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    Lejeune Mirhan

    Sociólogo, Professor (aposentado), Escritor e Analista Internacional. Foi professor de Sociologia e Métodos e Técnicas de Pesquisa da UNIMEP e presidente da Federação Nacional dos Sociólogos – Brasil

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    A ascensão da China e as novas rotas da seda

    Olhando mapas e gráficos vamos entender o porquê da China ser considerada inimiga dos Estados Unidos. Mas não é ela quem quer ser inimiga. Os Estados Unidos é quem a elegeram como sua inimiga

    Mao Tsé Tung, Deng Xiaoping e Xi Jinping (Foto: Xinhua)

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    Por Lejeune Mirhan

    Nos últimos 40 anos a China é um fenômeno que ainda temos que avaliar em maior profundidade. Tudo começou com a Proclamação da República Popular em 1º de outubro de 1949, que não será objeto deste trabalho. Porém, ganhou novas dimensões a partir de 1978, quando – após a morte de Mao em 1976 – ascende ao poder Deng Xiaoping. E, deste momento até o atual, tiveram novas e importantes configurações. Desde 1978, mais de 800 milhões de chineses foram retirados da pobreza, frisando que esta cifra representa mais de 70% da quantia global do período. 

    O objetivo do governo chinês é a construção de uma sociedade cada vez mais inclusiva, que incorpora avanços civilizatórios e resgata o melhor das tradições milenares do povo chinês; a criação de uma base econômica poderosa, moderna, integrada com o mundo exterior, porém dele independente; uma concepção e montagem de defesa inexpugnável, ágil e versátil, com alta capacidade de dissuasão. 

    A era Deng

    Se podemos dizer que Mao foi o construtor inicial da República Popular da China, entre 1949 e 1976 quando morreu, Deng pode-se dizer o construtor da Nova China, moderna e do século XXI. Vejamos quem foram os cinco grandes e mais importantes líderes chineses desde o início até os dias atuais: Mao Tsé Tung, Hua Guofeng, Jiang Zemin (ainda vivo), Hu Jintao e o atual Xi Jinping (cujo mandato presidencial deve ir até 2023 e será, seguramente, reeleito).

    A China é uma potência em ascensão e vai passar os Estados Unidos em Produto Interno Bruto/PIB. Por paridade de compra já passou. Nós temos que voltar nossos olhos para a China. Ademais, ela constroi um socialismo com peculiaridades chinesas, como eles dizem. É um país dirigido por um partido comunista que hoje se aproxima de 100 milhões de membros. É o maior partido comunista do mundo que dia 1º de julho completará 100 anos.

    Hoje, todos nós temos que ser um pouco de sinólogo e acompanhar a conjuntura chinesa. Em relação a Mao Tse-tung ou Mao Zedong (1), como se fala no Ocidente, quero registrar que parte de minha juventude foi formada com muita leitura, além de Marx, Engels, Lênin e Stálin, também de Mao. Tenho todas as suas obras disponíveis em português, os livrinhos vermelhos, todos anotados. 

    Mao, entre erros e acertos, construiu esta China Popular que pôde no período de 1976 a 1978, de transição, passar para o Deng Xiaoping (2), que é bem mais novo que Mao. Ele foi um estrategista militar. Então, ele além de ser um teórico, um estudioso do marxismo-leninismo, ele tinha uma especialidade, que é a estratégia militar. 

    Ele construiu, dirigiu e comandou o Exército Popular de Libertação – o EPL, que não se chamava exército vermelho, como na Rússia. Mao é o grande responsável pela vitória, depois de uma guerra civil que ele chamava de Guerra Popular Prolongada (Prolonged Popular War na sigla em inglês) (3). É uma teoria que vigorou com muito fundamento na China e lá foi desenvolvida. De lá para cá, outros países adotaram essa tática integral ou parcialmente.

    Qual é a essência da teoria de Mao em relação ao processo revolucionário? A China era um país agrário, o proletariado chinês era muito menor do que foi o proletariado russo na Revolução de 1917, proporcionalmente. Mas, tanto um quanto o outro, tiveram participação significativa na direção do processo revolucionário. 

