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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Formação de lideranças da Marinha se faz em templos evangélicos

A continuar desta forma, a “evangelização” irá penetrar pelas frestas das nossas instituições, entorpecendo o cenário político

(Foto: Divulgação)

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Francisco Marques Lisboa, nascido em 1807, foi segundo-tenente honorário, ex-patrão-mor do porto do Rio Grande do Sul, chegou ao posto de almirante. O Almirante Tamandaré, patrono da Marinha do Brasil, herói da guerra do Paraguai, tendo liderado a batalha do Riachuelo, era Comendador da Ordem de Cristo. Um católico, portanto.

O emblema da ordem, a Cruz da Ordem de Cristo, criada pelo infante D. Henrique, adornava as velas das Caravelas e Naus que exploravam os mares desconhecidos, como uma espécie de proteção dos que ali se aventuravam. 

O que diria o patrono da Marinha do Brasil, o Almirante Tamandaré, se lhe fosse dado assistir a um vídeo, postado em 31 de maio último? Nele, um oficial fardado se apresenta como “Luiz Fiorani (o áudio não é bom. O sobrenome pode não ser exatamente esse), sou comandante do Corpo de Alunos da Escola de Aprendiz de Marinha de Santa Catarina. Eu, juntamente com o capitão-tenente e capelão naval João Roberto, trouxemos 70 alunos aprendizes de marinheiro, aqui de Florianópolis, para uma palestra sobre liderança, como pastor Alfredo, onde ele pôde, nesta tarde do dia 20 (supõem-se 20 de maio), proferir algumas palavras para os nossos jovens aprendizes, sobre a importância da liderança, tanto na carreira militar quanto na vida social”.

Nesse momento entra no vídeo a fala do capelão naval João Roberto, exaltando a “missão”, tendo ao fundo um templo evangélico, encimado pelo lema “Jesus Cristo é o Senhor”:

“Então, foi uma bênção colocar uma semente de esperança nos nossos alunos, uma palavra de liderança, para que eles sejam bons militares, não só nos quartéis, mas também em suas famílias e na sociedade”, diz ele, empertigado.

Ambos envergam o garboso uniforme da Marinha, arrematado com vistosos quepes brancos e com desinibição e orgulho professam fé. Qual a religião de cada um dos 70 aprendizes? Parece não ter sido esse um ponto a ser levado em conta. Tampouco o Regulamento Disciplinar da Marinha (DECRETO No 88.545, DE 26 DE JULHO DE 1983. Alterações: Decreto no 93.665, de 9 de dezembro de 1986; Decreto no 94.387, de 29 de maio de 1987; Decreto no 1.011, de 22 de dezembro de 1993).

Pelo regulamento, no artigo 79 do capítulo 1, que trata de “propósitos” é proibido “provocar ou tomar parte em Organização Militar em discussão a respeito de política ou religião”.

Já no capítulo II, intitulado: “DAS CONTRAVENÇÕES DISCIPLINARES CAPÍTULO I - Definição e Especificação Art. 6o –, diz que: 

 “Contravenção Disciplinar é toda ação ou omissão contrária às obrigações ou aos deveres militares estatuídos nas leis, nos regulamentos, nas normas e nas disposições em vigor que fundamentam a Organização Militar, desde que não incidindo no que é capitulado pelo Código Penal Militar como crime”, que parece ter sido o caso em que se enquadra essa situação. 

No Art. 7º, está descrito que: “São contravenções disciplinares: 

1. dirigir-se ou referir-se a superior de modo desrespeitoso; 

2. censurar atos de superior; 

3. responder de maneira desatenciosa ao superior; 

4. dirigir-se ao superior para tratar de assuntos de serviço ou de caráter particular em inobservância à via hierárquica”. 

A atitude do comandante dos aprendizes de Santa Catarina parece se encaixar no último item das contravenções disciplinares, pois embora ele se dirija ao superior de forma respeitosa, o assunto tratado em sua presença é de caráter particular, levando-se em conta que ele professa sua crença religiosa ao superior (que concorda com a exposição do comandante), mas é tema alheio ao meio militar e não diz respeito à formação dos 70 aprendizes.

Resta ao almirante Marcos Sampaio Olsen, tão cioso da disciplina da Marinha do Brasil, a ponto de não reconhecer no livro dos heróis o marinheiro João Cândido, um notório defensor dos direitos de seus companheiros de arma, se posicionar sobre a inusitada “aula de liderança”. E, principalmente, sobre a “unidade” civil – um templo -, em que ela foi ministrada. 

Talvez tenha faltado ao capelão naval, João Roberto, orientações sobre que tipo de liderança a Marinha espera dos seus marinheiros e oficiais, num Estado laico.

A continuar desta forma, a “evangelização” irá penetrar pelas frestas das nossas instituições, como um gás que se espalha lentamente, entorpecendo o cenário político – como já o fez; o STF, onde ainda são minoria – e os vários graus da escala de comando do país, transformando o Brasil em uma “terra de Jesus”, como quer a madame que professou esse desejo na Av. Paulista. 

Certamente se lhe fosse dado ver o vídeo o Almirante Tamandaré diria que foi mais fácil vencer a batalha do Riachuelo, do que expulsar essa ameaça explosiva que mistura política+religião.  

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