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    Marcelo Jugend

    Marcelo Jugend é advogado. Foi Chefe de Gabinete e Assessor Especial da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Paraná (2003/2006) e Secretário Municipal de Segurança de São José dos Pinhais, Pr. (2009/2012)

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    Democracia?

    Democracia implicaria, entre tantas outras coisas impossíveis para o homem, em respeito à diversidade, liberdade para todos, honestidade, solidariedade, espírito público e generosidade. Alguém pode citar uma única sociedade e/ou um único momento na história humana em que – digamos – ao menos três entre esses elementos conviveram por um tempo razoável?

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    Hoje pela manhã reli em algum lugar a famosa frase de Winston Churchill: “A democracia é o pior regime que há, à exceção de todos os outros.”

    Também li no blog do Reinaldo Azevedo que o assim dito “presidente” do Brasil comete todos os dias inúmeros crimes, e que nada disso provoca o menor incômodo no Procurador Geral da República, Augusto Aras, único cidadão no mundo com atribuição legal para iniciar um processo judicial por tais atos.

    Lembrei-me de uma preocupação que me acometeu há uns 17 anos atrás, quando era Chefe de Gabinete recém-nomeado, da Secretaria de Segurança do Paraná.

    Surgiu uma denúncia de que o Delegado Geral da Polícia Civil do Estado apresentava à instituição notas fiscais frias, para ser “reembolsado” de despesas que não fizera. Foi encaminhada ao Corregedor Geral, que detinha competência exclusiva para abrir sindicância em face daquela autoridade.

    Novato na área, descobri que o Corregedor era cargo de confiança do próprio chefe da polícia, o denunciado. Escolhido e nomeado por ele, e por ele demissível ad nutum (sumariamente, sem necessidade de qualquer justificativa). 

    Nunca fiquei sabendo se o cara era culpado ou inocente. Nem eu nem ninguém. O Corregedor, que não era bobo, obviamente engavetou o caso. 

    Volto ao início. Concordo que a democracia é o que há de melhor. Só tem um problema, meio esquecido. O que é, exatamente, essa tal de democracia?

    Comecemos pelo próprio Churchill, seu arauto, um defensor empedernido da mais cruel e abjeta opressão imperial exercida por seu país sobre inúmeros povos ao redor do mundo. Democracia? Pra quem, cara-pálida?

    Mas não para por aí. Debrucemo-nos sobre aquela que é chamada de a maior e mais sólida democracia do mundo, a dos Estados Unidos da América do Norte. Sério? Ela é governada no dia de hoje – nada menos do que no dia de hoje!! – por um cidadão que recebeu, nas urnas, menos votos do que sua concorrente! Irrelevante? Não acho. Chamar de democrático um regime em que a maioria não governa, pra mim, é uma contradição absoluta. Mas ok, vá lá. 

    Podemos concordar que um dos elementos que faz parte da essência da democracia é a diversidade? E que, do ponto de vista do exercício político dela, cada ramo tem uma visão de mundo e de País? E que a melhor maneira de implementar tal visão é chegando ao poder, e que o melhor caminho para isso é um partido político? 

    Bem. Nos Estados Unidos da América do Norte só existem dois partidos políticos reais. Todos os demais, somados, são de tal forma insignificantes, que ninguém deles sequer ouve falar. Ora, é possível acreditar que a esmagadora maioria dos zilhões de pessoas que habitam um país daquelas dimensões e complexidade tenha apenas dois pontos de vista sobre o mundo e o seu país? Tem quem ache que sim. Eu, não. Pra mim, o que determina isso responde pelo nome de dinheiro. Poder econômico. Em uma palavra, manda quem pode, obedece quem tem juízo. A antítese da democracia.

    Tem mais. É democrático ser o país mais rico de todos os tempos, e tolerar a existência, em seu território, de milhões de miseráveis destituídos dos mais elementares direitos de cidadania? Ou privar uma pessoa de assistência médica porque não tem meios de pagar (e são também milhões, mesmo além dos miseráveis)? Tem quem ache. Eu, não.

