A construção de um estado de exceção permanente no Brasil, em 64 e em 2016
A agenda apresentada por Michel Temer e seus "consorciados" é extremamente antagônica aos anseios expressos pelo povo brasileiro nas últimas eleições, é uma agenda perversa que caça direitos e galga retrocessos seculares, não existe a menor possibilidade da implementação desse pacote medonho de maldades sem que haja uma justa resistência popular
O dia 31 de agosto de 2016, entrou pra história do Brasil como o dia em que se consumou mais um Golpe de estado. Com uma acusação fajuta e que é alvo de questionamento de milhares de juristas e faculdades de direitos de todo o país, o voto de 54 milhões de pessoas foi substituído por uma eleição indireta e 61 senadores alçaram a presidência do Brasil, Michel Temer, e seu plano "ponte para o futuro", de conteúdo privatista e neoliberal, uma agenda que foi rejeitada nas ultimas quatro eleições.
Foi exatamente esse o expediente usado no período militar que iniciou com o golpe em 64 quando se construiu no Brasil um Estado de exceção e terror, o presidente João Goulart foi deposto sem ter cometido crime e sua agenda de reformas de base e transformação da república, naquele tempo conhecida como "Estados Unidos do Brasil", foi barrada, Castelo Branco eleito presidente do Brasil em uma eleição indireta e amarguramos 21 anos de massacre, direitos reduzidos, perseguição, torturas, censura e repressão.
Estado de Exceção
"Estado de exceção" é o momento em que todas as garantias constitucionais e o exercício legislativo ficam suspensos e se pode restringir o direito de circulação e residência, decretar toques de recolher, grampear comunicações telefônicas, limitar o direito à reunião, a manifestação, efetuar prisões sem ordem judicial, impossibilidade de "habeas corpus", caçar mandatos políticos, adiar eleições e etc, exatamente o oposto do "Estado Democrático de Direito".
Importante que não se confunda o "Estado de exceção permanente" como o que vivenciamos durante a ditadura militar, onde a soberania popular foi enterrada, com o "Estado de Sítio", também conhecido como "Estado de Emergência" e de "Defesa" que pode ser decretado, dentre outros casos, em caso declaração de estado de guerra ou resposta à agressão armada estrangeira, nesse caso os dispositivos da nossa constituição são bem evidentes quanto o limite de tempo de vigência de tal medida, no Brasil 30 dias renováveis por mais 30 em caso de guerra, segundo o art 137 da Constituição Federal.
Construção do Estado de Exceção de 64
A quebra da legalidade democrática no dia 1° de Abril de 1964 com a derrubada sem justificativa de um governo legitimamente eleito por interesses espúrios de grupos nacionais e estrangeiros deu início a abertura de uma ferida que logo se transformou em hemorragia da nossa democracia e enterrou o estado democrático de direito. A mídia nacional foi participe ativa, primeiro replicando os discursos golpistas em larga escala, depois omitindo as atrocidades cometidas pelo regime em troca de "vantagens".
O estado de exceção militar foi construído em cima de atos institucionais, que foram normas e decretos elaborados no período de 1964 a 1969 e iam aumentando gradativamente o poder do regime e diminuindo a soberania nacional, acabando com o pacote de reformas apresentado pelo governo de João Goulart e construindo uma agenda política perversa de retrocessos e submissão aos interesses do capital norte americano. Ao todo foram editados 17 atos institucionais, sendo o de número 5 um dos mais autoritários.
O primeiro ato institucional foi editado no dia 9 de Abril e legalizava as ações políticas dos militares no poder e de imediato quarenta mandatos foram cassados, 102 pessoas perderam direitos políticos, incluindo líderes de entidades dos movimentos sociais.
Esse ato dava ao governo militar o poder de alterar a constituição de 46, cassar leis legislativas, suspender direitos políticos por dez anos e demitir, colocar em disponibilidade ou aposentar compulsoriamente qualquer pessoa que tivesse atentado contra a segurança do país, o regime e a probidade da administração pública, além de estabelecer eleições indiretas para o dia 11 daquele mês, que elegeu Castelo Branco, o ato também estabelecia que o mandato era provisório e que o mesmo se encerrava em 31 de janeiro de 1966, quando novas eleições deveriam acontecer, ludibriaram a população com um discurso de "governo pacificador", "garantidor da lei, da ordem" e transitório.
Em 10 de Abril a sede da UNE foi incendiada por grupo paramilitares que apoiavam o regime e em outubro foi aprovada a Lei n. 4.464 (Lei Suplicy) de Carlos Lacerda proibindo atividades políticas estudantis decretando o fim da UNE, UBES e UEEs, que passaram a atuar na clandestinidade.
Nas eleições estaduais de 1965 o regime sofreu dura derrota em estados importantes e baixou o AI2 que estabelecia o Bipartidarismo, sendo o Arena Aliança Renovadora Nacional o partido do regime e o MDB Movimento Democrático Brasileiro o partido de oposição, e estabelecia eleições indiretas para governadores e prefeitos.
O Ato de número 5 foi decretado em 13 de dezembro de 1968, ano de grande contestações e que ficou conhecido como "O ano que não acabou". O Congresso Nacional se recusou a quebrar a imunidade do Deputado Márcio Moreira Alves e instalar um processo criminal contra ele, que durante um discurso havia chamado os quartéis militares de "covis de torturadores" e lançou um apelo para que o povo não participasse dos desfiles militares do 7 de Setembro e para que as moças, "ardentes de liberdade", se recusassem a sair com oficiais. O discurso inflamado foi motivado pela comoção que causou a morte do estudante Edson Luís próximo ao restaurante Calabouço. Naquele momento o Rio de Janeiro chegou a ter manifestações com mais de 100 mil pessoas contrárias ao regime.
