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Marcia Carmo

Jornalista e correspondente do Brasil 247 na Argentina. Mestra em Estudos Latino-Americanos (Unsam, de Buenos Aires), autora do livro ‘América do Sul’ (editora DBA).

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PL do aborto: ruas do Brasil lembram Argentina antes da legalização. Mas Milei é ameaça contra lenços verdes?

"Hoje é difícil imaginar que Milei consiga derrubar essa conquista", escreve Marcia Carmo

Imagem de pessoas que apoiam a descriminalização do aborto do lado de fora do Congresso argentino, em 11 de dezembro de 2020 (Foto: Agustin Marcarian/Reuters)

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As manifestações do fim de semana nas cidades brasileiras fizeram recordar os atos realizados em 2018 na Argentina. E que aqui resultaram, dois anos mais tarde, durante o governo do ex-presidente Alberto Fernández, no fim da descriminalização e na legalização do aborto “legal, seguro e gratuito”.

Ao sancionar o texto, aprovado no Congresso Nacional, Fernández declarou: “Hoje somos uma sociedade melhor, que amplia os direitos das mulheres e garante a saúde pública”. Para ele e para defensores dos direitos humanos, a hipocrisia chegava ao fim. O dilema antes da lei, disse, era entre as clínicas clandestinas, que colocavam a mulher em perigo, e a abertura das portas do sistema de saúde – público e privado – ao mundo das realidades. A lei argentina autoriza o aborto até a semana 14 de gestação para toda pessoa a partir dos 16 anos de idade e estabelece que as que tenham idades inferiores a esta faixa etária precisam da autorização de algum responsável para o procedimento médico. Até aqui, a agenda ultraconservadora do governo Milei se limita a área econômica e não à agenda de costumes. Milei, porém, já declarou, mais de uma vez, que é contrário à interrupção da gestação. “Para mim, o aborto é um assassinato”, disse em março passado. Ele também chamou de “assassinos dos lenços verdes” aqueles que apoiaram a lei.

Os lenços verdes simbolizam, a partir de 2018, o apoio a esta causa e eles também passaram a ser vistos nas recentes manifestações brasileiras. O presidente argentino desdenha ainda da pauta da igualdade de gênero – além de ter eliminado o Ministério da Mulher, fundamental no combate ao feminicídio.

Nesta semana, a Argentina deve apresentar em uma reunião da Organização de Estados Americanos (OEA), em Assunção, no Paraguai, o fim do compromisso do país com a agenda LGBTI+, com a igualdade de gênero e com a mudança do clima, segundo o argentino Clarín.

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O partido de Milei, A Liberdade Avança (LLA), tem minoria dos votos no Congresso. E, seis meses após sua posse, ele ainda não conseguiu aprovar uma lei do seu governo libertário e da extrema direita. Mas a informação sobre o possível fim do compromisso com a agenda LGBTI+ provocou arrepios nos que lutaram nas ruas pelas liberdades individuais, incluindo o aborto – hoje garantido e sem questionamentos públicos no país, à exceção das declarações de Milei.

Há seis anos, o aborto estava entre as principais notícias argentinas. Os protestos, então, eram similares aos que vimos nos últimos dias no Brasil, após a votação do texto, em segundos e sem debate, na Câmara dos Deputados.

Em agosto de 2018, grupos de mulheres argentinas vestidas de vermelho e branco realizaram protesto em frente ao Congresso Nacional, em Buenos Aires.  A túnica vermelha e a touca branca, cobrindo quase todo o rosto, eram inspiradas na série O Conto de Aia, de 1985, da escritora canadense Margareth Atwood.

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Aqui, no nosso vizinho, as discussões sobre a descriminalização e a legalização do aborto tinham começado a ganhar força no início dos anos 2000. Cresceram com o passar dos anos e com atos organizados por mulheres de diferentes idades. Falar sobre o assunto deixou de ser tabu. E passou a ser comum ver mulheres – homens e outros gêneros – com os lenços verdes nos punhos, nas mochilas, nas cinturas. Os lenços que agora Milei recrimina, mas sem grandes ecos até aqui.

Houve muita disputa até a legislação virar fato. Naquele ano de 2018, numa carta à então presidente do Senado, a católica praticante Gabriela Michetti, vice-presidente do ex-presidente Mauricio Macri, a escritora Atwood pedia: “Não ignore as milhares de mortes que ocorrem a cada ano por abortos ilegais. Dê às mulheres argentinas o direito de escolha. Ninguém gosta de abortar. Mas ninguém gosta também de mulheres sangrando num banheiro após um aborto ilegal”. A discussão sobre a legalização tinha dividido o próprio governo da época. Macri disse que não vetaria o texto, se ele fosse aprovado no Congresso. Seu ministro da Saúde, Adolfo Rubinstein, disse que a aprovação era fundamental por ser uma “questão de saúde pública” e citou dados de mulheres que chegam aos hospitais pedindo ajuda após uma tentativa frustrada de abortar. Mas Michetti era contra. O texto acabou não sendo aprovado no Senado. Mas a demanda não foi engavetada. As manifestações continuaram e os lenços verdes ficaram ainda mais populares na Argentina e foram aderidos em outros países do planeta. A persistência gerou a lei. Agora, mesmo que Milei chegue a tentar, hoje é difícil imaginar que consiga derrubar essa conquista.

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