franco...

[ Arvelaiz ]  E no momento em que todos os embaixadores dos demais países desconheciam o governo do Paraguai… Mas, para a direita, vale tudo: “eleições tudo bem, enganamos”. Golpe também etc.

[ Dirceu ] Neste sentido, a presença de Barack Obama mudou alguma coisa?

[ Arvelaiz ]  Não. Isso é interessante. O presidente Chávez está convencido de que Obama é um bom homem, mas está aí o sistema... Lembrem-se que Chávez entregou a Obama o livro do [Eduardo] Galeano – escritor uruguaio, autor do clássico “Veias Abertas da América Latina” sobre os anos de exploração e dominação no continente. Mas, parece que Obama não leu… O fato é que os EUA estão mais preocupados com o Oriente Médio... Mas, sob o governo Obama, nós tivemos dois golpes de Estado: um em Honduras e outro no Paraguai.
 
Integração regional: mudança de paradigma

[ Dirceu ] Do ponto de vista estrutural, política externa, tecnologia, pesquisa, o que mudou com o governo Chávez?

[ Arvelaiz ]  A Venezuela se integrou ao continente americano. Isso é muito importante, nós nos americanizamos e começamos a nos relacionar com os países do Sul. A partir daí tudo mudou. A Venezuela antes era um país dedicado a exportar seu petróleo ao preço mais favorável para as empresas internacionais. A revolução começou quando passamos a pensar em nós e a olhar para nossos vizinhos e para o Sul do continente. Aí começou uma reestruturação do país e de toda uma política externa e interna de desenvolvimento. O mapa mudou. Incluímos o Caribe e os países em uma região comum, passamos a olhar o Sul pensando em como poderíamos ser complementares uns com os outros em um processo de integração. Daí o MERCOSUL, a Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos (CELAC), a Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA).

[ Dirceu ] Aqui no Brasil nós lemos todos os dias críticas a Petrocaribe.

[ Arvelaiz ]  [ Henrique ] Capriles, inclusive, disse que a Venezuela não dará mais uma gota de Petróleo aos seus vizinhos… É curioso porque os que hoje criticam Chávez são os mesmos que nunca se preocuparam quanto custava a Texaco, Exxon, etc. para a Venezuela. O mesmo acontece em relação ao MERCOSUL. Eles dizem que estão preocupados com o tema da “politização”, mas são os mesmos que defendiam a ALCA. Eles dizem agora que a Venezuela vai perder tudo para o “império brasileiro”.

A Petrocaribe surgiu quando o petróleo e os alimentos estavam em uma situação drástica nesses países do Caribe. Nós éramos muito afetados com isso. Imaginem o fluxo de imigrantes ilegais etc. A Petrocaribe nasceu para que pudéssemos garantir a um preço justo, o mínimo da necessidade que eles tinham. E funcionou muito bem, assim como toda a relação que nós criamos na ALBA. Existem cifras de ganhos concretos, claro. Nós temos de ver o quanto a Venezuela ganhou com a parceria com Cuba. Foi uma parceria importante. Os dois países ganharam. 
Na realidade, muito pouca gente se dá conta que a opressão que a mídia faz com a Venezuela não tem substância.

[ Dirceu ] Sem falar que muitos governos que fizeram acordos com Chávez não são de esquerda. 

[ Arvelaiz ] Em nenhum momento na Petrocaribe, Chávez vai perguntar qual é a orientação ideológica. Temos a República Dominicana, Haiti, Nicarágua e Honduras permaneceu. Temos a Jamaica que agora é mais à esquerda, mas antes era governada por um outro governo mais liberal. Enfim, outros países que não têm identificação ideológica conosco.

[ Dirceu ] E a ALBA?

[ Arvelaiz ] A ALBA nasceu em 2004/05, durante uma conversa do Fidel [Castro] com Chávez, quando vivíamos modelos de integração muito submetidos à lógica neoliberal, comercial e financeira. A ALBA foi a primeira resposta da região na qual o político se estabeleceu como o principal motor, como seu indicador. A ALBA prima pela solidariedade e complementaridade, esses são os seus indicadores. E neste desenho, o MERCOSUL tem uma ambição mais social.

 

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[ Dirceu ] A ALBA centrou-se na questão energética desses países. 

[ Arvelaiz ]  A ALBA erigiu um marco por meio da cooperação entre Venezuela e Cuba e incluiu países como Nicarágua, Bolívia, Equador, São Vicente, Granadinas, Dominica, Antígua e Barbuda.

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[ Dirceu ] Em artigo recente no Le Monde Diplomatique Brasil, você defendeu um outro modelo de integração no continente. Qual modelo é esse?

