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Rafael Valim

Acadêmico visitante no Institute of European and Comparative Law da Universidade de Oxford. Autor, entre outros livros de Lawfare.

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O direito ao erro

"A incorporação do 'direito ao erro' no Direito brasileiro ofereceria às pessoas e às empresas um escudo poderoso contra o arbítrio do Estado"

(Foto: Pixabay)
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Do A Terra É Redonda

1.

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É amplamente conhecido o chamado “princípio da inescusabilidade da ignorância da lei”, segundo o qual, nos termos do art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro, “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.

Embora tal princípio seja um pressuposto de funcionamento do próprio Direito, impõe-se reconhecer que sua proclamação soa como uma zombaria ante um ordenamento jurídico hipertrofiado, incoerente e sujeito a alterações constantes como o brasileiro.[i]

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Para traduzir em números: estudo recente revelou que, desde a promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, até o dia 30 de setembro de 2023, foram editadas mais de sete milhões de normas jurídicas, é dizer, 586 normas produzidas todos os dias.[ii]

Ora, se os especialistas enfrentam enormes dificuldades para interpretar e aplicar esse cipoal normativo, o que dizer da generalidade das pessoas, sobretudo em setores altamente complexos como a administração tributária? Essa hipernomia produz uma incerteza jurídica massacrante e expõe as pessoas e as empresas a condutas arbitrárias da Administração Pública, para a qual resulta facílimo encontrar, de inopino, infrações administrativas, uma vez que é rigorosamente impossível cumprir todas as normas em vigor.

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Contra esse tétrico estado de coisas, em 10 de agosto de 2018 editou-se na França a “lei para um Estado a serviço de uma sociedade de confiança”, por meio da qual se pretendeu conduzir a Administração Pública francesa à visão de uma administração “de aconselhamento e de serviços”, de uma administração “que apoia”, “que se engaja” e “que dialoga”, no lugar de uma Administração Pública estritamente repressiva.

2.

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Entre os dispositivos introduzidos por essa lei se destaca o chamado “direito ao erro” perante a Administração Pública. O que isso significa?

 Seja-nos permitido reproduzir, em tradução livre, o texto legal francês: “Uma pessoa que tenha, pela primeira vez, desrespeitado uma regra aplicável à sua situação ou que tenha cometido um erro material ao fornecer informações sobre sua situação não poderá ser sujeita, pela administração, a uma penalidade, seja pecuniária ou consistente na privação de todo ou parte de um benefício devido, se tiver regularizado sua situação por iniciativa própria ou após ter sido convidada a fazê-lo pela Administração dentro do prazo indicado por esta última”.[iii]

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Extrai-se, pois, que o “direito ao erro” – que, em rigor, é o direito de regularizar uma infração – se traduz em alguns deveres das autoridades administrativas, quais sejam: verificar se é a primeira vez que a pessoa comete a infração; aferir se há má-fé ou fraude, se não houver, convidar a pessoa a regularizar a situação. Uma vez regularizada, nenhuma penalidade será imposta.[iv]

Jacques Chavellier sublinha, acertadamente, a transcendência dessa inovação: “Em primeiro lugar, há uma mudança na forma como o administrado é percebido: aceita-se que ele possa cometer erros (uma possibilidade que era amplamente ignorada no direito público) e uma presunção de boa-fé é estabelecida em seu favor (mesmo que ele tenha cometido erros); esse é o fim da relação tradicional de desconfiança, em que o administrado era visto a priori como suspeito”.[v]

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3.

A incorporação do “direito ao erro” no Direito brasileiro constituiria uma revolução copernicana na relação que a Administração Pública entretém com os particulares. Por um lado, reforçaria a vocação garantista do direito administrativo, oferecendo às pessoas e às empresas um escudo poderoso contra o arbítrio do Estado; por outro lado, deslocaria os esforços e a preocupação da Administração Pública para o que realmente importa: os fraudadores e os infratores contumazes.

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