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César Fonseca

Repórter de política e economia, editor do site Independência Sul Americana

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Lula se equivoca ao descartar controle de câmbio por acreditar que alta do dólar é episódica e não gerada pela financeirização?

O presidente, com razão, virou maior adversário da política monetária do Banco Central “Independente”

Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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O presidente Lula disse na sexta-feira no Nordeste que não se preocupa com a alta do dólar por considerá-la episódica, fruto de especulação, sem maiores efeitos para a produção e o emprego, porque vai se acomodar, não superando seu limite natural etc.

Excesso de otimismo ou perigoso equívoco?

O presidente, com razão, virou maior adversário da política monetária do Banco Central “Independente” por este não estar preocupado com o emprego, mas apenas com a inflação, quando decide o patamar da taxa de juro, ao contrário do que acontece com o Banco Central americano, que leva em consideração os dois fatores – inflação e emprego – para estabelecer qual será o patamar do juro nos Estados Unidos.

Por que nos Estados Unidos, o BC adota esse critério e no Brasil, o BC o descarta, levando em consideração, para fixação do juro, apenas, o movimento dos preços, deixando de lado o movimento do emprego?

O movimento dos preços prescinde do emprego ou o emprego possui autonomia própria que evolui independentemente dos preços etc.?

Assim, mais ou menos, mecanicamente, Lula conclui, apressadamente, que a moeda americana está subindo devido a um processo especulativo, que, logo, encontrará seu leito, seu limite natural e haverá, consequentemente, uma acomodação.

Será?

Cenário internacional desmente Lula - O que se verifica, no momento mundial, é a ação do BC americano, que é bom lembrar, emite dólar, moeda hegemônica mundial, diferente do Brasil, que emite real, moeda sem curso internacional, em busca de uma inflação anual de 2%.

Como a inflação americana, atualmente, extrapola os 3%, refletindo o desequilíbrio dos custos e preços internos, nos Estados, o BC utiliza os juros, elevando-os, para tentar alcançar seu objetivo.

Já, por aí, verifica-se processo histórico material qualitativamente diferenciado entre Estados Unidos, potência imperialista, e Brasil, economia capitalista periférica, economicamente dependente.

A hegemonia monetária americana, em sua autonomia, influencia o movimento das demais moedas que sofrem valorização ou desvalorização em razão da decisão de controlar o emprego e inflação nos Estados Unidos.

Por que o objetivo da política monetária na periferia capitalista, no Brasil, por exemplo, não é o de controlar o emprego, mas, sim, apenas, inflação, quanto o BC decide aumentar ou diminuir a taxa de juro Selic?

Simples: como o Brasil não emite dólar, mas, sim, real, o BC brasileiro não tem o poder autônomo de controlar, simultaneamente, emprego e inflação, manejando moeda própria, porque trabalha com moeda internacional, sobre a qual não tem controle.

Desse modo, se há excesso de oferta de dólar, o real se valoriza, mas, se os Estados Unidos, para controlar emprego e inflação, torna escassa a oferta da sua moeda, o real, aqui, se desvaloriza, porque as reservas de dólar disponíveis, internamente, migram para onde podem se valorizar mais, ou  seja, no mercado financeiro americano.

Assim, nesse momento, em que a economia global é dominada pela financeirização completa da moeda americana, o Brasil, se, antes, não tinha controle do câmbio, para segurar entrada e saída de dólar, ao bel prazer da decisão do BC americano, agora em que está submetido às regras do chamado tripé neoliberal – metas inflacionárias, câmbio flutuante e superávit primário – fixado por Washington, carece de qualquer autonomia monetária, no cenário do capitalismo financeirizado.

Correlação de forças EUA X China - A variação dos juros americanos, determinada pela emissão de moeda do BC americano, está, por sua vez, subordinada à correlação de forças internacionais que não se encontra mais sob controle total, hegemônico, dos Estados Unidos.

