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Pepe Escobar

Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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O Hegêmona ordena que a Europa aposte na guerra e roube o dinheiro da Rússia

"O kabuki da 'paz' da Suíça veio e se foi – e o vencedor foi Vladimir Putin. Ele não precisou nem estar presente", analisa Pepe Escobar

Joe Biden, Volodymyr Zelensky e Vladimir Putin (Foto: Reuters/Leah Millis | Reuters/Valentyn Ogirenko | Sputnik/Mikhail Klimentyev/Kremlin via Reuters)

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O kabuki da "paz" da Suíça veio e se foi – e o vencedor foi Vladimir Putin. Ele não precisou nem estar presente.

Nenhum dos Grandes Atores estava. Ou, no caso de terem enviado emissários, houve uma significativa recusa a assinar a vazia declaração final – como ocorreu com os membros dos BRICS, Brasil, Índia, Arábia Saudita, União dos Emirados Árabes e África do Sul.

Sem os BRICS, não há absolutamente nada que o Ocidente Coletivo – ou seja, os Hegêmona e seus vários vassalos – possa fazer para alterar o tabuleiro de xadrez da guerra por procuração na Ucrânia.

Em sua fala cuidadosamente calibrada aos diplomatas e à liderança do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Putin delineou uma abordagem inacreditavelmente contida e estratégica à resolução do problema ucraniano. No contexto da luz verde dada pelo Hegêmona a Kiev para a escalada – atualmente já em vigor há vários meses – dos ataques penetrando cada vez mais para dentro do território da Federação Russa, a oferta de Putin foi extremamente generosa.

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Essa oferta foi feita diretamente ao Hegêmona e ao Ocidente Coletivo, já que o comediante de camiseta suada de Kiev não tem mais a mínima relevância.

Como seria previsível, a OTAN – por meio daquela tora epilética de madeira norueguesa – já proclamou sua recusa a negociar, embora alguns membros relativamente antenados da Verkhovna Rada (o Parlamento ucraniano) já tenham começado a discutir a oferta, segundo o Presidente da Duma Vyacheslav Volodin.

Moscou vê a Verkhovna Rada como a única entidade legítima na Ucrânia – e a única com a qual seria possível chegar a um acordo.

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O representante russo nas Nações Unidas, Vasily Nebenzya, foi direto ao ponto – de forma perfeitamente diplomática: se a generosa proposta for rejeitada, da próxima vez as condições para dar início às negociações serão "diferentes". E "muito mais desfavoráveis", segundo o diretor da Comitê de Defesa da Duma Andrei Kartapolov.

Enquanto Nebenzya insistia em que, em caso de rejeição, o Ocidente Coletivo arcará com a total responsabilidade por todo o futuro derramamento de sangue, Kartapolov se estendeu quanto ao Grande Quadro: o verdadeiro objetivo da Rússia é a criação de um novo sistema de segurança para o espaço eurasiático.

O que, é claro, é anátema para as elites do Hegêmona.

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A visão de Putin sobre a segurança para a Eurásia data a seu lendário discurso na Conferência de Segurança de Munique, em 2007. Atualmente, com o firme avanço de um novo sistema multimodal (itálicos meus) e multicêntrico de relações internacionais, o Kremlin vem pressionando por uma solução urgente – em face da escalada extremamente arriscada destes últimos meses.

Putin, mais uma vez, teve que fazer com que os surdos, mudos e cegos se lembrem do óbvio:

"Chamamentos a infligir uma derrota estratégica à Rússia, detentora do maior arsenal de armas nucleares, demonstram o extremo aventureirismo dos políticos ocidentais. Ou eles não entendem a escala da ameaça criada por eles mesmos ou estão simplesmente obcecados com a crença em sua própria imunidade e sua própria exclusividade. Ambos os casos podem resultar em tragédia".

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Eles continuam surdos, mudos e cegos.

Uma proposta que não resolve nada?

Um debate acirrado vem fervilhando nos círculos informados da Rússia sobre a proposta de Putin. Os críticos a atacam como sendo uma capitulação – forçada por oligarcas selecionados e grupos empresariais influentes, contrários a uma "quase guerra" (o slogan preferido) que continua postergando o inevitável golpe de decapitação.

Esses críticos argumentam que a estratégia militar é totalmente subordinada a uma estratégia política. E isso explicaria os sérios problemas no Mar Negro e na Transnístria: o centro político do poder se recusa a conquistar o principal alvo econômico/militar que é Odessa.

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Adicionalmente, as cadeias de fornecimento de armas para a Ucrânia não estão sendo corretamente interrompidas.

O principal ponto crítico é que "está demorando demais". Basta ver o exemplo de Mariupol.

Em 2014, Mariupol foi deixada sob o controle das gangues nazi-bandeiristas como parte de um acordo financeiro com Rinat Akhmetov, o proprietário da usina de Azovstal. Esse é um caso clássico de oligarcas e financistas prevalecerem sobre os objetivos militares.

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A generosidade de Putin, visível nesta última proposta de paz, também sugere um paralelo com o que ocorreu em Dara'a, na Síria: a Rússia também negociou o que à primeira vista parecia ser um acordo de paz. No entanto, Dara'a continua um caos, mergulhada em extrema violência e colocando em risco soldados sírios e russos.

A coisa complica quando a atual proposta apenas pede à OTAN que não se estabeleça em Kiev. Mas, ao mesmo tempo, Kiev terá a permissão de manter um exército, com base nas (abortadas) negociações de paz de abril de 2022, em Istambul.