    Mas, evidentemente, a grande massa que fez a revolução na China foi a massa dos camponeses. A teoria de Mao menciona um papel muito mais destacado aos camponeses e aí é um ponto que temos diferenças. Ele diz que haveria nessa Guerra Popular Prolongada, um cerco das cidades pelo campo. 

    E aí tem uma contradição. Evidentemente, não tem esse cerco. O que temos é uma luta conjunta de camponeses e operários. De qualquer forma, essa é a teoria deles. Sobre as contradições, no campo filosófico, Mao Tse-tung escreveu um livro específico sobre isso: “Contradições” (4), que eu também estudei muito na juventude. É que você tem que perceber as contradições que existem em uma luta de classes, elencar e prestar atenção em qual é a contradição prioritária, principal. Perceber as contradições secundárias, deixá-las momentaneamente de lado e atacar a contradição principal. 

    Isso diz respeito também a, por exemplo, uma política de alianças, que é sobre a Frente Ampla. Mao chegou em Pequim dia 1º de outubro de 1949 e consolidou o processo da sua revolução popular em uma aliança com 14 outros partidos, além do seu Partido Comunista. Então, ele não fez a revolução sozinho e não construiu a China, a partir de 1949, também sozinho. Ele fez alianças. 

    A bandeira chinesa tem cinco estrelas, uma maior e quatro menores. A maior simboliza o Partido, que é o dirigente da revolução, o que comanda hoje o Estado chinês. As outras quatro são as classes sociais que participaram do processo da revolução: o campesinato, o proletariado, a burguesia urbana e a burguesia rural.

    Mao Tsé-tung soube envolver no processo revolucionário esses setores médios da sociedade. Então, isso foi positivo. No entanto, a partir de 1949, especialmente, na década de 1960 a China foi varrida, abatida por uma fome, por uma tragédia, por dificuldades muito grandes. Era um país muito pobre, tentou-se socializar toda a riqueza com uma velocidade, talvez, maior do que fosse possível. Praticamente não havia o desenvolvimento capitalista na China. Praticamente, depois de 1949, tudo foi estatizado. O que foi diferente de quando Deng entrou.

    Mas, apesar disso, houve também o problema da chamada “Revolução Cultural”, com muitas contradições, muitas perseguições desnecessárias. Por exemplo, especialmente, a intelectuais que eram até humilhados nas cidades, colocava-se aquele chapéu de burro na cabeça deles. Então, isso não foi positivo. No entanto, o que Deng vai fazer, a partir daí?

    Mao morre em 1976. O Deng já tinha um papel importante nessa época. Ele era vice-primeiro-ministro. Só que houve uma luta interna do poder entre 1976 e 1978. Deng chegou a ficar em prisão domiciliar, mas depois se recupera e se projeta novamente. Ele sai vitorioso desta luta política. Com ajuda de outro grande líder chinês, Zhou Enlai (5), é um grande estudioso teórico, líder revolucionário. 

    Com relação às alianças que também Mao trata disso, é preciso ver, por exemplo, qual é a classe social que você tem que eleger como sua inimiga principal. Tem que ver quais são as classes sociais que você pode neutralizar e, com quais classes, setores e segmentos da sociedade é possível fazer uma aliança para derrotar o inimigo principal. Isso é basicamente Lênin, a quem Mao era um grande estudioso.

    O que Deng fez quando ele assume o poder real na China, foi algo diferente do que Nikita Khrushchov, por exemplo, fez na Rússia, em 1956. Stálin havia morrido em 1953 e em 1956, ocorreu o famoso XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética – PCUS, e acontece o que se chamou de uma “desestalinização” da URSS. Então, jogou-se no lixo da história um líder que foi o construtor da União Soviética, o grande comandante do Exército Vermelho, que venceu a Segunda Guerra Mundial. 