    Não chega? Tá bom. É democrático um país que, por séculos afora, intervém militarmente em qualquer lugar do mundo onde um povo ou um governo não seja de seu agrado, matando, no processo, outros tantos milhões de pessoas, sem distinção de sexo ou idade? Respeito quem acha que sim. Mas eu, não.

    Pra mim, o nome disso é hipocrisia. Simplesmente hipocrisia. Olhar, ver e fingir que não viu. Ou, pior, admitir que viu mas não achar importante.

    E o Brasil? Nem vou me estender muito pra falar de um país que em 520 anos de história conta, somados, com menos de 50 nos quais conviveu com alguns (poucos) elementos democráticos. Quero apenas, e para ficar em um fato atual e marcante, chamar a atenção para o que disse Reinaldo Azevedo. Como chamar democrático um sistema no qual a única pessoa que pode levar o chefe de estado às barras da justiça é nomeada por ele? Considere-se a quantidade de arranjos e conchavos necessários para se alcançar tal nomeação.

    Alguém já disse – e com razão! – que, enquanto projeto, o ser humano é o maior e mais espetacular fracasso da história.

    Como espécie, somos monstruosos em uma escala espantosa. Não é possível ignorar isso minimamente, se se olha qualquer aspecto de nossa aventura terrena, mesmo que com um mísero fiapo de boa-fé.

    Como seríamos, então, capazes de criar um sistema político cujos pressupostos são escancaradamente o oposto absoluto daquilo que nos constitui biológica, mental e culturalmente?

    Democracia implicaria, entre tantas outras coisas impossíveis para o homem, em respeito à diversidade, liberdade para todos, honestidade, solidariedade, espírito público e generosidade. Alguém pode citar uma única sociedade e/ou um único momento na história humana em que – digamos – ao menos três entre esses elementos conviveram por um tempo razoável?

    Cartas para a redação.

    Eu não posso. E olha que – embora amador – sou um estudioso insaciável de história.

    Então, deixemos de hipocrisia. Democracia não há, e nem nunca houve, em lugar algum. Ela é uma contradição intransponível com a própria natureza humana.

    Essa é uma verdade, para mim, clara e insofismável.

    Resolvi escrever sobre isso hoje porque a leitura da frase do Winston Churchill, mais cedo, foi a gota que transbordou o copo da minha paciência.

    Vivemos sob a ditadura das “narrativas”. Ao mundo global hiperconectado pouco importam os fatos ou sua análise. O que vale é a imagem que se consegue instalar deles na mente do maior número possível de pessoas.

    Há miríades de exemplos contundentes. Mas o propósito deste texto é focar em um deles, a meu ver dos mais graves.

    O que pretendem aqueles poucos que exercem o verdadeiro poder global, e que não por acaso são os grandes capitalistas é, utilizando-se dos infinitos meios de comunicação de massa hoje disponíveis, fazer com que a humanidade aceite a mentira de que democracia é sinônimo de capitalismo. Ou seja, que sob qualquer outro tipo de organização econômica, nenhuma sociedade será verdadeiramente livre.

    Trata-se de um embuste de proporções gigantescas. A existência ou não de democracia independe do sistema econômico sob o qual funciona a respectiva sociedade.

    Nenhuma delas, capitalista, socialista, ou qualquer outra, é genuinamente democrática. Nem mesmo a anarquista, pretensamente a mais libertária de todas.

    Essa constatação, a meu juízo, desloca o eixo do debate para outra direção, mais realista em relação às limitações humanas.

    Considerando que absolutamente todos os regimes do mundo são, em alguma medida, e inevitavelmente, autoritários, qual o critério comparativo que se deve adotar entre eles para um melhor julgamento de suas virtudes ou defeitos?

    Simples: a justiça.

    Sob qual sistema econômico são melhor e mais igualitariamente garantidos os direitos humanos elementares dos cidadãos em geral?

    A resposta não é nada fácil. Eu tenho cá uma opinião e muitas dúvidas. Acho que para a grande maioria é difícil definir qual é tal sistema. Mas, de minha parte, tenho certeza absoluta de qual não é. Justamente o capitalismo. Basta olhar.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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