Esse ato foi o que deu ao presidente da República o poder de decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, que só voltariam a funcionar quando o próprio Presidente convocasse. Permitia intervenção nos estados e municípios, suspender os direitos políticos de qualquer cidadão, suspendia a garantia de habeas corpus nos casos de crimes políticos, sem as limitações previstas na Constituição e subordinava o judiciário ao executivo. Durante a vigência do AI-5, também recrudesceu a censura, que estendeu-se à imprensa, à música, ao teatro e ao cinema.
Diversos outros atos foram editados, mas sem dúvidas o de número 5 foi o que consolidou um estado de exceção durante o regime militar, que possibilitou que todas atrocidades, hoje de amplo conhecimento da sociedade, fossem executadas à revelia da justiça.
Situação de 2016 no Brasil que precisamos reverter
A agenda apresentada por Michel Temer e seus "consorciados" é extremamente antagônica aos anseios expressos pelo povo brasileiro nas últimas eleições, é uma agenda perversa que caça direitos e galga retrocessos seculares, não existe a menor possibilidade da implementação desse pacote medonho de maldades sem que haja uma justa resistência popular.
A sociedade brasileira não assistirá calada um governo ilegítimo entregar o pré-sal e outras riquezas que podem ser revertidas em prol do povo, acabar com a CLT, com o SUS, privatizar a educação e encerrar um conjunto de políticas públicas que possibilitaram a ascensão social de dezenas de milhões de brasileir@s e a resistência já está ativa e ocupando as ruas.
O uso da força desmedida, interferência nos direitos civis, repressão e outros "artifícios" é o único caminho que eles tem para fazer valer os seus interesses, devem tentar dar uma faceta "jurídica" a essas ações, diferentemente dos escandalosos "AIs". Para tudo isso eles tem a grande mídia como aliada, que além reforçar o discurso fascista contra a esquerda, alimenta o ódio no seio da população.
E já iniciaram esse processo de descaracterização das liberdades individuais, censurando as manifestações pacíficas do #ForaTemer durante as Olimpíadas, prendendo, agredindo e expulsando pessoas das competições. Nos estados onde os governadores são aliados de Temer, como é o caso de São Paulo e Paraná, ambos com governo do PSDB, eles encontram um campo mais fértil pra fomentar esse ambiente de medo e terror com a ação violenta da Polícia Militar, que retira estudantes de espaços públicos sem autorização judicial, encurrala, cerca e bombardeia o povo que ocupa as ruas.
Em mais uns de seus "pitis" o golpista Temer disse que não admitiria ser chamado de "golpista" e que "não vai levar ofensa pra casa" (sic), e conta pra isso com ministérios inacreditavelmente formado por ladrões e pessoas duvidosas, dentre eles o general Sérgio Westphalen Etchegoyen, ministro-chefe da Secretaria de Segurança Institucional, ele foi o primeiro general da ativa a criticar publicamente o trabalho da Comissão Nacional da Verdade, qualificado por ele como "patético" e "leviano", é crítico feroz dos trabalhos de investigação dos crimes da ditadura realizados pela comissão e a título de informe, ele é filho do general Leo Guedes Etchegoyen, apontado entre os militares responsáveis por violações de direitos humanos durante a ditadura militar. Sergio também vê com "preocupação" a ação popular de movimentos sociais como o MST, que ele chama de terrorista.
A pasta que foi confiada ao general apoiador da ditadura, por decisão do presidente golpista passou a controlar a ABIN Agência Brasileira de Inteligência, a mesma que ele (Temer) disse estar acompanhando as manifestações que pedem a sua saída.
Outra figura marcante do governo ilegítimo é o Ministro da Justiça Alexandre de Moraes, que foi advogado do PCC, Primeiro Comando da Capital, em São Paulo, onde ele também foi Secretário Estadual de Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin e comandou umas das fases mais violentas e repressoras da PM no estado, que produziu a famosa Chacina de Osasco, em que soldados da PM, em diferentes ações, mataram 19 cidadãos e ninguém foi responsabilizado. Ele já falou em acabar com a listra tríplice para nomear a chefia da Procuradoria Geral da República e fazer com que o Brasil volte a ter um "engavetador da república".
Um dos feitos mais recentes de Moraes foi a troca de 19 dos 25 membros da Comissão de Anistia, desde a sua criação durante o governo de FHC, foi a primeira vez que os membros foram trocados sem consulta à sociedade civil. Criada em 2002, a comissão tem como objetivo reparar moral e economicamente as vítimas de atos de exceção, arbítrios e violações aos direitos humanos praticados pela ditadura militar.
Dentro desse conjuntos de "atipias" que temos vivenciado, uma das que mais chamou atenção foi um processo iniciado pelo presidente do TSE, Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Gilmar Mendes e encaminhado a corregedoria eleitoral. Mendes também é velho conhecido da política nacional, porque enquanto ministro do STF toma suas posições baseadas nas suas convicções e interesses, fazendo do plenário da corte um palco para proselitismos e retóricas seletivas.
Esse processo é movido contra o PT, Partido dos Trabalhadores, e sob alegação de que recebeu dinheiro desviado da Petrobrás, e pode culminar na extinção do registro partidário, medida que não foi adotada com outros partidos sobre o qual pesa a mesma acusação, mas essa pode ser a porteira para caçar diversos partidos que são contra o golpe.
Essas são algumas ações que não são isoladas e mostram o quanto está sob tensão um conjunto de valores democráticos e de direitos civis que sob duras penas e com muita luta foram construídos em nosso país, a partir da quebra da legalidade para execução de um pacote de retrocessos que não angaria apoio popular nas urnas. É preciso que a resistência seja intensificada e que novas eleições possam acontecer devolvendo a soberania popular a condução dos rumos do país.
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