    O correto, do ponto de vista marxista, seria fazer a crítica dialética, analisar corretamente quais foram os erros. Mas também, quais foram os acertos. E como disse Charles Bettelheim (6), que é um grande especialista em China e Rússia, que menciona que nós temos que pesar naquelas antigas balanças de pratos, os erros e os acertos, que tanto Stálin quanto Mao cometeram. E aí, não há dúvida, de que a o prato da balança pende para o lado dos acertos.

    Então, você não pode superdimensionar o erro, de tal maneira que você anule os acertos e passe a combater ou “desmaoizar” a China. Isso a China não fez, mesmo reconhecendo os erros de Mao, a imagem dele está presente em todo lugar, não se acha ninguém que fale contra Mao. Então, é assim que os comunistas marxistas devem proceder. Infelizmente, na Rússia, isso não aconteceu.

    O significado da era Deng

    Deng será quem irá propor ao Partido e ao Congresso do Povo, as chamadas quatro grandes modernizações, que passarão a ser os pilares do desenvolvimento da Nova China. São elas: modernização na agricultura; modernização da indústria; modernização do comércio e a modernização nas áreas de ciência e tecnologia, bem como no setor militar.

    Deng irá promover uma significativa abertura política e diplomática da China. Sob o governo de Jimmy Carter, que tomou posse em janeiro de 1977, as relações bilaterais começaram a se estabelecer. Foi ele o segundo presidente dos EUA a visitar a República Popular da China (Nixon foi o primeiro em 1971, mas não reatou relações diplomáticas, apenas abrindo caminho). Foi Carter quem normalizou as relações diplomáticas, que estavam rompidas desde 1949. 

    Essa abertura econômica proposta por Deng, implicará na criação de áreas chamadas de Zonas Econômicas Especiais onde empresas de quaisquer naturezas podem se instalar na China, montando a sua plataforma, mas a condição para que isso ocorra é uma associação com alguma empresa chinesa e que sigam estritamente as normas e regras adotadas pelo governo. Em alguns países isso é chamado de “Zonas de Processamento de Exportações”. 

    Diferente de Gorbatchov que foi o coveiro do socialismo na URSS, que implantou as suas famigeradas perestroika e glasnost, na China de Deng foram estudadas experiências de implantação de novos métodos administrativos e econômicos nas pequenas vilas, aldeias e províncias. Chu Enlai deu grande contribuição à teoria das quatro modernizações, que foi então criada e formulada de baixo para cima.

    A China pós Deng e o período de Xi Jinping

    Eu apresentarei alguns trechos que irão ilustrar esta nova política adotada pela República Popular da China, que eles chamam, na sigla inglesa Belt and Road (Cinturão e Rota). Como diz Lênin: “não existe prática revolucionária sem teoria revolucionária”. Os chineses são estudiosos. Todos os planos quinquenais ou decenais são baseados em muito estudo e muita teoria.
    Todos os trechos que menciono a seguir foram extraídos do livro A governança da China, editora Contraponto (Foreing Languages Press), de 2019, Volume 2, com 696 páginas. Trata-se de livro com coletânea dos mais importantes pronunciamentos do atual presidente da China, Xi Jinping.

    O primeiro dirigente que assume o comando da China é Hua Guofeng (7). Ele fica um período longo, concomitante a Deng que também assume em 1976. Deng talvez fosse o membro do Comitê Central do Partido mais influente e forte após a morte de Mao em 1976. Ele é considerado um dos grandes líderes que são construtores desta nova China, da economia socialista de mercado ou economia de mercado socialista.

    Um dos cargos mais importante que existe na China, além de presidente, primeiro-ministro e secretário-geral do Partido, que hoje Xi Jinping acumula os três, é o da presidência da poderosa Comissão Militar do Comitê Central do Partido Comunista da China (que Deng ocupou entre 7 de outubro de 1976 até 28 de junho de 1981). Não há dúvida, como dizia Mao, o poder está na ponta do fuzil e, quem tem o fuzil é o presidente da Comissão Militar.

