Apesar dos riscos com Kamala, é preciso evitar a volta de Trump à Casa Branca
O pleito estadunidense tem impactos globais que não podem ser negligenciados
Hoje faz apenas uma semana que Joe Biden anunciou sua desistência da candidatura à reeleição para a Presidência dos Estados Unidos.
Para o Brasil, e o governo Lula, o tema se reveste de grande relevância.
O foco agora está sobre a provável candidata Kamala Harris, que sai de uma posição de coadjuvante no fundo do palco para o protagonismo na boca de cena.
Kamala terá que buscar sua própria voz, se isso é possível no vigiado espaço de liberdade de um candidato de qualquer partido estadunidense.
Não há que ter ilusões. A escolha será entre o ruim e o menos pior. Qualquer candidato nos Estados Unidos deve se apresentar como campeão da defesa dos interesses de uma potência imperialista e em busca de seu retorno ao domínio exclusivo sobre o planeta.
Nesse âmbito, não há uma distinção tão notável entre Kamala e seu adversário, Donald Trump.
Apesar disso, as poucas diferenças, porém, não são negligenciáveis dada a importância da potência norte-americana. E isso diz respeito de perto ao Brasil.
De olho nas doações do lobby sionista, Kamala classifica os manifestantes pelo fim do genocídio na "execráveis defensores do Hamas". Apesar disso, Kamala sinalizou ser uma candidata mais explicitamente defensora de um cessar-fogo imediato ao genocídio perpetrado pelos sionistas em Gaza.
Trata-se também de um gesto de características eleitorais pelo qual ela apela ao eleitor jovem, aquele que apoiou as ocupações em dezenas de universidades contra o massacre israelense. São eleitores que a provável candidata democrata precisa fazer comparecer às urnas para aumentar suas chances em novembro.
O confronto contra Trump tem evidente importância para o Brasil. Bolsonaro precisa da vitória do republicano. Espera que ela de alguma maneira contribua para diminuir as chances de sua prisão. Quem sabe ela ajude a reenergizar a desalentada base de apoio do ex-presidente.
A falta de apoio do governo de Joe Biden à campanha de Bolsonaro para desacreditar o processo eleitoral brasileiro foi relevante. Da mesma forma, o rápido reconhecimento da eleição de Lula em 2022 sinalizou que Washington não embarcaria na aventura golpista que Bolsonaro fazia fermentar.
Sem o beneplácito dos Estados Unidos, chefes militares encontraram boa desculpa para não apoiar o golpe, erodindo assim suas chances de sucesso.
O pleito estadunidense tem impactos globais que não podem ser negligenciados apesar, ou por causa, da decadência da hegemonia do império. Trump parece mais disposto a se concentrar nos críticos temas internos dos Estados Unidos e se afastar, ou encerrar como promete, conflitos como o da Ucrânia, por exemplo. Parece menos disposto a usar a Otan para submeter a Europa e ser o instrumento de uma guerra mundial contra russos e mesmo chineses. Trump é mais plutocrata, racista e machista, além de mentiroso compulsivo.
Para o Brasil e o governo Lula, o advento de uma candidata com mais chances de impedir o retorno de Trump e da extrema-direita, com todas os senões que se possam fazer ao histórico intervencionista do Partido Democrata, se apresenta como providencial.
O sistema de tensões e os pontos de equilíbrio da disputa política deslocaram-se para a direita nas últimas décadas. Reconhecer essa mudança do tabuleiro é forçoso na hora da tomada de decisões sobre o que fazer e que alianças são necessárias em cada momento – para evitar o mal maior.