[ Arvelaiz ]  Houve uma mudança de paradigma. Da mesma maneira que o neoliberalismo predominava na política de cada país, houve uma mudança na qual o político retomou o comando. Se compararmos com outro espaço de integração regional, a União Europeia (UE), por exemplo, o que desvirtuou lá foi o predomínio do econômico-financeiro a partir dos anos 90. Nós estamos vendo o drama que a UE está vivendo hoje. 

Agora, nós tivemos a sorte de viver em um tempo com líderes extraordinários, que entendem seu papel de representantes do povo. E todos eles unidos deram um caráter mais social, mais humano, em todo esse processo de integração regional. Ao mesmo tempo, eles compreendem que todos nós fazemos parte da América Latina. O próprio Brasil está mais sul-americano. 

[ Dirceu ] Antes do Lula, nós vivíamos de costas para a América do Sul, com exceção da era Sarney. Mas, nos oito anos de FHC, não se ouviu falar de MERCOSUL no Brasil.

[ Arvelaiz ]  Veja agora essa mobilização da UNASUL em torno do Equador por conta do exílio a Julian Assange do Wikileaks. A região começou a existir enquanto um bloco e o mais importante: voltado para ela mesma.

O papel do MERCOSUL

[ Dirceu ] Qual o papel que você vê para o Mercosul no novo cenário do mundo?

[ Arvelaiz ] Mesmo com todos os problemas que ainda temos de resolver, esse continente segue com muita desigualdade. Agora, como a esquerda europeia nos olha hoje? Como referência. A esquerda europeia sabe que para reconstruir-se precisa olhar a América do Sul, o que está acontecendo aqui. Querem saber como nós respondemos à crise de 2008. Como o Brasil passou por essa crise.

Nós estamos vivendo um momento muito privilegiado. Pela primeira vez nós temos a sensação de que nossos filhos vão viver melhor do que nós. Agora, na Europa, é o contrário: as pessoas estão muito preocupadas sobre como seus filhos vão pagar a educação, a saúde etc. E isso em todo o mundo, em todas as classes. Mas, aqui prevalece um certo bem estar, uma forte esperança. Neste sentido, o MERCOSUL e a UNASUL podem ensinar e muito às esquerdas e ao mundo em geral. Veja o que se passou no Brasil nos últimos anos: 30 milhões de pessoas saíram da pobreza. Na Venezuela, vejam como o país mudou nos últimos anos.

Com o MERCOSUL, nossa prioridade será a de aproveitar essa extraordinária oportunidade para reordenamos o processo de diversificação da economia na Venezuela. Será um grande salto, com planejamento, estaleiro, siderurgia, indústrias, inclusive de computadores que a Venezuela passou a distribuir nas escolas. Estamos nesse processo e entrar ao MERCOSUL permite um ordenamento maior. O tema da petroquimíca, agora com o Brasil, abre muitas oportunidades. A Venezuela pode fornecer ao Brasil tudo o que país necessita de fertilizantes. Temos grandes chances de complementaridade.

[ Dirceu ] O sonho de toda siderurgia brasileira é o carvão da Venzuela, que está intocado. É uma riqueza que o país não explorou ainda. Agora, isso desde que a gente ajude a Venezuela a se industrializar. Até porque não temos o que importar de matéria prima – teria o carvão e o ferro, que até agora não se abriu...

[ Arvelaiz ] Há também a oportunidade para o Brasil equilibrar seu desenvolvimento territorial até o Norte. 

[ Dirceu ] O Norte do Brasil se desenvolveria com a relação com Venezuela, Peru, Colômbia e Equador de uma forma totalmente independente do Sul e Sudeste. É uma outra economia. Já é a assim com Bolívar, que significa para vocês o que Volta Redonda é para nós. A Venezuela e a Colômbia são dois países que os brasileiros não sabem ainda o que significam. A Colômbia já é maior que a Argentina em população e base industrial. Tem uma indústria de modas melhor do que a nossa, de turismo idem. E eles estão investindo pesado no Brasil, será uma grande surpresa na América do Sul.
 