    A China passou a investir em pesquisa em Ciência & Tecnologia, desenvolvimento de novas técnicas agrícolas, modernizações etc. Em um momento histórico, mais ou menos, até relativamente grande, a China era conhecida como “copiadora”. Ela copiava tudo o que tinha no exterior. 

    Hoje a China lidera, é um país de ponta em pesquisas, tanto que os Estados Unidos já ficaram para trás. Um exemplo disso é a própria a tecnologia 5G. Eles já pesquisam o 6G, com a velocidade altíssima. Na tecnologia espacial, a China hoje já avança para ter a sua estação espacial – cujo primeiro módulo já foi lançado –, já foi para a lua e irá à Marte. A China hoje não é mais aquela que em algum momento copiava produtos estrangeiros. Ela mandou estudantes pesquisar e estudar no mundo inteiro. Fizeram seus doutorados com bolsa de estudos do governo chinês. E voltaram para lá e entraram em equipes que desenvolveram os projetos mais importantes. 

    A China tem a Internet mais veloz do mundo. Por causa da tecnologia 5G deles. Mas, a internet lá é regulada, que é diferente de controlada. É regulada pelo Estado. Então, tem alguns portais do Ocidente que não existem na China. Ela tem portais semelhantes. É evidente que quando a burguesia do Ocidente fala em liberdade de expressão e manifestação, na verdade ela quer mesmo a liberdade para defender a exploração entre seres humanos. A liberdade que eles querem é para defender o capitalismo. Mas isso não acontecerá na China. 

    Mesmo sendo o Partido Comunista legalizado no Brasil, ele não tem acesso aos meios de comunicação que a burguesia tem. Na China é o contrário. Lá os comunistas têm acesso aos meios de comunicação, existem outras organizações, a imprensa funciona. O que é proibido na China? É proibido voltar a pregar o Capitalismo. É isso eles não escondem. Essa é a única proibição na China, não tem outra. Como aqui, é praticamente proibido você pregar o socialismo, o comunismo. Há limites da tal democracia burguesa.

    Então, nós temos que entender e não olhar com os nossos olhos e usar a nossa métrica para avaliar outras sociedades. Aliás, cada vez fica mais claro, especialmente, para os russos e chineses, quando eles se encontram e afirmam que não existe um modelo único de democracia. Nós temos que acabar com essa mentalidade que os Estados Unidos falam que vão levar a democracia para o mundo. E quem disse que o modelo deles é democrático?

    Quando se fala de organização sindical, para termos uma ideia, nas fábricas privadas chinesas, quem manda mais é o comitê do Partido e não o dono da empresa. Ele tem seu lucro, ele também ganha. Mas, o poder não está com ele. Ele segue as normas fixadas pelo Estado chinês, que tem a orientação socialista. 

    Quando alguém visita na China uma grande empresa, uma grande indústria, com milhares de empregados, quem vem recepcionar as pessoas é o chefe do Partido, e não o dono da fábrica. O empresário também enriquece, mas os trabalhadores também ganham. Distribui-se a riqueza produzida de uma forma muito maior do que no Brasil, que não distribui a riqueza produzida no setor privado.

    Para que tenhamos uma clara ideia do significado da China nos últimos 70 anos, com dados fornecidos pelo FMI, vejam a participação do PIB dos vários blocos com relação ao PIB total da Terra. Vejam que o bloco capitalista, liderado pelos EUA, declina imensamente, caindo no período mais de 40%. Ao passo que o bloco dos BRIC (sem o “s”), vai crescer a sua fatia total em mais de 60%. 

