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Moisés Mendes

Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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Campos Neto tenta dizer que tem mais poder do que Lula

“O presidente do BC fala como quem pode impor ao governo o que pensa sobre a política econômica e até sobre gastos sociais”, escreve o colunista Moisés Mendes

Lula e Roberto Campos Neto (Foto: Ricardo Stuckert/PR | Adriano Machado/Reuters)

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Esse trecho a seguir é de um texto publicado em 22 de janeiro de 2003 pelo ex-ministro Delfim Netto, na Folha de S. Paulo. Mesmo que o contexto seja bem diferente, quando se iniciava o primeiro governo Lula, vale a pena ser lido.

“Em primeiro lugar, não é o Banco Central quem determina a política econômica (política fiscal, política cambial, políticas públicas microeconômicas etc.). Ela é fixada pelo governo (como é, aliás, a própria "meta de inflação"). Em segundo lugar, é preciso lembrar que a taxa de câmbio real é uma variável endógena, formada dentro e nas condições do sistema econômico. Ela não pode ser ditada pelo governo e muito menos pelo Banco Central. O desastre cambial de 1995-98 não deve, portanto, ser atribuído à "autonomia do Banco Central", mas a um lamentável erro de política econômica, sustentado pelo presidente FHC e por seu ministro da Fazenda”. 

Delfim tenta livrar a cara do BC, na crise cambial de 1998-1999, mas não é isso o que importa no que ele acentua, ao refletir sobre uma já debatida e prevista “autonomia do Banco Central”.

O que Delfim diz é que um Banco Central não tem o poder de formular, orientar ou fiscalizar uma política econômica. E que a confusão cambial do segundo governo de Fernando Henrique foi resultado de “um lamentável erro de política econômica, sustentado pelo presidente FHC e por seu ministro da Fazenda”. O ministro era Pedro Malan.

Usando a mesma premissa, é possível que alguém, daqui a alguns anos, reflita sobre as culpas do BC de Roberto Campos Neto e da política econômica de Fernando Haddad, num eventual desarranjo da economia daqui pra frente?

A crise cambial de 98-99 resultou em desvalorização do real, fuga de capitais, inflação, endividamento, desalento e esgotamento das reservas. O que Delfim sugere é que aquela não foi apenas uma crise de barbeiragem dos guardiões da moeda.

E essa ’crise’ de hoje? Delfim está afastado das reflexões sobre a economia, mas seria bom ouvi-lo a partir dessa pergunta: por que Campos Neto apresenta-se como contraponto de sensatez à língua solta de Lula sobre juro alto?

Por que, como fez em evento em Portugal, o presidente do BC reflete sobre política econômica, se não é essa sua atribuição? Por que Campos Neto tenta induzir a grande imprensa a ver uma falsa equivalência entre o que ele e diz e o que o presidente da República fala?

Na terça-feira, refletindo esse sentimento de que Campos Neto pode falar e de que Lula deve calar-se, o Estadão estampou essa manchete: "Lula convoca reunião para discutir alta do dólar; moeda sobe sempre que presidente fala”.

Se a moeda sobe, é porque o presidente fala o que não deve falar. Mas Campos Neto, que seria detentor de uma sabedoria que Lula não tem, pode dizer o que quiser em eventos abertos, como o seminário em Portugal, ou em reuniões fechadas com Tarcísio de Freitas, banqueiros e gente da extrema direita.

Campos Neto pode falar em voz alta em Lisboa ou cochichar no jantar de Tarcísio em São Paulo. Porque ele sabe o que fala. É o que dizem os jornais, sem conseguir esconder que estão fragilizando o real, no trigésimo aniversário da moeda.

Pelo que está dado hoje, Lula, que completa nove anos e meio governando, no seu terceiro mandato, é menos confiável como líder, formulador e executor de um programa de governo do que Campos Neto como guardião da moeda e da inflação.

Lido de outro jeito hoje, o artigo de Delfim Neto de 2003 nos ajuda a refletir sobre o que não é declarado, mas está no que seria o cerne da afronta pública de Campos Neto ao poder de um presidente eleito. O presidente do BC pode se achar no direito de patrulhar a política econômica de Lula, recomendando cortes e arrocho?

Leiam o que Campos Neto disse em Portugal e está em todos os jornais. O presidente do BC afirmou que “tentar impulsionar crescimento através de intervenção do governo” e “com investimento público” é condenável porque pode fazer com que o país entre em um ciclo vicioso que leva à ineficiência.

É o presidente do BC falando como alguém do meio acadêmico ou um palpiteiro, como se fosse isento e distante para apresentar suas ideias liberais e condenar a intervenção do Estado na economia e até na área social:

“Esse ciclo vicioso se deu em alguns países da seguinte forma. Você tem a inflação maior, que gera desigualdade maior. O governo, para contra-atacar isso, faz mais programas sociais. E aí você entra nessa espiral de mais programas sociais, mais gastos, mais inflação”.

Pode o presidente do BC dizer, em recados a Lula e a Haddad, qual deveria ser o tamanho ideal do Estado, suas funções e os limites da sua intervenção até mesmo na área social? Não pode. 

Campos Neto fala para o mercado e para seus amigos do bolsonarismo para vender a ideia de que tem mais poder do que Lula, porque pode sabotar o governo para garantir o pedaço do mercado. É um blefe que funciona para a Faria Lima e tumultua a economia. 

Mas o amigo de Tarcísio de Freitas não tem, como já ensinava Delfim, nenhuma autoridade sobre política econômica. Campos Neto só pode falar dirigindo-se a Lula como disseminador de terror.  

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