Nos 60 anos do golpe militar de 64, renovar o dever da verdade e da Justiça e prender Bolsonaro agora
O momento é esse. Depois, pode ser tarde demais
Nestes 60 anos do golpe militar de 1⁰ de abril de 1964, os pensamentos dos brasileiros não podem senão estar voltados para aqueles que perderam entes queridos, mortos, feridos, presos, sequestrados, torturados, cassados, desaparecidos sem notícia, exilados, expelidos por uma máquina de opressão voltada contra as instituições democráticas e contra os que tiveram a coragem de lutar pela liberdade.
A Constituição foi despedaçada pelo golpe, os partidos, proibidos e desfigurados, o Congresso e a Justiça, usurpados pelo golpismo.
Enquanto as tropas se impunham pela violência, os maiores jornais do país, Globo, Jornal do Brasil, Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e Correio da Manhã, aplaudiam com entusiasmo.
Tratou-se de um golpe dado contra um presidente eleito, João Goulart. Jango tinha expressivo apoio popular, como mostra pesquisa de opinião realizada pelo Ibope em março de 1964. O presidente deposto pelas Forças Armadas detinha 70% de aprovação para as medidas de seu governo, como a implantação da reforma agrária contra o latifúndio, a reforma do uso do solo urbano, a reforma educacional com valorização do magistério e a reforma fiscal com carga mais justa de impostos.
Em defesa da soberania e da industrialização, o presidente encampara as refinarias, nacionalizando a produção do combustível. Encomendada pela Federação do Comércio (Fecomércio), essa e outras pesquisas de opinião foram mantidas fora do conhecimento público por mais de 40 anos.
O golpe logo encontrou resistência dos democratas, que se valeram das mais diversas formas, inclusive a luta armada. Aos heróis que se sacrificaram, o país deve justas e eternas homenagens, além da devida e ampla reparação correspondente às violências de todos os tipos cometidas pelos que se assenhoraram do Estado. A eles, o país está ainda longe de prover o tributo da Memória. Não houve ainda o restabelecimento amplo da Verdade sobre o período. Espera-se ainda o provimento da Justiça para todos os responsáveis pelo legado de graves violações dos direitos humanos deixado pela ditadura militar.
Rememorar e reafirmar o repúdio ao golpe não cabe apenas aos diretamente envolvidos. Nem apenas aos daquela geração. É tarefa de todas as épocas, para exorcizar as tentações golpistas que insistem em rondar o país.
Em variados setores da vida nacional, o golpe logo encontrou resistência heróica dos democratas em episódios dos quais o país deve sempre se orgulhar. Brasileiros se valeram das mais diversas formas de luta, alguns chegando inclusive à luta armada. Aos heróis que se sacrificaram, o país deve justas e eternas homenagens, além da devida e ampla reparação correspondente às violências de todos os tipos cometidas pelos que se assenhoraram do Estado. A àqueles patriotas, o país está ainda longe de prover o devido tributo da Memória, do reestabelecimento amplo da Verdade e o provimento da Justiça. Essa deve abranger todos os responsáveis pelo legado de graves violações dos direitos humanos deixado pela ditadura militar.
O país precisa seguir investigando todas as circunstâncias que cercaram os 21 anos do golpe de 64.
O Brasil viveu mais um gravíssimo surto golpista desencadeado em diversas etapas ao longo de 2022 e no 8 de janeiro de 2023.
Mancomunados com Jair Bolsonaro, militares de altas patentes tentaram mais uma vez virar a mesa. Estes igualmente precisam ser investigados, processados e, se constatada sua culpa, punidos na letra da lei.
Ocorre que a tentativa, a de 2023, não prosperou. Por quê? Ao que parece, desta vez não houve unidade entre os comandos militares, nem apoio interno e internacional. Não se pode, é óbvio fechar os olhos ao advento desta nova realidade.
A ruptura da unidade militar em relação ao golpismo de Bolsonaro tornou mais complexo o quadro político.
Embora tenha muitos elementos de continuidade em relação à de 64, a situação atual tem especificidades que se devem levar em conta. Pela primeira vez em décadas, altas patentes não aderiram ao golpismo.
Ao mesmo tempo em que deve reconhecer e lidar com essa novidade positiva, o país não pode porém aceitar que as voltas da história, e as conveniências das alianças de cada momento, imponham imobilidade ou omissões diante dos crimes de lesa humanidade cometidos durante o regime militar.
A tarefa de expor a verdade em relação ao passado não pode ser sepultada pelos objetivos e responsabilizações em curso no processo presente. As duas conjunturas, as de 1964 e 2022/23, estão relacionadas e se complementam.
Da mesma forma, a grande marcha da história não pode minimizar cada uma das tarefas pontuais e pessoais de recuperar a verdade histórica, fazer justiça e prover reparações.
Elas não devem ficar enterradas no passado. É tarefa nacional que não tem marco limitador, não constitui uma mera página a ser virada.
Em qualquer dos casos, do golpe do passado e do atual, não cabe anistia ou esquecimento.
Como consequência do falido golpe de agora, a tentativa de fuga de Bolsonaro para a embaixada da Hungria no Carnaval já constitui evidência clamorosa de um ânimo de evasão à Justiça em clamoroso descumprimento das normas restritivas emitidas contra ele pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Em defesa do processo, o juiz não deveria considerar outra alternativa senão decretar a prisão preventiva do ex-presidente. O momento é esse. Depois, pode ser tarde demais.