    PIB da Terra

    Região da Terra

    1950

    1992

    2019

    Variação

    EUA/UE/Japão

    57,7%

    49,2%

    32,9%

    -42,98%

    BRIC

    20,0%

    13,6% (1)

    32,8%

    +64,0%

    Resto do mundo

    22,3%

    37,2%

    34,3%

    +53,81%

    1. Esse decréscimo ocorreu em função da separação da URSS em 15 países.

    Fonte: FMI

    PIB da Terra

    Região

    1950

    1992

    2019

    Variação

    EUA

    28,3%

    %18,9

    15,1%

    -46,64%

    Fonte: FMI

    Essas duas tabelas ilustram perfeitamente a imensa decadência não só do bloco capitalista mundial, mas particularmente dos Estados Unidos. Vejam que em 1950 eles detinham praticamente um terço de toda a economia mundial, do PIB da Terra como chamamos. E chegam em 2019, quase 70 anos depois, registrando um encolhimento de quase 50% dessa fatia, ou seja, detendo apenas 15% da riqueza total da Terra, ou próximo da sétima parte. Essa decadência é exatamente o que explica a agressividade dos EUA contra a China, em particular. 

    O mundo só não é tão ou mais injusto do que nós possamos imaginar, porque a China conseguiu tirar da pobreza 800 milhões de pessoas. Então, o mundo, a ONU e as suas estatísticas, só podem dizer que a pobreza está diminuindo, não pelo esforço de todo o conjunto da terra, mas pelo esforço da República Popular da China. Hoje eles já não têm mais a chamada pobreza extrema. Isso está eliminado na China. A Dilma tinha esse objetivo no seu governo, mas não conseguiu, pois foi derrubada quando estava próxima de conseguir. A fome e a pobreza extrema estão aumentando no Brasil. 

    O objetivo da China é construir uma sociedade que atenda às necessidades básicas de toda a sua população. Isso só vai ser atendido no limite, quando houver o socialismo verdadeiro ou o comunismo. Por enquanto, eles têm um objetivo, que é de uma sociedade modestamente próspera. Este é o termo que eles usam. Mas, sabemos que isso só ocorrerá em muitos anos, talvez, quando a revolução completar cem anos, em 2049. 

    É preciso dizer que este plano que o Deng desenvolveu, é completamente diferente do que foi na União Soviética. O Gorbatchov fez a Perestroika e a Glasnost da cabeça dele e de alguns burocratas, seus assessores, e tentou implantar na Rússia inteirinha, mas não deu certo. Foi uma política que veio de cima para baixo.

    O plano de Deng é o plano que veio de baixo para cima. Ele conheceu, visitou e teve contato com centenas de experiências de províncias e pequenas vilas. Como era o processo, sempre com a participação do Partido. Então, nós podemos dizer que esse plano das quatro modernizações é um plano de uma construção teórica, também coletiva.

    Chegamos na chamada economia socialista de mercado. Alguém pode contestar e dizer: ou é Capitalismo ou é Socialismo. No Socialismo não pode ter mercado? No feudalismo não tinha mercado? No regime escravista não tinha mercado? Eles não faziam comércio no centro da cidade? Tudo tinha mercado. 

    Quando a comuna primitiva começou a surgir e se desenvolver por milhares de anos, o comerciante foi o primeiro que prestou atenção entre o produtor e aquele que precisa comprar, ele articulava este processo e fazia a venda. Assim o Socialismo terá uma Economia Socialista de Mercado com características um pouco diferentes para nós. 

    A parte mais importante do livro que mencionei acima, é a que Xi desenvolve aspectos, teoriza, orienta, como líder do Partido, o que eles chamam de: One Belt, One Road (Um Cinturão, Uma Rota). Parece um termo meio estranho, mas vou apresentar a seguir os mapas que ilustram bem as novas as “Novas Rotas da Seda”. Ele usa esse termo, que não é inventado por analistas ocidentais. Veremos o que eles chamam de conectividade, ou seja, projetos de grandes investimentos em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Veremos em especial o traçado dessas rotas.

    O significado das novas rotas da seda

    Esse cinturão econômico e rota, são os projetos chineses para o Século 21. O objetivo fundamental disso, a palavra mágica, que Xi pronuncia dezenas de vezes, em seus pronunciamentos, é “interconectividade”. Eles precisam ligar a China com o resto do mundo. Como isso não vai acontecer espontaneamente, eles têm que fazer investimentos em infraestrutura. Então, neste primeiro pronunciamento, o mais importante, ele vai levantar cinco questões (9). 

