A banalização da crise institucional
"Se nem o Congresso e nem o STF tiveram coragem de afastar Bolsonaro, o TSE terá força para excluí-lo da eleição?", questiona a jornalista
Por Helena Chagas, do Jornalistas pela Democracia
Vamos ser realistas. São pra lá de remotas as chances de alguma das novas investigações abertas contra Jair Bolsonaro no âmbito do TSE e do STF resultarem em seu afastamento do cargo ou mesmo em sua inelegibilidade nas eleições do ano que vem.
Do lado judicial, há sempre a lentidão das coisas nas cortes superiores, sobretudo quando o alvo é o chefe do Executivo. Ainda que com provas e motivações justas – a defesa das eleições e da democracia, por exemplo – , os tribunais não podem passar por cima de prazos e recursos.
Sem falar nas pressões que são comuns nessas horas. Só a título de exemplo: está completando um ano no STF a dúvida em torno do depoimento de Bolsonaro no inquérito que apura interferência na Polícia Federal. Se presencial ou por escrito, o plenário ainda não decidiu. E o caso ficou parado até sexta passada, quando Alexandre de Moraes decidiu botá-lo para andar.
Caberá ao mesmo Alexandre de Moraes comandar as investigações sobre Bolsonaro no inquérito das fake news, no qual o presidente foi incluído ontem sob suspeita de ter cometido 11 crimes. Isso mesmo: 11. Em alguns casos, não há nem necessidade de mais provas, já expostas em declarações públicas e lives.
Mas tudo isso, para virar denúncia contra Bolsonaro, que terá que ser aceita pelo plenário do STF e autorizada pela Câmara, vai ter que passar pelas mão do PGR Augusto Aras. Alguém acredita que ele vai formular uma denúncia?
No caso da decretação da inelegibilidade, as coisas podem ser mais fáceis do ponto de vista jurídico, pois vão se passar no TSE, que tem a função de fiscalizar quem pode ou não ser candidato, à luz da legislação. E Bolsonaro já abusou o suficiente do cargo para não poder. Mas se trata de uma decisão de forte peso político, e nos meios jurídicos há quem duvide que a Corte eleitoral a tomará.
Se nem o Congresso e nem o STF tiveram coragem de afastar Bolsonaro, o TSE terá força para excluí-lo da eleição?
Difícil imaginar tal cenário sem multidões de milhões nas ruas contra o atual presidente, e sem um desgaste maior de seu governo nas pesquisas. Há momentos em que só o peso da vontade popular quase unânime pode legitimar decisões extremas dos poderes. Tudo indica que esse momento não chegou e não se sabe se chegará – apesar do constante crescimento da desaprovação de Bolsonaro.
É assim que bons entendedores de Brasília e seus poderes pintam hoje o cenário. Ainda que aos trancos e barrancos institucionais, Bolsonaro vai ficando.
Ameaça a democracia, recebe um aviso aos navegantes do Judiciário sob a forma de mais um inquérito, responde com mais desafios mas, na prática, não faz nada – até porque, em sua fragilidade, não pode ir além da linha desenhada no chão pelo Centrão, que quer eleição. Também não tem apoio militar para um golpe clássico. E a vida segue até outubro de 2022, numa estranha banalização da crise institucional, que parece estar ficando crônica.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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