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    Por que a viagem de Lula à Argentina é fundamental?

    No governo Fernández, Lula é o “amigo essencial" que volta a valorizar a relação entre os dois países, e pode fazer acordos. Análise de Marcia Carmo, de Buenos Aires, para o 247

    Alberto Fernández (à esq.) e Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Reuters)
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    Por Marcia Carmo, de Buenos Aires, para o 247 - Na sua primeira viagem internacional, após assumir seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá desembarcar às 22 horas deste domingo em Buenos Aires. Lula retoma a tradicional diplomacia brasileira de ter a Argentina como primeiro destino fora do Brasil. A tradição tinha sido interrompida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que optou pela participação no Fórum Econômico Mundial de Davos e escolheu a Argentina como alvo, frequente, de suas críticas ao longo de seus quatro anos de mandato. Falar mal do país vizinho era interpretado como algo positivo no âmbito de setores bolsonaristas que interpretavam que “o país comunista” era um espelho a ser evitado. 

    Há poucos dias, chegou-se a especular, em Brasília, que Lula poderia suspender sua viagem diante da tensão após os atos de vandalismo contra os prédios dos Três Poderes, na capital federal, e diante da escalada da tensão com facções dos militares. Mas na Casa Rosada, a sede da Presidência argentina, a imensa expectativa com a viagem de Lula não permitiu sequer sombras de dúvidas sobre o desembarque do presidente brasileiro neste domingo (22) na capital argentina. No governo do presidente Alberto Fernández, Lula é visto como o “amigo essencial e de todas as horas” que volta a valorizar a relação política entre os dois países e, consequentemente, pode chegar a concretizar acordos econômicos que contribuam para tentar alavancar a sofrida economia argentina. 

    A inflação oficial de 94,8%, registrada em 2022, é um dos maiores desafios políticos e econômicos de Fernández. A desvalorização do peso, a moeda nacional, as múltiplas cotações do dólar e a escassez de reservas no Banco Central idem. De certa forma, todos estes desafios estão vinculados e, segundo especialistas de diferentes tendências, a credibilidade no governo é um dos pilares fundamentais para que esse quadro tão frágil possa ser revertido. 

    E, certamente, esse quadro é a maior pedra no meio do caminho na eleição presidencial argentina que será realizada neste ano. Estar mais vinculado ao Brasil, através da gestão de Lula, é visto nos bastidores do poder da Argentina como maior fortaleza para o país em si. A relação entre Lula e Fernández é de velhos amigos – Lula é grato pela visita do amigo quando estava preso em Curitiba e é, já se sabe, defensor da maior integração regional. 

    Nesta segunda-feira, os dois presidentes, acompanhados por vários ministros, têm previsto assinar uma série de acordos em uma cerimônia concorrida na Casa Rosada. Foram tantos os pedidos de diferentes setores para assistir ao encontro que a Presidência teve que restringir o acesso. “Em se tratando de Lula aqui todos querem estar perto”, disse uma fonte da Casa Rosada. 

    O propósito de Lula e de Fernández é buscar ampliar a relação atual tanto na área industrial – hoje fundamental para o comércio bilateral – como nas áreas financeira e energética. Buscar tirar do papel a construção do gasoduto chamado Néstor Kirchner, que iria do complexo energético de Vaca Muerta (que já vem ganhando o apelido de ‘Vaca Viva’) até a fronteira com o Brasil para gerar energia para os dois países é uma das bandeiras do governo Fernández na relação com o Brasil. No passado, a Argentina chegou a exportar energia. Atualmente, é um país que depende das importações. E elas também fazem parte do emaranhado da economia. 

    Do lado argentino, defendem ainda, com certa insistência, que seja realizado um acordo financeiro para os pagamentos do comércio bilateral, o que indiretamente poderia favorecer as reservas do Banco Central da República Argentina (BCRA) e a moeda nacional. Aqui chegou-se a falar, inclusive, no antigo projeto de moeda comum, uma ideia que surgiu pouco após o nascimento do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai). Dos quatro países, a Argentina é o país que continua tendo o maior desafio inflacionário. 

    Economistas argentinos e brasileiros observam que, até o momento, mesmo o acordo financeiro específico para as transações comerciais bilaterais seria difícil de levar adiante diante dos perfis diferentes das duas economias e pelo fato de este comércio ser cotado na moeda americana. 

    Seja como for, além do forte simbolismo da viagem de Lula na sua primeira viagem internacional e em meio a um panorama desafiador no Brasil, a interpretação, até entre opositores, é que a relação entre os dois países “é fundamental” na política, na defesa do diálogo, na defesa da democracia e para a economia dos dois países. Lula poderia receber grupos de direitos humanos que querem explicitar o apoio à democracia brasileira, após os ataques do dia oito de janeiro em Brasília. 

    Na sua primeira jornada na Argentina, nesta segunda-feira à tarde, a expectativa é que quatrocentas pessoas lotem o Museu do Bicentenário – que fica ao lado da Casa Rosada e, normalmente, é aberto ao público. Essas quatrocentas pessoas são empresários e executivos de empresas dos dois países que chegam para o encontro promovido pela União Industrial Argentina (UIA) e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Eles estão ávidos por escutar o discurso previsto do ministros da Fazenda, Fernando Haddad. A política industrial será um dos focos do encontro que de tão concorrido também teve que limitar os participantes, segundo fontes da Casa Rosada. 

    A expectativa é que após esse encontro, no Museu do Bicentenário, Lula se encontre com a ex-presidente Cristina Kirchner no Senado. Como vice-presidente do país, ela é a presidente da Casa. Cristina enfrenta uma série de processos na Justiça e afirma ser perseguida pelos juízes e pelos meios de comunicação locais. Entre opositores, interpretam que ao estar ao lado de Lula – amigo pelo qual não disfarça sua admiração -, ela também busca fortalecer seu perfil político. Cristina estava em férias na província de Santa Cruz, na região da Patagônia, no extremo sul do país, e antecipou sua vinda para tentar estar com Lula. A viagem de Lula tem vários matizes de importância para os dois países, para a retomada da presença do Brasil no mundo e para a integração regional. Na terça-feira, o presidente participará da reunião da VII Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), que foi criada no México em 2010. Serão comitivas de 33 países, com forte expectativa para a chegada ou não do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que pouco e nada sai do seu país, e Miguel Díaz-Canedo, de Cuba, que como o colega venezuelano quer um encontro com Lula. São apenas sinais que confirmam que Lula será o centro das atenções do retorno do Brasil à Celac, após a retirada no governo passado. Na quarta-feira, Lula se reunirá, em Montevidéu, com o presidente Luis Lacalle Pou. A diferença ideológica não impede o diálogo entre eles, como também é conhecido no perfil de Lula e que o chanceler Mauro Vieira, ex-embaixador do Brasil em Buenos Aires, tem feito questão de enfatizar, quase diariamente em suas declarações. Uma guinada e tanto em relação aos tempos recentes.

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