    1. O foco principal tem que ser os países asiáticos que serão os primeiros a serem beneficiados e os primeiros a entrarem na interconectividade. Vamos cuidar primeiro dos nossos vizinhos;

    2. Para que isso aconteça é necessário criar toda uma infraestrutura básica e desenvolvimento destes corredores econômicos, para ligar à interconectividade. Aqui ele dá a senha de que é preciso fazer o investimento e a China faz;

    3. Obter resultados rápidos, a partir do sistema de transportes. Ele centra fogo no transporte rodoviário e ferroviário. Não quer dizer que o marítimo também não seja importante. Ele lista os projetos ferroviários e rodoviários com: Paquistão, Bangladesh, Myanmar, Laos, Camboja, Mongólia e Tajiquistão, os mais próximos;

    4. Há um gargalo de dificuldade da interconectividade que é a questão do financiamento. Quem financia tudo isso? Então, ele levanta que a maioria dos países que serão beneficiados por esses projetos de infraestrutura para a interconectividade, são países em desenvolvimento que não têm recursos para fazer os investimentos de grande porte. Então, ele fala de um fundo de bilhões de dólares, ele menciona números do chamado Fundos da Rota da Seda, que é o dinheiro que está sendo investido no mundo;

    5. A última questão que resume a essência do que é o cinturão e rota da seda, é a parte mais bonita, que é o lado humano e social. Devemos consolidar uma base social da interconectividade, a partir dos aspectos do intercâmbio cultural e de pessoas. Então, a troca de informações, respeitando as culturas e diversidades e a interação entre as pessoas. 

    Em algum momento ele cita aquilo que nós já falamos várias vezes, todos os acordos que a China estabelece é: ganha-ganha. Isso está no pronunciamento que ele fez em 17 agosto de 2016: “respeitar a igualdade e buscar resultados ganha-ganha” (páginas 618 a 621 do livro citado, volume 2). Quando se ouvir por aí, algum analista falando ganha-ganha, saiba que isto é uma política oficial do Estado Chinês, hoje.

    E finalizo mostrando os gráficos. Eles têm um superávit de três trilhões de dólares. Em torno de um trilhão está investido em títulos do tesouro dos Estados Unidos, que rendem um pouquinho por ano, mas são os considerados os títulos mais seguros. Os outros dois trilhões estão sendo investidos nessas rotas de interconectividade.

    Pela ordem, os três mapas que ilustram essas novas rotas da seda são os seguintes: 

    mapa-rota-seda-china

    Chamado de Um cinturão e uma estrada. A China e as novas Rotas da Seda. As rotas econômicas da seda, são as linhas vermelhas. Veja que a prioridade é ligar a China com a Índia, pelo mar do Sul da China, onde está também Singapura, passando por Teerã, capital do Irã, passa pelo porto de Gwadar, no mar arábico, para atingir o mundo árabe. Passa pela Turquia, passa por Moscou e vai até a Europa.

    A rota azul é uma rota marítima. Ela sai de um porto muito importante na China, que é o Suzhou, passa por Jacarta, que atravessa toda a região dos países da ASEAN (Associação dos Países da Ásia) e passa pelo estreito de Cingapura, vai para o Sul da Índia, Colombo e estaciona em países da África. Essa é a rota de entrada para esse continente, que nós vamos ver em outro gráfico.

    Em Mombaça e Djibouti, bem na portinha da entrada do Mar Vermelho, que é a uma porta de entrada pequenininha, e é chamado de Bab el Mandeb, em árabe, Porta do Mar Vermelho. Toda essa região que banha o Iêmen, Omã, Arábia Saudita. Essa região chama o Mar da Arábia. E aí o Mar Vermelho vai chegar ao Canal de Suez e Djibuti, que é naquela região do lado da Etiópia, é o chamado Chifre da África.

