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Carlos Alberto Mattos

Crítico, curador e pesquisador de cinema. Publica também no blog carmattos

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Cinema: Quando os afegãos ficaram sozinhos

“Afeganistão: a Retirada” acompanha os últimos meses da convivência de estadunidenses e soldados afegãos.

“Afeganistão: a Retirada” (Foto: Divulgação)

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Nas primeiras cenas de Afeganistão: a Retirada (Retrograde), uma multidão desesperada tenta embarcar num avião no aeroporto de Cabul. A cena é caótica. Os soldados afastam o povo com tiros para o alto. Os rostos são de pavor e desesperança. A sequência se conclui num rosto em particular, o de um homem aparentemente calmo que contempla o horizonte noturno. Ele é o general afegão Sami Sadat, figura central deste documentário pré-indicado ao Oscar.

Sadat era o comandante do Exército Nacional na província de Hermande, considerada o pior lugar do Afeganistão na guerra travada contra o Talibã e a Al Qaeda. Tropas dos EUA estavam lá há 20 anos participando da resistência. Treze boinas verdes auxiliavam Sadat no treinamento dos seus soldados, mas a hora da retirada estava cada vez mais próxima. Donald Trump havia determinado a saída das tropas, e o recém-empossado Joe Biden se via no dever de cumprir. 

Retrograde acompanha os últimos meses daquela convivência e a desolação de Sadat e seus homens ao se verem abandonados pelos ocidentais em agosto de 2021. Embora não preencham todos os quesitos de um documentário de guerra, Matthew Heineman e sua equipe fazem um trabalho extraordinário de cobertura das movimentações. Suas câmeras estão em atividades de treinamento, em reuniões do comando, embarcadas em helicópteros que atacam ou são atacados pelo inimigo, no interior do carro de Sadat ameaçado por um carro-bomba, em hospitais que recebem feridos. Registram o desmonte e a queima de equipamentos e munições pertencentes aos estadunidenses antes da partida.

Quando, enfim, os afegãos se veem sozinhos, a situação piora sensivelmente. Sadat chega a se deslocar para a frente de batalha, mas percebe que terá de lutar não só contra o inimigo, mas também contra os superiores que não atendiam a suas necessidades. Não sei dizer até que ponto isso é uma construção dramática do filme no sentido de relacionar diretamente a saída dos EUA ao avanço dos talibãs. De qualquer maneira, a história da guerra confirma o que se vê na tela: os fundamentalistas islâmicos não demoraram a tomar a cidade estratégica de Lakshar Gah e logo depois Cabul. Sadat foi condenado à morte pelos talibãs e conseguiu fugir para Londres, onde tentou montar à distância uma nova investida do Exército Nacional.

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Para os EUA, acabava a guerra mais longa de sua história: 20 anos, com gastos estimados em 2 bilhões de dólares e um saldo de 6.300 baixas. Entre os afegãos, as mortes chegaram a 170 mil. O sereno Sadat é um personagem notável que, em suas reflexões, personifica uma espécie de líder trágico, fadado a confiar na ajuda dos mais poderosos. Seu semblante de desencanto às vezes se assemelha aos dos homens simples, das mães e suas crianças que tentavam escapar do terror na embaixada dos EUA ou no aeroporto. O céu, mesmo o mais duvidoso, não tem lugar para todos. 

>> Afeganistão: A Retirada está na plataforma Disney+

Trailer em inglês:

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