Raízes do golpe parlamentar contra Dilma
Professor Luiz Moreira, que integrou o Conselho Nacional do Ministério Público por dois mandatos, explica que a noção de que o impeachment é produto de um julgamento político não passa de uma invenção destinada a encobrir o fato de que não há prova de crime de responsabilidade contra Dilma. Em entrevista ao 247, ele se mostra pessimista quanto ao desfecho do caso: "Não alimento qualquer ilusão. No máximo os senadores observarão a liturgia e tentarão purificar o escracho realizado pela Câmara dos Deputados", diz
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Membro do Conselho Nacional do Ministério Público por dois mandatos e um dos mais aplicados estudiosos da Filosofia do Direito no país, o professor Luiz Moreira Junior conversou com o 247 sobre o pedido de impeachment contra a presidente Dilma Roussef. A entrevista:
Por que falar em golpe parlamentar?
O golpe parlamentar em curso replica no Brasil estratégia já adotada em Honduras e no Paraguai, ou seja, um golpe à democracia pavimentado pelo direito. Novamente teremos entre nós um estado de exceção devidamente convalidado pelo direito e pelas instituições jurídicas. Chega a ser chocante o quadro que se desenhou: um presidente da Câmara dos Deputados, réu no STF por crime de corrupção, por evasão de divisas e por lavagem de dinheiro, articulando-se com o vice-presidente da República para depor a Presidenta eleita e o STF assistindo, inerte, a esse conluio. Nesse caso, a atuação do STF não diferiu de sua atuação nas ditaduras brasileiras do século XX .
Como assim?
A atual Constituição da República dotou o STF de todas as garantias para que seus ministros pudessem atuar como guardiães da democracia constitucional. O que ocorreu até aqui foi uma farsa que resultará na deposição de uma Presidenta que não cometeu crime algum, muito menos de responsabilidade. E o que fez o STF? O STF não se mostrou capaz de se desincumbir de sua obrigação constitucional. No caso desse impeachment sem crime de responsabilidade, caberia ao STF impedir que o golpe se realizasse. Entretanto, até aqui o STF cuidou apenas para que a forma fosse preservada, como se sua tarefa fosse agir como gerente do golpe, .
Muitos analistas dizem que o julgamneto é político e não jurídico.
A Constituição definiu que cabe ao Congresso Nacional a realização do julgamento do Presidente da República por crime de responsabilidade. Não disse que o julgamento é político, muito ao contrário. No caso do crime de responsabilidade, o julgamento jurídico é feito por uma casa política. Isso não é novidade no direito brasileiro. No direito brasileiro leigos e não juízes togados realizam alguns julgamentos. Isso ocorre também no tribunal do júri, em que cidadãos são chamados a julgar os crimes contra a vida. Nos júris são os cidadãos que decidem se houve ou não crime e esse julgamento é presidido por um juiz togado. Nem por isso o julgamento deixar de ser jurídico. Isso ocorre também no julgamento do impeachment. Os representantes do povo decidirão se houve crime de responsabilidade em julgamento que também é presidido por um juiz, no caso o presidente do STF.
Como o senhor define o papel jogado pela Câmara de Deputados?
Foi um teatro do absurdo. Um réu do STF presidiu a sessão contra a sua desafeta. Naquela sessão Eduardo Cunha realizou sua vingança contra Dilma e isso era conhecido por todos nós. Chama a atenção a fragilidade da democracia brasileira e, especialmente, das instituições jurídicas nacionais, que foram incapazes de impedir que uma farsa, um golpe articulado pela dupla Eduardo Cunha/Michel Temer, colocasse fim ao breve período de vigência da democracia no Brasil.
Qual sua expectativa em relação ao Senado?
A concretização do golpe terá como consequência a falência das instituições jurídicas e do STF, que foram incapazes de garantir a permanência da democracia no Brasil. Haverá estado de direito sem democracia, o que não é nenhuma novidade entre nós.
A comunidade jurídica acreditou que a jurisdição constitucional seria a guardiã da democracia. Acreditou também que a supremacia da toga nos conduziria com segurança à democracia constitucional. É preciso então que as faculdades de direito sejam capazes de produzir novos paradigmas, pois o atual fracassou.
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