    Djibuti é o único país onde a China tem uma pequena base militar, que é um local de apoio e abastecimento para as suas frotas navais, que só ficam no Pacífico, diferente das frotas dos Estados Unidos, que são sete, que se espalham pelo mundo. Atravessa o Canal de Suez, onde se chega ao Mar Mediterrâneo. Aí vai para os Pirineus e Venice, na Itália. Veja que é um cinturão e é uma rota. Os que estão marcados com bolinhas alaranjada, são membros da Ásia Infraestrutura Investimentos Bank. Eles têm um banco de investimento da Ásia, onde a China aporta o maior capital.

    mapa-rota-seda

    Aqui são os projetos submetidos às autoridades chinesas e à organização que executa os projetos. Prestem atenção as faixas maiores de cores, têm faixas maiores, vermelhas e faixas maiores, azuis. Da mesma forma, as faixas maiores vermelhas são as de rota terrestre e, as faixas azuis, são as marítimas. No entanto, tem aí uma série de oleodutos planejados, rodovias, gasodutos. 

    Prestem atenção na África, como a rota adentra na África e chega até o Atlântico. Observem como ela atravessa todo o continente africano, vai até o lado da Costa no Atlântico. Então, é para a expansão desses produtos chineses. Este mapa diz respeito a isso.

    mapa-rota-seda

    Velhos nomes, novas rotas. O transporte e a infraestrutura nas várias formas das iniciativas da rota da seda. O que está em vermelho é o cinturão da rota da seda econômico. Estamos falando aqui de rodovias e ferrovias. A prioridade deles é a própria China e os países vizinhos. E ele termina no porto de Roterdã, na Holanda, que é o maior porto do mundo. 

    Essa é a interconectividade para que os produtos chineses cheguem ao maior número de países. Nenhum país do mundo tem isso. Os Estados exportam para o mundo inteiro, é verdade. Mas, eles não se preocupam em criar condições de infraestrutura para o produto deles chegar lá. A China está criando. 

    O azul pontilhado são as rotas da Seda Marítimas. Os dois portos principais Suzhou e Hanoi que, na verdade, é Vietnã. Jacarta, Colombo, Índia, Nairóbi, Djibuti, Mar Vermelho e Grécia. E aí, se atinge toda a Europa. Vejam onde termina o pontilhado Azul. Na Espanha. 

    Passa por vários países. A rota que vai para a Espanha é a ferrovia transiberiana, famosa que é a número um no mapa. Ela passa na China, em Mongólia, vai até Moscou, dali para o Irã, Turquia, essa região toda e termina na Espanha, perto do Estreito de Gibraltar. Esta deve ser a maior ferrovia do mundo. 

    E tem uma segunda que eles atendem na região de Cingapura. E, uma terceira, que é propriamente chinesa. Ela é interna e se interconecta com todas as rotas, para fazer fluir internamente os próprios produtos chineses. Estes são os três mapas mais explicativos que localizei para este nosso pequeno ensaio para que se tenha uma noção clara do significado e da dimensão dessas chamadas novas rotas da seda.

    Conclusões 

    Olhando esses mapas e gráficos vamos entender o porquê da China ser considerada inimiga dos Estados Unidos. Mas não é ela quem quer ser inimiga. Os Estados Unidos é quem a elegeram como sua inimiga. A China quer um mundo de paz, harmonia, desenvolvimento, prosperidade. Ela está fazendo a parte dela, ajudando outros países mais pobres, em desenvolvimento, com financiamento e infraestrutura. Os ingleses não construíram ferrovias no Brasil? Construíram, claro que não foi de graça, eles tinham interesse nesse desenvolvimento para escoar seus próprios produtos no país, que ficou endividado várias vezes. A China não, ela tem outro modelo de desenvolvimento.

    Ela financia a infraestrutura para beneficiar o país, com quem ela mantém contratos comerciais, os dois lados ganham. São contratos ganha-ganha. O mundo geopolítico do século 21, a partir da segunda década, até 2030, nós vamos presenciar este desenvolvimento maciço da China, na busca da igualdade e de uma sociedade que eles dizem “modestamente próspera”, ou seja, melhorar a situação do seu povo e exportar desenvolvimento, exportar seus produtos e exportar riquezas. É este o modelo que a China defende.

