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Alex Solnik

Alex Solnik é jornalista. Já atuou em publicações como Jornal da Tarde, Istoé, Senhor, Careta, Interview e Manchete. É autor de treze livros, dentre os quais "Porque não deu certo", "O Cofre do Adhemar", "A guerra do apagão" e "O domador de sonhos"

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Os amores platônicos de Oswald de Andrade

"Conheci sobretudo uma cafetina gorda e maternal chamada Olga", escreve Alex Solnik na peça “O casamento do Pau-Brasil com a Foice e o Martelo”

Oswald de Andrade (Foto: Divulgação)

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Uma placa pende do teto com estes dizeres: “Amores platônicos no colégio”. OSWALD  e o CARRASCO. De capuz. Tem um machado de açougueiro descansando ao seu lado.

O CARRASCO - Devo adverti-lo que tudo o que o senhor disser  ou não disser, e mesmo pensar e não pensar, poderá ser usado contra o senhor a qualquer momento, hoje mesmo, ou em quatro anos. (Pausa) Teve amores platônicos no colégio?

OSWALD - Sim senhor. Umas nádegas redondas e plasticamente perfeitas, costumavam ingenuamente levantar-se à minha frente, sob calças colantes e curtas. Era Adolfo, o melhor aluno da turma, que diziam vestir roupas vindas da Inglaterra.

O CARRASCO - Um homem! Prossiga.

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OSWALD - Seus ternos esportivos tinham gosto diverso dos nossos, eram de excelente linho, de várias cores e revelavam grossas e perfeitas pernas morenas.

O CARRASCO - Pernas perfeitas e morenas de um homem!

OSWALD - Surpreendi-me amando o filho de um líder católico, riquíssimo, que morava num palacete em Higienópolis. Adolfo não admitia a menor brincadeira e quem o bolinasse levava uma boa unhada. Eu nunca tive futuro com o Adolfo!

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O CARRASCO - Futuro? Que futuro? O senhor queria casar com ele? Ter filhos? Desse modo serei obrigado a decapitá-lo. Sem direito a capuz. A seco. Como na guilhotina.

OSWALD - O mesmo não se dava com outra beldade do colégio.

O CARRASCO - Ah, finalmente, uma beldade…

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OSWALD - Francisco de Paula! Que se tornou um dos homens mais feios do século! Apesar de ele manter acesas minhas primeiras esperanças machas, nunca consegui levá-lo para um passeio solitário ao Ipiranga ou à Penha. Ficava tudo em promessas.   

O CARRASCO - Eram fantasias de garoto, então.

OSWALD - O nome dele era João Ítalo Chile Brasil Ponzini. Depois das aulas, eu fazia uma parada habitual na venda do pai dele, na rua Líbero Badaró. Na venda do Ponzini travei conhecimento com mais de uma prostituta.

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O CARRASCO - Felizmente. Não era o depravado que eu supunha.

OSWALD - Conheci sobretudo uma cafetina gorda e maternal chamada Olga, que se sentava comigo em torno de uma mesa. Mas não foi aí que eu perdi a virgindade, cautelosamente vigiada pela mamãe.

O CARRASCO - O senhor é um fresco, ou era, não importa! Homem que é homem não é cautelosamente vigiado pela mamãe.

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OSWALD - Onde estamos? O senhor sabe com quem eu estou falando?

O CARRASCO - Quem faz perguntas aqui sou eu. Prossiga.

OSWALD - Na manhã de uma segunda-feira, o Ponzini gabou-se de ter conduzido até o Ipiranga as gordurinhas invejadas de Francisco de Paula. Urdi uma intriga danada. Disse ao de Paula: você só se reabilita se der uma bofetada no Ponzini.

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O CARRASCO - E ele deu?

OSWALD - Insisti tanto e o Ponzini tanto se gabou que levou, afinal, o tapa na cara!

O CARRASCO - Muito bem! Parabéns! 

OSWALD - Mas, me diga uma coisa: onde estou? Eu morri?

O CARRASCO - Nunca se sabe. Essa é a graça. Nunca se sabe.

(Trecho da minha peça “O casamento do Pau-Brasil com a Foice e o Martelo”)

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