Governo comete erro suicida na Previdência
Colunista Paulo Moreira Leite destaca que menos de 15 dias depois de ter sido "retirado do abismo político pela maior e mais legítima mobilização popular em defesa de Dilma ocorrida desde o início do segundo mandato", em referência a 16 de dezembro, o governo colocou de volta aos debates a reforma da Previdência; "Quando se eleva a idade mínima para a aposentadoria, cria-se uma barreira para quem começou a trabalhar mais cedo – e quem se prejudica é o mais pobre", analisa, sobre a sugestão do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa; para PML, a resposta do governo às centrais sindicais, que deram uma "demonstração de lealdade" nas ruas, "traduz uma imensa indiferença pelas reivindicações e interesses dos próprios aliados, aqueles que foram capazes de se mobilizar numa hora tão difícil"

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A experiência política ensina que todo governo comete erros graves, que representam algo mais que o trivial tiro no pé. Mas há erros ainda piores, de caráter suicida.
Este é o caso da tentativa do Planalto de trazer de volta o debate da reforma da Previdência.
Não vamos entrar na discussão sobre a necessidade ou não de se modificar as regras da previdência pública, sobre as contas, a demografia e todo um blá-blá-blá que tem a idade do Consenso de Washington.
Neste momento particular da política brasileira, o essencial é registrar que a população já captou a mensagem política.
Quando se eleva a idade mínima para a aposentadoria, cria-se uma barreira para quem começou a trabalhar mais cedo – e quem se prejudica é o mais pobre.
O aspecto suicida reside na oportunidade da iniciativa. É incompreensível.
Em 16 de dezembro, o governo foi retirado do abismo político pela maior e mais legítima mobilização popular em defesa do mandato de Dilma ocorrida desde o início do segundo mandato, em janeiro de 2015.
Menos de quinze dias depois, quando o país respira um novo oxigênio, que estimulou a reação do Supremo contra a manobra de Eduardo Cunha e obrigou a oposição a refazer seus cálculos para tentar um novo ataque a presidente, a Previdência volta aos debates.
Para quê?
As centrais sindicais nem precisavam divulgar uma pesquisa mostrando que mais de 90% dos trabalhadores rejeitam novas mudanças.
Após dar uma irretocável demonstração de lealdade a um governo que ajudou a eleger nas jornadas decisivas do segundo turno de 2014, não era possível cogitar uma resposta dessa natureza, que, corretamente ou não, sinaliza uma imensa indiferença pelas reivindicações e interesses dos próprios aliados, capazes de se mobilizar numa hora tão difícil
Claro que seria ingenuidade e até errado esperar uma mudança de curso como recompensa, o anúncio de um benefício, um bônus-lealdade. Não se trata da tal "guinada à esquerda."
Mas como entender um ataque direto, frontal, que só vai prejudicar quem foi às ruas defender o governo e desmoralizar as lideranças que bateram de porta em porta para assegurar um dia memorável na história das lutas democráticas?
Vale até pensar numa fábula infantil, Pedro e o Lobo. Qualquer pessoa que teve a oportunidade, na infância, de ouvir a história da desventura daquele menino que se divertia lançando alarmes falsos para assustar vizinhos da aldeia, até que acabou abandonado por homens e mulheres que antes corriam para salvar sua vida, sabe o risco que um governo, qualquer governo, pode correr com iniciativas desse tipo.
Não custa lembrar alguns fatos importantes. A primeira derrota séria do governo Dilma, em 2015, envolveu a rejeição de um primeiro projeto para a Previdência. O projeto saído do Planalto foi uma iniciativa politicamente tão desastrosa que provocou uma rebelião na base parlamentar. Deputados do PT se recusaram a votar com o governo, permitindo a construção do projeto 95-85, pelo menos mais respirável. Isso chamou atenção, na época, por uma razão simples. Tentando ser fiel a seus aliados e eleitores, a base deixou de acompanhar o governo. Dilma passou por um momento de orfandade absoluta: perdeu antigos aliados e não foi capaz de conquistar novos amigos.
Numa reconstrução histórica, pode-se registrar em 2003 a primeira derrota política importante de Lula. O motivo, de novo, foi a reforma da Previdência.
Convencido de que deveria levar adiante um projeto que até Fernando Henrique Cardoso havia encaminhado apenas parcialmente, tentando evitar uma derrota capaz de comprometer definitivamente a sobrevivência do projeto tucano, Lula decidiu levar a reforma da Previdência em frente.
Com o tempo, Lula teve até a competência de abandonar a tese mais drástica e fatal, que proponha desvincular o salário mínimo da Previdência, visão que chegou a fazer maioria no ministério, mas enfrentou a resistência de lideranças sindicais e do ministro Ricardo Berzoini.
No ano em que o Partido dos Trabalhadores chegou ao Planalto, a “reforma da Previdência” animou um protesto de 100 000 pessoas na Esplanada do Ministério. Foi a maior manifestação política depois da posse – contra o governo.
A decisão contribuiu para uma divisão nas fileiras do Partido dos Trabalhadores, num processo que explica a formação do PSOL, cujos efeitos mais profundos seriam notados com o passar dos anos. Mais grave, produziu um primeiro mal-estar entre o presidente operário e o movimento popular.
Apesar disso, o momento político e econômico era outro. Havia folga de caixa, o que tornou possível a elaboração do Bolsa Família e de um programa de recuperação do salário mínimo que, entre várias novidades positivas, transformou os aposentados em prósperos cidadãos das cidades remotas do país, capazes de sustentar famílias e até atrair garotas casadoiras.
Em 2015, a situação é outra, no mundo e no Brasil.
Não se vive uma conjuntura de novas conquistas – mas um período de resistência, onde a maioria dos brasileiros tenta defender as vitórias e benefícios que permitem uma existência num padrão mais civilizado. O orçamento integral do Bolsa Família em 2016 só foi preservado no último minuto, quando se resolveu reduzir o superávit primário em 2 pontos. Foi o golpe de misericórdia para a permanência de Joaquim Levy na Fazenda e a posse de Nelson Barbosa.
Apenas um cálculo pode explicar que a ideia de reformar a Previdência tenha sido retirada do arquivo onde deveria permanecer.
É um exercício mental conhecido. Já que temos um ministro olhado com forçada suspeição pelo mercado, tenta-se recorrer ao velho truque de procurar seduzir adversários poderosos e influentes a partir de propostas sedutoras, na esperança de acalmar tanta desconfiança e a má vontade.
Parece tentador, no plano psicológico, mas não funciona, no plano político.
Ao longo do governo Lula-Dilma, a aproximação com o empresariado mostrou-se indispensável para a construção de um ambiente de prosperidade no país. Não custa lembrar, porém, que a boa vontade inicial de Lula – que incluiu a Previdência, a Carta ao Povo Brasileiro, uma transição que não olhava para trás e deixou várias mazelas tucanas no armário -- foram as denúncias da AP 470, que estiveram a ponto de interromper seu mandato antes da hora.
Dilma salvou-se da derrota para Aécio em 2014, pela mobilização popular que foi à rua em sua defesa. Foi assim, no braço, que se impediu uma virada golpista de ultima hora. Dilma tomou posse anunciando o ajuste fiscal e recebeu o troco sem anestesia – o pedido de impeachment, que está enfraquecido, mas só poderá ser afastado quando o governo reconstruir sua base política.
Nessa hora, a última iniciativa a ser tomada envolve prejudicar os próprios aliados. Para além de toda análise de mérito num debate, cabe reconhecer o ponto inicial: o governo não tem gordura para queimar.
Alguma dúvida?
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