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    Moisés Mendes

    Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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    A dança de Cristina, Fernández, Lula, Boric...

    "O que o povo na Praça de Maio lotada viu foi uma tentativa de Fernández de parar Cristina", descreve Moisés Mendes, do Jornalistas pela Democracia

    (Foto: Reprodução)

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    Alberto Fernández e Cristina Kirchner não estão, como a foto acima dá a entender, dançando um tango na Festa da Democracia, sábado, no palco diante da Casa Rosada. 

    O que o povo na Praça de Maio lotada viu foi uma tentativa de Fernández de parar Cristina. Durante quatro minutos, a vice-presidente andou de um lado para outro, sempre em interação com o público. 

    Acenava, balançava os braços como se regesse uma orquestra, e a multidão delirava. Fernández não conseguiu segurar Cristina para que ela, Mujica e Lula ficassem juntos e, ao que parece, tirassem uma foto.

    O brasileiro e o uruguaio olhavam espantados para Cristina e o colega argentino, como se dissessem: não há o que fazer, deixe que ela se divirta.

    A imagem oferece mais uma prova da dureza que é a vida de Fernández. A desenvoltura de Cristina diante do povo atrapalha Fernández mais do que as brigas internas do peronismo kirchnerista.

    Cristina flutua, enquanto Fernández, um homem dos bastidores do peronismo e só agora empurrado para o campo de batalha da política, é quase carregado nas costas. 

    O cenário geral não o favorece, com as desconfianças do povo, a economia sofrendo para reagir, a inflação em 50%, a extrema direita cada vez mais forte e mais as comparações com Cristina.

    Nenhum deles foi mais ovacionado do que Cristina. Ela dançou com as mães e avós da Praça de Maio, atacou os milicos, desafiou a máfia de Mauricio Macri e assegurou que ninguém irá se atrever a mexer com a democracia.

    A festa de sábado juntou a elite do que Lula definiu em seu discurso como os governantes do ”melhor momento da democracia na América latina”, de 2002 a 2012.

    Lula citou os parceiros que estavam no poder na época: Chávez, Nestor e Cristina, “o índio Evo Morales”, os uruguaios Tabaré Vázques e Pepe Mujica, o equatorino Rafael Correa, o paraguaio Fernando Lugo e a chilena Michelle Bachelet.

    Referiu-se a eles como “companheiros progressistas, socialistas e humanistas”. Dos nove citados, dois morreram, Chávez em 2013 e Tabaré no final do ano passado.

    Apenas três podem ser considerados protagonistas ainda hoje da linha de frente da política: o próprio Lula, Cristina e Evo Morales, que lidera, mesmo sem mandato, a resistência às articulações para o que se insinua ser um novo golpe na Bolívia.

    Dos nove, todos são ou foram ou mais ou menos progressistas e humanistas. Mas quem poderia ser considerado um líder com cabeça e ações de perfil socialista no poder? Talvez Chávez e Evo Morales, até porque o último lidera o Movimento ao Socialismo, que voltou ao poder na Bolívia.

    Lula também disse no discurso: “Se eu ganhar no Brasil, Boric ganhar no Chile e com o companheiro Fernández aqui na Argentina, as coisas serão melhores na região". Referia-se ao sul do continente, ou teria de citar outros companheiros latino-americanos. 

    É natural que a mídia tenha destacado, do discurso de Lula, a exaltação aos companheiros de governo do início do século 21 e a frase iniciada por “se eu ganhar”.

    O título do texto da Folha, com chamada de capa na versão online, é provocador: “Em Buenos Aires, Lula diz que América Latina será melhor se ele e outros esquerdistas vencerem”.

    Lula e os outros esquerdistas? Que outros? Lula esquerdista? Podem dizer que Gabriel Boric está à esquerda de todos os citados e que pode ser chamado de esquerdista. E quem mais? Maduro?  

    Sem entrar na velha controvérsia do que possa caber na adjetivação de esquerdismo nesses tempos de extremismos de direita, a Folha cometeu uma simplificação grosseira. 

    Talvez não fosse uma grosseria se o título tivesse outra formulação: “Lula diz que a América Latina será melhor se ele e outros candidatos de esquerda vencerem”.

    O que se vê é que o Lula que se aproxima de Alckmin começa a ser chamado de esquerdista pela grande mídia, e o Fernández que tenta segurar Cristina é considerado por parte do kirchnerismo um presidente mais próximo da direita do que da esquerda.

    O Alberto Fernández que não controla Cristina representa bem o dilema da calibragem das esquerdas hoje frente ao crescimento do fascismo. 

    Cristina deve moderar a performance de palco, para não expor a cintura dura de Fernández? Boric vence e governa no Chile? Mas com quem? 

    Lula precisa de uma nova carta aos brasileiros, para reafirmar que não é o esquerdista assim identificado pela Folha? A democracia também vive de clichês, a maioria sob o comando da direita.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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