Luiz Inácio Lula da Silva

O tempo redescoberto

Pouco mais de um mês após a posse do presidente Lula, já é possível fazer um balanço e esboçar as perspectivas abertas. Em meio a uma tentativa de golpe, o governo avançou

Empossado, o presidente Lula revelou-se um personagem muito ativo na defesa do ideário já externado ao longo de sua campanha. 

Erraram os que agora se decepcionam pelo fato de o presidente estar "mais à esquerda" do que esperavam.

Começa a ficar mais clara a referência de Lula a ter "tesão de 20 anos" para consertar o país.

Logo no oitavo dia de seu mandato, o presidente teve que enfrentar uma intentona contra o estado democrático de direito, com táticas terroristas, quando vândalos destruíram as sedes dos três poderes em Brasília. 

O assalto foi realizado a partir de acampamento em área do Exército, com a cumplicidade ou omissão de governantes de Brasília e sob proteção de forças de segurança da capital federal, bem como com  a participação de militares do Exército inclusive dentro do próprio Palácio do Planalto. 

O episódio foi abortado com a intervenção federal. Acabou ensejando a união em torno de Lula dos presidentes dos poderes profanados, bem como de todos os governadores de Estados e da comunidade internacional de países. Ato contínuo, o presidente demitiu o próprio chefe do Exército e nomeou um outro general que professara respeito ao resultado das urnas. Houve milhares de prisões e as investigações prosseguem. Desmoralizados, militares recolheram-se estrategicamente às suas tarimbas, embora seja prudente supor que um certo partido militar mantenha sua participação nos porões, o que está ainda por ser  apurado e desmantelado. O golpe não venceu neste momento por falta de apoio na sociedade, nas instituições, nos meios de comunicação e na comunidade internacional. 

Lula não se deteve a lamentar a crise. No episódio da inesperada visita aos ianomâmi assolados pela desnutrição e o abandono, furou a mídia,  mostrou a intenção de marcar o governo pelo compromisso com os povos originários e as massas de necessitados abandonados pelo "genocida" Bolsonaro, como qualificou.

Na montagem do primeiro escalão, Lula avançou na presença feminina e na diversidade étnica. Procurou ampliar o escopo dos dez partidos presentes em sua Frente Ampla, incorporando ministros do PSD, MDB e União Brasil. Em paralelo, Lula patrocinou acordos na eleição das mesas na Câmara e do Senado, em acertos vitoriosos que, se não impedem fustigadas do bolsonarismo, parecem garantir condições de negociação e governabilidade a partir de ambas as Casas. Essa espécie de coabitação já tinha mostrado seus frutos ainda antes da posse, em dezembro, ao incluir no orçamento de 2023 recursos para o Bolsa Família e outros programas sociais dirigidos aos mais carentes.

Em todos os ministérios, o novo governo instalou assessorias de participação popular, o que já antecipa uma estrutura voltada a incluir a mobilização pública como instrumento de criação de mais eficiência no governo.

Na economia, montou uma equipe de tom assumidamente  desenvolvimentista, orientada para descobrir espaços orçamentários para investimento público e recursos financeiros para o fomento à reindustrialização do país. 

Em todas as declarações sobre o tema, evidencia-se a disposição de Lula a travar um corpo a corpo com os mais sagrados tabus de gestão neoliberal. Se não logra dobrar a ortodoxia de Roberto Campos Neto, parte para a crítica às taxas recordistas de juros, às metas de inflação que condenam o país à recessão e, de passagem, questiona a própria "independência" do Banco Central.

A demonstrar que Lula não pretende se conformar ao papel de rainha da Inglaterra, o BNDES mostra-se disposto a servir como alternativa ao garrote do Banco Central. 

Lula, aliás, acena com o BNDES como veículo para usar as taxas mais baixas de seus empréstimos de longo prazo e assim estimular projetos que contribuam para a reindustrialização, outro anátema para os ortodoxos. Quer usar o banco também para alavancar a presença dos exportadores de produtos e serviços nacionais no exterior.

É parte de uma política externa que pensa grande, baseada em dinamizar interesses comerciais, ativar parcerias diplomáticas, destravar impasses geopolíticos. No mapa lulista, as oportunidades não distinguem dentro e fora, nem se verga à vigilância exercida pelo mercado e sua representante, a chamada mídia corporativa, cada vez mais perdida na irrelevância. 

Na primeira viagem diplomática, à Argentina, avançou como ninguém antes de sua equipe na defesa da moeda única do Mercosul. 

No Uruguai, aproveitou os acenos do vizinho à China para, em nome da região, envolver a União Europeia em acordo comercial.

De passagem, atualizou de público a crítica ao Temer "golpista", desgarrando-se da narrativa histórica em que desejam encerrar seu mandato e sua biografia. Em todas as áreas, ressalta o ritmo da atividade, em movimentos desiguais, mas combinados e sob uma coerência última: acelerar os ponteiros do  relógio da história, recuperar e ultrapassar o tempo perdido nas gestões de Temer e do seu sucessor, a quem chama de "genocida".

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Guilherme Levorato

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