[ Arvelaiz ] Com o MERCOSUL, nós teremos um salto qualitativo. Lula e Chávez abriram muitas portas como a presença da Embrapa, do IPEA, da Caixa Econômica Federal e das empresas brasileiras exportando serviços, tecnologias e capital para a Venezuela. E veja que muitas empresas brasileiras permaneceram no país no momento mais difícil da revolução bolivariana – 2001 a 2003. Em dezembro de 2002, quando havia o “pacto” patronal, e para ir a um restaurante você tinha de entrar pela cozinha, a Odebrecht permaneceu lá, trabalhando. A presença dessas empresas, desses escritórios e organismos brasileiros agora - Caixa na Habitação, Embrapa na parte agrícola, Ipea que está fazendo um desenho para a planificação das políticas de complementação entre Brasil-Venezuela – é fundamental. E há muitas outras coisas. O MERCOSUL traz um marco ainda maior e nos obriga a estarmos cada vez mais juntos.

Agora é importante notar que a direita venezuelana não sabe opinar sobre o MERCOSUL. Eles não têm discurso, nem substância. “Estamos contra”, dizem. Ou a “Venezuela ainda não está preparada…”. Eles simplesmente não sabem opinar.

As relações dipomáticas Brasil-Venezuela

[ Dirceu ] Como foram as relações políticas, comerciais e diplomáticas entre Venezuela e Brasil durante os governos Lula e agora no da presidenta Dilma Rousseff?

[ Arvelaiz ]  Não poderiam ser melhores. A parceria com o Brasil tem sido muito importante e boa para nós. Eu fiquei muito impressionando quando descobri que o primeiro presidente brasileiro a visitar a Venezuela, de maneira oficial, foi João Figueiredo em 1979. Vejam o quanto avançamos nos últimos dez anos em termos de relações bilaterais e multilaterais. Até porque todas as grandes iniciativas regionais no continente foram feitas pela Venezuela e pelo Brasil. 

Tanto a UNASUL quanto a relação com os países africanos e árabes. Isso tem sido muito importante. Nós valorizamos bastante essa proximidade. Quando Lula diz a Chávez “sua vitória é nossa vitória” não é uma casualidade. Hoje em dia, as forças progressistas do Brasil, da esquerda brasileira, estão com Chávez, porque a derrota dele é uma derrota de toda a esquerda no continente. 

[ Dirceu ] Quais as semelhanças entre Brasil e Venezuela?

[ Arvelaiz ]  O povo brasileiro se parece muito com o venezuelano. Quando eu viajo para o Rio, Recife, sinto-me como se estivesse em Caracas. Há muita coisa em comum e há também muitos avanços que a mídia conservadora, burguesa, não quer ver. Agora, se compararmos a Venezuela com o Brasil, qual a diferença? Apesar da massificação do consumo em ambos países, na Venezuela houve uma politização e uma conscientização maiores da massa. Aqui no Brasil isso não aconteceu. Chávez e Lula têm muito carisma. Mas, Chávez aproveitou isso para politizar as massas. Ele compreendeu que isso não é uma retórica: a sociedade vezuelana toda é politizada. 

“Chávez, tua vitória é a nossa vitória” 

[ Dirceu ] Como está a campanha eleitoral na Venezuela? 

[ Arvelaiz ] Muito bem. Há um clima nessa campanha muito positivo pró-Chávez. A campanha é impressionante. Há um sentimento de mobilização muito agradável, muitos jovens mobilizados com forte consciência do porquê sairem às ruas em defesa do governo Chávez. Agora, do outro lado, temos uma oposição que tentou num primeiro momento se disfarçar: Henrique Capriles vem daquilo que aqui vocês chamam de “Tradição, Família e Propriedade”. É essa a sua formação ideológica e ele representa as elites. É importante avaliarmos que antes de Chávez, a alta burguesia não necessitava da política. Ninguém precisava defender os interesses de classe antes de Chávez. Nós mudamos isso e Capriles tenta se apresentar como alguém de Centro-Esquerda, um pouco na ideia de ser o candidato pós-Chávez. 

Mas a contradição é que ele vai disputar com o próprio Chávez. Então ele diz, “tudo bem, as mudanças sociais são importantes para o país, mas queremos mudança sem polarização e sem com confrontação”. Para Capriles a palavra mágica é o modelo de Brasil do Lula. Mas, claro que isso não funciona. E ele mesmo sabe que não está funcionando. Sem falar da solidariedade do PT e do Lula com Chávez. Imagina, Capriles diz “o país necessita de inclusão social, então vamos fazer como Lula, Lula é nosso amigo”. Daí, Lula manda um vídeo dizendo “Chávez, tua vitória é a nossa vitória”. Depois disso, obviamente, eles pararam de falar do Lula. Ficaram bravos e mudaram.

[ Dirceu ] São 15 milhões de votos válidos. 

