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    Emir Sader

    Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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    A disputa hegemônica no século XXI

    O sociólogo Emir Sader destaca que entre vários acontecimentos o que chama a atenção é a “falta de visão do Ocidente a respeito da história global”

    Bandeiras da China e dos EUA (Foto: Reuters)

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    O século XX teve alguns marcos, que permitiam periodizá-lo. A primeira data marcante foi o início da primeira guerra mundial. A segunda, a crise de 1929. A terceira, o início da segunda guerra mundial. A quarta foi o surgimento  do mundo bipolar , no fim da segunda guerra. A quinta, o fim da URSS e o ressurgimento de um mundo unipolar.
    Ao longo do século se deu o esgotamento da hegemonia mundial da Grã Bretanha, a disputa entre os Estados Unidos e a Alemanha pela sua sucessão nas duas guerras mundiais, o período de hegemonia mundial compartilhada entre o bloco liderado pelos Estados Unidos  e o liderado pela URSS, o fim desta e o retorno a um mundo unipolar sob hegemonia imperial norte americana.
    Esse é o cenário mundial em que se dá a transição do século XX para o XXI. Este século já viveu fenômenos muito importantes. Em primeiro lugar, os governos antineoliberais na América Latina, que demonstraram que é possível ter governos com essas características , além de projetar os principais líderes da esquerda mundial. Em segundo lugar, o novo século viu a expansão de líderes e correntes de ultra direita, dos quais Donald Trump e Jair Bolsonaro foram suas máximas expressões. Na América Latina, no marco da recomposição da direita, que chegou a retomar os governos do Brasil, da  Bolívia, do Equador e do Uruguai.
    A desaparição do campo soviético fez emergir um mundo unipolar. O bloco norte americano emergiu como única superpotência mundial , desenhando um cenário que dava a impressão que dominaria todo o século XXI.
    Os Estados Unidos se consolidaram como a primeira potência mundial nos planos econômico, político, tecnológico e militar, podendo assim assumir o lugar de única superpotência mundial. A União Soviética saiu derrotada da Guerra Fria, de todos os pontos de vista, a ponto de que o primeiro líder político da Rússia restabelecida, o presidente Mikhail Gorbachev, assumiu a derrota e a subordinação à hegemonia dos Estados Unidos no mundo. Seu sucessor, Boris Yeltsin, promoveu a privatização de parte importante das empresas estatais, introduzindo o neoliberalismo na Rússia.
    Os Estados Unidos ampliaram suas esferas de influência até o Leste Europeu, conforme países que compunham essa região , com o fim da URSS, se converteram  para modelos de capitalismo rompendo  com o campo socialista. Nunca, desde sua aparição como superpotência, no final da segunda guerra mundial, os Estados Unidos podiam contar com uma esfera de influência direta tão extensa. Nos planos econômico, político, tecnológico, cultural e militar, os Estados Unidos consolidaram sua hegemonia mundial projetando-a para o século XXI.
    Mas a história reservou novas surpresas. Se, no fim da URSS, o primeiro governo russos estabeleceu alianças com os Estados Unidos, a situação mudou quando assumiu o governo seguinte, o de Vladimir Putin. O povo russo sentiu como a verdadeira capitulação de Gorbachev diante dos Estados Unidos e a prepotência com que este passou a tratar a URSS deixaram feridas. A própria expansão da OTAN, valendo-se do campo socialista, para incorporar os países do leste europeu, aproximando as forças militares da OTAN das fronteiras russas, gerou forte reação. A atitude que o governo russo tomou no caso da Ucrânia já refletia essa reação.
    No plano internacional, a Rússia e a China buscaram aproximações como nunca haviam tido no passado. Em primeiro lugar, uma aproximação política, com a reafirmação dos seus interesses em relação aos Estados Unidos. Em segundo, uma aliança militar, que permitiu uma imagem nunca vista anteriormente, com tropas chinesas desfilando com as russas na Praça Vermelha. Rapidamente se configurou um novo cenário geopolítico em escala mundial, com o retorno a um mundo bipolar. O novo bloco conta com a força econômica da China e a força militar da Rússia. A eles se somaram a África do Sul, a Índia e o Brasil, para constituir os Brics, cuja formação se tornou o mais importante fenômeno político do século XXI.
    Quem melhor captou essas transformações, tanto na sua profundidade quanto nas suas projeções, foi o historiador inglês Peter Frankopan, fazendo dele o mais importante do século XXI até aqui. Suas interpretações estão, essencialmente, no livro "O coração do mundo e, posteriormente, As novas rotas da seda e A história do mundo”, mais recentemente.
    “Sob vários aspectos, o final do século XX e o inicio do século XXI, representaram uma  espécie de desastre para os Estados Unidos e a Europa, conforme travavam a fatídica luta para manter suas posições nos territórios vitais que ligam o Oriente ao Ocidente”, segundo Frankopan. O que mais impressiona em relação a esses acontecimentos é a “falta de visão do Ocidente a respeito da história global”. Franlopan faz sua previsão: “De leste a oeste, as Rotas da Seda estão ressurgindo”. E explicita sua visão: “O que estamos testemunhando, porém, são as dores do parto de uma região que já dominou o panorama intelectual e econômico e que agora ressurge”.
    Se trataria de “sinais de uma mudança do centro de gravidade do mundo – que volta ao local onde esteve por milênios”. Mais do que isso: “A era do Ocidente vive uma encruzilhada ou talvez seu final.” Para o Ministério da Defesa do Reino Unido: “O período até 2040 será um tempo de transição.”
    Frankopan conclui sua obra afirmando: “O mundo está mudando à nossa volta. À medida que entramos numa era em que a hegemonia política, militar e econômica do Ocidente vai sendo pressionada, a sensação de incerteza é perturbadora.”  Enquanto isso, “vão sendo urdidas em silêncio múltiplas redes e conexões ao longo da espinha dorsal da Ásia, ou melhor, elas estão sendo restauradas. São as Rotas da Seda”.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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