A economia chinesa alcançou a economia americana pelo critério de paridade do poder de compra de tal forma que passou a determinar e influenciar a política monetária global, porque o dólar deixa de ser hegemônico na formação de preços, em escala global, especialmente, na China, como acontece com a formação de preços, no Brasil.

Aqui, ao contrário, a moeda americana comanda a moeda brasileira, dada à política macroeconômica nacional assentada no tripe neoliberal: metas inflacionárias, câmbio flutuante e superávit primário.

A inflação brasileira, portanto, é determinada pela emissão monetária americana, por sua vez, comandada pela financeirização global dirigida pelos monopólios e oligopólios financeiros privados.

No entanto, a emissão de dólar pelo BC americano passou a obedecer a correlação de forças com a moeda chinesa, que, graças à maior competitividade da China, na produção de mercadorias, correlacionada com a oferta de crédito controlada por bancos públicos, impõe deterioração no poder de troca relativamente à moeda americana, dominada por oligopólios privados.

Contradição em cena: público x privado - No cenário global, portanto, estão em choque os monopólios públicos (China) e os monopólios privados (Estados Unidos).

A invasão competitiva das mercadorias chinesas, no mercado americano, deslocando as mercadorias americanas, graças à maior oferta a preços mais baratos, desvaloriza o dólar em relação ao yuan, o que afeta o mercado de trabalho nos Estados Unidos.

Os preços chineses mais baixos nos Estados Unidos diminuem a inflação americana, mas, por outro lado, eleva o desemprego interno.

Para aumentar o emprego, nos Estados Unidos, o BC americano tem que baixar a taxa de juros, para movimentar a economia dependente do consumo interno.

Contudo, esse movimento monetário, provoca, por sua vez, inflação com aumento da demanda em relação à oferta.

Se a oferta se eleva, com as importações chinesas, em relação à demanda, os preços caem e a taxa de lucro das empresas despenca produzindo deflação, falências etc.

O cenário global, no momento, portanto, indica que o BC americano não pode mais reduzir a taxa de juro, porque perde controle da inflação, que tende a cair além da conta, para evitar desemprego.

Priorizar oferta de emprego ou combate à inflação no contexto global em que a hegemonia do dólar deixa de existir perante a China mais competitiva?

 Contradição em busca de superação conflitiva dialética.

BC brasileiro refém do BC americano - O BC americano, dominado pelos monopólios e oligopólios financeiros nacionais e internacionais privados, que necessitam de juros positivos para se reproduzirem, no cenário da financeirização predominante no capitalismo oligopolizado, tornou-se prisioneiro da banca internacional, principal comandante da política cambial do império, com reflexos globais.

Nesse contexto, o BC Independente brasileiro vira, também, refém da banca internacional, controladora das taxas de câmbios em todo o mundo, atuando por intermédio do Banco Central americano, como banco central dos bancos centrais, na administração da moeda hegemônica, ameaçada pela China, nova potência internacional, a dividir, com Estados Unidos, o poder hegemônico monetário global.

Portanto, o presidente Lula se equivoca ou não, quando diz que a especulação com o dólar, no Brasil, é um movimento especulativo episódico que logo passa, sem modificar os rumos da economia?

O fato é que a variação do dólar, que foge do Brasil para os Estados Unidos atrás do juro mais alto americano, fixado pelo BC dos Estados Unidos, para se acomodar contra o desafio chinês, pode representar o mais grave empecilho ao crescimento nacional, se continuar predominando o tripé econômico.

Afinal, o câmbio flutuante impõe, necessariamente, juro crescente por parte do BC Independente brasileiro, como parte do desarranjo/desenvolvimento internacional do capitalismo americano frente ao capitalismo socialista chinês, dominado pelo Estado dirigente do processo produtivo por meio de oligopólio financeiro não privado, mas, essencialmente, estatal.

Persiste e se aprofunda, dessa forma, o dilema: controlar ou não o câmbio como fator determinante do desenvolvimento sustentável que Lula prometeu implementar na campanha eleitoral?

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