Os críticos argumentam também que Putin parece acreditar que essa proposta irá resolver a guerra. Não é bem assim. Uma real campanha de desnazificação é uma questão de décadas – implicando tudo, desde a total desmilitarização até a erradicação de focos de ideologia extremista. Uma verdadeira revolução cultural.

A escalada atualmente em curso já segue as ordens dadas pela rarefeita plutocracia que realmente comanda o espetáculo a seus mensageiros e operadores: gangues nazi-bandeiristas deslancharão uma Guerra de Terror no interior da Rússia, que irá se prolongar por anos a fio. Partindo de território ucraniano. Da mesma forma que Idlib, na Síria, continua sendo território amigável aos terroristas.

O Dossiê Odessa

A estratégia de Putin pode estar alerta a algo que escapa à percepção de seus críticos. Seu desejo de voltar à paz e de reestabelecer relações sólidas com Kiev e o Ocidente tem que ser um ardil – já que ninguém sabe melhor que ele que isso não vai acontecer.

Já ficou claro que Kiev insiste em não ceder território: este terá que ser conquistado no campo de batalha. Além do mais, a OTAN simplesmente não pode assinar na linha pontilhada sua humilhação cósmica, aceitando que a Rússia venha a conseguir tudo o que exigia em fevereiro de 2022.

O principal objetivo diplomático de Putin já foi alcançado. Ele demonstrou com a maior clareza à Maioria Global que está aberto a solucionar o dilema em uma atmosfera serena, enquanto uma OTAN desnorteada continua gritando "Guerra!" a cada minuto.

O Hegêmona quer guerra? Então é guerra que eles terão – até o último ucraniano.

O que nos traz ao dossiê Odessa.

É da maior importância que Putin não tenha mencionado Odessa. Essa é a última chance de Kiev de conservar essa área. Se a proposta de paz for rejeitada em caráter definitivo, Odessa estará na próxima lista de pontos não-negociáveis.

O Chanceler Sergey Lavrov, mais uma vez, acertou em cheio: "Putin é paciente. Os que têm ouvidos ouvirão, os que têm cérebro entenderão".

Ninguém deve esperar que muitos cérebros funcionais pipoquem no Ocidente. O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, confirmou que a OTAN vem planejando montar maciças instalações na Polônia, Romênia e Eslováquia, para "coordenar a transferência de armas à Ucrânia".

Acrescente-se a isso aquela tora epilética de madeira norueguesa afirmando que a OTAN vem "discutindo" colocar suas armas nucleares em estado de prontidão para combate, "face à crescente ameaça vinda da Rússia e da China".

Mais uma vez, o velho Stoltenberg entrega o jogo: note-se que a razão de tudo isso é a paranoia do Hegêmona com as duas maiores "ameaças existenciais", a parceria estratégica Rússia-China. Ou seja, os líderes dos BRICS que coordenam o impulso rumo a um mundo multipolar, multimodal (itálicos meus) e harmônico (terminologia de Putin).

Roubar o dinheiro russo é legal

Então, temos o roubo descarado dos ativos financeiros russos

Em seu triste espetáculo encenado em Puglia, no sul da Itália, o G7 - na presença do ilegítimo comediante de camiseta suada – concordou em enfiar mais 50 bilhões de dólares em um empréstimo à Ucrânia, financiado pelos juros dos ativos russos congelados e, para todos os fins práticos, roubados.

Com uma lógica impecavelmente perversa, a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni – cuja repaginação do guarda-roupa e penteado decididamente não se estendeu ao cérebro – disse que o G7 "não confiscará os ativos congelados da Federação Russa": "estamos falando apenas dos juros acumulados ao longo do tempo".

Em matéria de golpe financeiro, este é uma obra de arte.

Em essência, o principal freguês (o Hegêmona) e seu instrumento (a União Europeia) vêm tentando mascarar o roubo dos ativos soberanos russos "congelados", como se essa fosse uma transação legal.

A União Europeia irá transferir os ativos "congelados" – que totalizam cerca de 260 bilhões de dólares – para a condição de garantia para o empréstimo americano. Aí é que está, porque apenas a renda derivada dos ativos não seria suficiente como garantia para o empréstimo.

Fica ainda mais complicado. Esses fundos não irão ser transferidos de Washington a Kiev, mas permanecerão por perto para beneficiar a produção de mais armamentos pelo complexo industrial-militar .

Então, a União Europeia rouba os ativos com base em um frágil pretexto legalês (Janet Yellen já deu OK) e os transfere para os Estados Unidos. Washington ficará imune se tudo der errado – e vai dar.

Só um tolo acreditaria que os americanos concederiam empréstimo substancial ao país 404, que tem uma classificação da dívida soberana abissal. Os europeus ficam encarregados do trabalho sujo: cabe à União Europeia alterar o status dos ativos roubados/congelados, passando a classificá-los como garantia.

E esperem pela jogada supremamente malandra. O esquema todo tem a ver com a Euroclear, na Bélgica – onde está estacionada a maior parte dos fundos russos. No entanto, a decisão quanto a esse esquema de lavagem e dinheiro não foi tomada pela Bélgica, e nem mesmo pelo eurocratas.

Trata-se de uma decisão do G7 imposta pelo Hegêmona. A Bélgica sequer faz parte do G7. Mas, no final das contas, será a "credibilidade" da União Europeia como um todo que irá para esgoto frente à totalidade da Maioria Global.

E os surdos, mudos e cegos, como seria de se esperar, nem ao menos se dão conta disso.

Tradução de Patricia Zimbres

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