[ Arvelaiz ]  Sim. Agora, temos de estar alertas. Os candidatos da oposição já disseram que não sabem se vão reconhecer o resultado das urnas. Eles não reconhecem a Justiça Eleitoral sob o falso argumento de que ela é demasiado vantajosa para Chávez. Mas, todos sabem que o sistema eleitoral venezuelano é muito seguro. É blindado contra qualquer tipo de fraude. É impossível ter fraude. Veja como funciona: o cidadão chega na seção de votação e primeiro confere seu nome e seu número, depois apresenta a digital e aparece o seu número. Depois, ele vota eletronicamente. Aí sai um comprovante em papel. Ele confere o candidato e depois coloca na urna. Não há como ter fraude. 

[ Dirceu ] É o sistema que o Miro Teixeira e o Brizola queriam no Brasil. 

[ Arvelaiz ]  É impossível questionar o resultado. O Centro Carter, inclusive, escreveu um artigo perguntando à oposição “por que vocês não reconhecem”? Agora, há um setor da oposição Venezuela que aposta na aventura. Cabe aqui a pergunta: por que eles não querem reconhecer o árbitro do processo eleitoral, que é o Conselho Nacional Eleitoral?

[ Dirceu ] Eles mobilizaram 2,5 milhões de pessoas para votar nas prévias da oposição. Seria o equivalente a mobilizar 20 milhões de pessoas no Brasil. Claro que Chávez levou 5 milhões, o equivalente a 40 milhões de pessoas no Brasil para uma manifestação...

[ Arvelaiz ]  É uma sociedade muito politizada e polarizada. 

[ Dirceu ] Isso é uma mudança sociológica da luta de classe na América Latina. O golpe no Paraguai e o tipo de oposição na Venezuela merecem estudos. A classe média se mobiliza, os proprietários se mobilizam, fazem a luta política e usam a mídia, o parlamento. Agora, eles erraram quando boicotaram a eleição em 2006 e ficaram fora do parlamento. 

[ Arvelaiz ]  Falando de maneira geral, temos dois núcleos duros: do chavismo e da direita, sendo que o dos chavistas é bem mais expressivo que o outro. Aí, ninguém muda de voto. Há, ainda, uma parte do eleitorado que tradicionalmente vota no Chávez, pessoas que reconhecem a liderança e a dignidade do governo Chávez, um setor que chamamos de chavismo light. E um outro segmento que está sendo disputado pelo chavismo e pela direita... 

[ Dirceu ] É como o apoio ao Lula e o apoio ao governo do Lula aqui no Brasil, Lula está sempre 1/3 à frente. Na Venezuela, todas as vezes que esse eleitorado vota é 60% para o Chávez.

[ Arvelaiz ]  Sim. Mas, antes havia gente que tinha vergonha de votar na direita até por conta do golpe do Estado de 2002 etc., mas, hoje, a direita vai votar na Venezuela. Eles vão em massa. E não conseguem aceitar nossa vitória porque para eles os pobres que vivem nas favelas não são venezuelanos, são colombianos, bolivianos… 

[ Dirceu ] Como estão as pesquisas?

[ Arvelaiz ]  Nós vamos muito bem. Está sendo uma grande campanha. Há essas pesquisas que dizem que Capriles ganha do Chávez, mas claro que elas não são sérias. Todas as pesquisas sérias, seja as dos Estados Unidos ou as brasileiras – Vox Populi está fazendo –, dão ao Chávez uma vantagem de 20%. E a direita sabe disso. É por isso que eles já estão montando um cenário para deslegitimar. É por isso que o Capriles não assina e está questionando as regras do jogo eleitoral no país. 

[ Dirceu ] O próximo passo, uma vez que o Chávez ganhe. Quais as prioridades em termos programáticos? O que vem agora?

[ Arvelaiz ] O presidente apresentou um programa com várias garantias. A primeira é garantir e consolidar a nossa independência diante daqueles que querem vender a pátria. Nós queremos consolidar a pátria. O presidente está atento ao que não funciona, precisamos de um maior controle na prestação de contas ao povo e consolidar o poder popular, com os conselhos comunais, a participação das pessoas na tomada de decisão, controle do orçamento participativo. São coisas que estão funcionando, mas que queremos consolidar.

[ Dirceu ] E o pós-Chávez?

[ Arvelaiz ] Hoje, a Venezuela, depois de 13 anos de revolução bolivariana, a população possui um nível de concientização e de politizacão muito elevado, e o próprio partido se consolidou. A ideia de que sem Chávez não existe mais nada é errada. Nos últimos meses, com a doença do Presidente, entendemos que a Revolução Bolivariana é de todos os venezuelanos e agora, no nosso país, tal como disse o próprio presidente, “Todos somos Chávez”.

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