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    J. Carlos de Assis

    Economista, doutor em Engenharia de Produção pela UFRJ, professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba e autor de mais de 20 livros sobre economia política.

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    100 bilhões de Xi Jinping queimando nas mãos de Bolsonaro e Guedes

    Para J. Carlos de Assis, os 100 bilhões de dólares para investimentos em infraestrutura deixados pelo líder chinês Xi Jinping, nas mãos da dupla Jair Bolsonaro e Paulo Guede, é uma "bela batata quente". "O mundo era bem simples antes dos neoliberais", analisa

    Jair Bolsonaro e Xi Jinping (Foto: Isac Nóbrega/PR)

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    Xi Ping deixou uma bela batata quente na mão de Bolsonaro. Ofereceu-lhe 100 bilhões de dólares para investimentos em infraestrutura no Brasil. O que se pode fazer com 100 bilhões de dólares? Claro que tanto dinheiro não pode ser confiado à guarda de Paulo Guedes, tendo em vista o precedente de suas relações suspeitas com fundos de pensão. É dinheiro para financiar projetos, não especulação financeira ao gosto da corrente principal dos economistas neoliberais aboletados em cargos no governo, especializados em destruir estatais.

    Mas há um problema com financiamento de projetos. Quem é o tomador? Obviamente, por mais que os chineses sejam generosos, inclusive cobrando baixíssimas taxas de juros, o dinheiro não vai sair totalmente de graça. Alguém vai tomar o empréstimo e vai ter que pagá-lo ao fim de um prazo razoável. Pode ser uma empresa  privada (suponho que não uma empresa norte-americana), mas com garantia do Estado. Ao contrário do Brasil, onde Guedes e Bolsonaro querem acabar com o Estado, aval privado não vale. 

    Na época do presidente Geisel, anos 70, a saída teria sido simples. Com 100 bilhões de dólares nas mãos do governo, teríamos feito três ou quatro hidrelétricas estatais, um terceiro Plano Siderúrgico, várias empresas petroquímicas no modelo tripartite, várias rodovias, modernização de portos e aeroportos, várias refinarias de petróleo, duas ou três usinas nucleares, várias Cenibras. Quase nos tornamos uma economia desenvolvida, na base, em grande parte, de financiamentos externos a estatais garantidos pelo governo. 

    Mas nem tudo foi perfeito, embora o aspecto de imperfeição não é o que pensa o general Mourão, aluno de Guedes, e como ele ignorante em economia política. Ele desconhece a contribuição de Geisel à economia brasileira. O problema com os empréstimos externos na época de Geisel chamou-se Banco Central. Quando se toma empréstimo em dólar, parte é gasta em dólar, com importações, e parte em real (esqueçamos moedas anteriores). Para cada 1 dólar que entra o Banco Central emite 4 reais para gastos internos.  

    O problema surge quando entra em jogo a concepção monetarista do Banco Central, contrária ao desenvolvimento. Quando se faz a conversão de 1 dólar por 4 reais, há expansão de moeda na economia e uma pressão para redução da taxa de juros interna. Isso é intolerável para o Banco Central e seus patrões, os banqueiros. Então o Banco Central “enxuga” o mercado, isto é, recolhe os 4 reais em dinheiro vendendo títulos públicos de sua carteira. Com isso, impede a expansão da economia induzida pelo aumento da moeda em circulação. 

    É claro que Geisel não tinha culpa por isso. O culpado era o monetarista Mário Henrique Simonsen, antepassado do neoliberalismo tupiniquim de Guedes. Uma parte do problema dos 100 bilhões de dólares de Xi Ping será, portanto, um teste para o Banco Central. Outro, mais fundamental, diz respeito à estrutura da economia. Geisel não tinha o menor escrúpulo em expandir o Estado. Guedes quer destruir o Estado. Mas Xi Ping vai querer emprestar para empresas privadas brasileiras, e não para o Estado? Com quais garantias? 

    Aparentemente o dinheiro será destinado a investimentos em infraestrutura. De fato, depois de décadas sem investimentos significativos, nossa infraestrutura logística está aos frangalhos. Digamos que os chineses queiram financiar a rota pelo Pacífico. Seria excelente, e há anos se fala nisso no país. Se o Governo assumir o projeto será estatização. Se quiser fazer uma PPP, a parte privada interna terá que ter um financiamento independente, talvez do BNDES. Isso, contudo, não seria uma forma de estatização? 

    O mundo era bem simples antes dos neoliberais. Os 100 bilhões de dólares poderiam se transformar em grandes investimentos estatais, em parceria com os chineses, dobrando a infraestrutura logística e econômica do país. Depois, quando tivesse tudo pronto, com todos os ativos em pleno funcionamento, a gente chamaria o neoliberal de plantão, se é que existirá, e os entregaria ao primeiro vigarista do sistema financeiro de tocaia do mercado como aconteceu com a Vale do Rio Doce e está acontecendo com o retalhamento da Petrobrás.

    O mais provável, contudo, é que, afogados em ideologia neoliberal, Guedes e Bolsonaro não saberão fazer nada com esse dinheiro, que acabará escoando pelo ralo.
     

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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