    Se a China já ultrapassou os EUA no chamado PIB por Paridade de Poder de Compra, em breve ultrapassará também pelo PIB Per Capita. Mas não só isso. Até 2030, terá comissionado mais quatro porta-aviões, totalizando sete em operações. Nada que se compare ainda aos 10 nucleares dos EUA, mas chegando perto em termos de superioridade militar.

    A China não quer dominar o mundo. Não quer e nunca quis ser hegemônica. E isso a diferencia de todos os países que um dia chefiaram ou foram sedes de impérios mundiais. A China quer um mundo de igualdade, justiça, de harmonia e de desenvolvimento. Onde todos os países e povos possam viver sem conflitos e que possam livremente, ofertarem os seus produtos e as suas mercadorias, sem que isso significa um tensionamento, como hoje ocorre. Temos a plena convicção que isso nós veremos em breve. O sonhado mundo multipolar.  

     

    Notas:

    1. Mao Tse-tung ou Mao Zedong foi o 1º Presidente da República Popular da China e governou no período de 27 de setembro de 1954 a 27 de abril de 1959. Seu vice era Zhu De. Ele foi sucedido por Liu Shaogi.

    2. Deng Xiaoping foi Chefe da Comissão Militar do Comitê Central do Partido Comunista no período de 8 de março de 1978 a 19 de março de 1990. Seu vice foram Bo Yibo; Xu Shiyou; Tan Zhenlin; Li Weihan. Nasceu em 22 de agosto de 1904 e faleceu em 19 de fevereiro de 1997 aos 92 anos em Pequim. 

    3. Veja em https://bit.ly/3diZGJA a definição de Guerra Popular Prolongada (GPP) – geralmente usadas em países semicoloniais e semifeudais, ocorre quando as forças revolucionárias são mais frágeis que as regulares. É como se fosse uma guerra de guerrilhas que vão se acumulando com o apoio popular, fortalecendo crescendo e estendendo as zonas de controle. No início a guerra popular, se desenvolveu com um período relativamente longo de defensiva estratégica

    4. Sobre a Contradição, livro de Mao Tsé-tung publicado em 1937.

    5. Zhou Enlai – nasceu em 5 de março de 1898 e faleceu em 8 de janeiro de 1976, pouco antes de Mao.

    Foi o primeiro primeiro-ministro da China, atuando como chefe de governo entre outubro de 1949 e janeiro de 1976, quando veio a falecer. É considerado um grande líder do Partido Comunista Chinês, sendo uma das figuras mais próximas do Presidente Mao Zedong e personagem principal para a ascensão e consolidação do Partido Comunista.

    6. Charles Bettelheim foi um economista e historiador francês, fundador do CEMI na Sorbonne. Nasceu em 20 de novembro de 1913 em Paris, França e faleceu em 20 de julho de 2006, Paris, França. Escreveu sobre a Revolução Cultural chinesa (https://bit.ly/3gbA17E).

    7. Hua Guofeng foi primeiro-ministro da China. Foi sucessor de Mao Zedong na liderança da China e do Partido Comunista Chinês, tendo sido considerado um líder mais conservador, pondo fim à Revolução Cultural. Nasceu em 16 de fevereiro de 1921, em Jiaocheng County, Lüliang vindo a falecer em 20 de agosto de 2008, Pequim, China.

    8. A Constituição foi alterada em 11 de março de 2018, com 2.958 votos a favor, dois contra e três abstenções. A emenda também inclui as frases “Partido Comunista da China” e sua “liderança” no corpo principal da Constituição. Antes disso o Partido e sua liderança eram mencionados apenas no preâmbulo.9. A governança da China, de Xi Jinping, volume 2, Editora Contraponto, Foreing Languages Press, Pequim, 696 páginas. Este artigo mencionado encontra-se entre as páginas 618 e 621. Os seis artigos mencionados estão entre as páginas 618 e 636.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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