É hora de o Brasil cogitar a ruptura de relações com Israel
Fica evidente que o grande responsável pelos acontecimentos de 7 de outubro é Benjamin Netanyahu e seu governo de extrema-direita
Assim como aconteceu em outras épocas históricas, a humanidade encontra-se neste momento diante de um dilema ético fundamental: o da necessidade de assumir uma posição clara para interromper a crônica inércia diante da opressão inominável que Israel exerce sobre os palestinos para seguir dominando as terras destes e impedir a criação de seu Estado.
Assim como, à sua época, nações cerraram os olhos, quando não o coonestaram, para o horror do Holocausto ou para o uso da bomba atômica, esta época será chamada a responder frente à conivência expressa na inação diante de tão evidente e continuada opressão contra um povo.
O mundo assiste não apenas à negação dos direitos nacionais palestinos, como também presencia os bombardeios contra civis, incluindo mulheres e crianças, e contra alvos que deveriam ser protegidos, incluindo hospitais, escolas, ambulâncias e campos de refugiados.
Os estragos são de tal monta que sugerem uma destruição total: 22% de todos os prédios da Faixa de Gaza já foram destruídos. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial poucos conflitos causaram estragos nessa proporção, com a agravante de que Israel anunciou a intenção de forçar o êxodo em massa da população das cidades da Faixa de Gaza para o deserto, numa verdadeira operação de limpeza étnica, inédita pela maneira pública com que é assumida.
A opressão exercida por Israel, com apoio dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, rompe o princípio moral fundamental da igualdade que deve regrar as relações entre cidadãos e entre as nações. Essa igualdade é negada aos palestinos. A rigor, ela vem sendo recusada já desde o início do Estado de Israel, quando, para reparar um crime contra a humanidade, contra os judeus, cometeu-se uma injustiça contra os palestinos. Não se pode reparar um crime com uma injustiça.
Os judeus têm direito a um estado onde não se sintam perseguidos.
Ocorre que a criação de Israel ocorreu na base de uma injustiça em relação aos palestinos, que foram caçados e expelidos de seus territórios, empurrados para a anonimidade da condição de refugiados em que se encontram hoje.
Como os israelenses, os palestinos têm direito a um estado, a uma vida normal. Isso parece cada vez mais distante, ameaçado pelo extermínio e pela destruição de sua frágil infraestrutura.
É imperativo moral geral tomar posição diante dessa situação que se agrava. Diversos países anunciaram medidas práticas diante das violações israelenses ao direito humanitário de proteção às populações civis em conflitos armados. Turquia, Chile e Colômbia chamaram seus embaixadores em Israel para consultas, num gesto de afastamento. Já a Bolívia anunciou o rompimento de relações com Israel. Não é à toa que vizinhos sul-americanos se mostrem tão sensíveis à opressão colonial e aos crimes contra humanidade.
O governo do presidente Lula tem feito pronunciamentos e liderado propostas de cessar-fogo, com críticas aos dois lados. Empenha-se em negociações para libertar brasileiros impedidos de sair da Faixa de Gaza. Já passa, porém, do momento de assumir uma posição à altura do que está em jogo. O Brasil deve chamar também seu embaixador. Deve examinar o tema de fazer valer seu peso político internacional e mesmo cogitar a ruptura das relações diplomáticas com Israel. Uma situação de gravidade extrema implica reação equivalente.
À medida que surgem fissuras na barragem de desinformação criada nas horas seguintes aos combates, fica evidente que o grande responsável pelos acontecimentos de 7 de outubro é Benjamin Netanyahu e seu governo de extrema-direita. Ele não apenas criou as condições políticas para aquela incursão militar do Hamas e de outras facções palestinas, como é o responsável material por muitas mortes de israelenses vítimas de bombardeios indiscriminados, contra resistentes e reféns, pelas forças de defesa de Israel.
Sabe-se que é falsa não apenas a informação de que o Hamas matou e decapitou 40 bebês. Não há evidências forenses ou imagens que suportem a informação de que tenha estuprado mulheres. A liderança política do grupo admite que sua intenção era atingir as divisões militares de Israel em torno de Gaza e, sim, capturar reféns para trocar por seus 6,5 mil detidos, inclusive mulheres e crianças, em prisões israelenses.
São informações relevantes para contrapor a relatos que estão na base do clima de ódio de que autoriza Israel a valer-se de quaisquer meios para lançar sua guerra de extermínio contra a população de Gaza. Netanyahu precisa esvaziar a luta dos resistentes palestinos de qualquer superioridade moral, caracterizando-os como selvagens e bárbaros.
Aos palestinos caberá liberar não apenas a si mesmos, mas também, ainda que involuntariamente, de liberar os próprios israelenses dessa condição de povo que oprime, de livrá-los do poder que cria tanta violência.