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    Laira Vieira

    Economista, tradutora e crítica cultural

    13 artigos

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    A empatia e os multiversos

    Com sua exploração enigmática de multiversos e a intrincada dinâmica das relações humanas, 'Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo' diverte e emociona

    Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo (Foto: Reprodução/Diamond Films)

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    Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022) combina drama, comédia, ficção científica e aventura para explorar o vínculo entre mãe e filha através dos multiversos, é fazer um apelo para a necessidade da empatia para a criação de um mundo melhor.

    É um filme que fez história ao receber 7 estatuetas do Oscars, na mais recente cerimônia da premiação (2023), mas também  dividiu opiniões - Enquanto uns amam, outros detestam. Vejamos o porquê disso. 

    A tapeçaria ilimitada dos multiversos - No âmbito do cinema, onde a criatividade encontra a inovação, surge ocasionalmente um filme que transcende os limites da narrativa convencional, deixando uma marca indelével na consciência coletiva. Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022), dirigido pela criativa dupla - que já trabalhou juntos diversas vezes: Daniel Kwan (Um Cadáver para Sobreviver, Interesting Ball) e Daniel Scheinert (A Morte de Dick Long, Um Cadáver para Sobreviverl), produzido pela produtora queridinha do momento, a A24 (Moonlight, Lady Bird) é sem dúvida uma dessas maravilhas cinematográficas. Esta obra-prima inovadora conquistou aclamação e desdém da crítica - no caso o desdém veio dos críticos mais conservadores.

    Com sua exploração enigmática de multiversos e a intrincada dinâmica das relações humanas, o filme caótico diverte e emociona - e faz isso com um elenco de protagonistas de meia idade. O que é raro, geralmente protagonistas de meia idade são homens brancos, e aqui temos uma protagonistas sino-americanos.

    A complexidade das escolhas - O filme gira em torno da história de uma família sino-americana, cujo chefe de família é, Evelyn Wang (Michelle Yeoh), que carrega o peso de resolver tudo dentro de casa e suportar o suposto comodismo de seu marido Waymond Wang (Ke Huy Quan), e um relacionamento difícil com sua filha lésbica Joy (Stephanie Hsu), durante a visita de seu teimoso pai idoso Gong Gong (James Hong), enquanto tentam ampliar o negócio da família, (uma lavanderia) e são auditados por uma funcionária minuciosa chamada Deidre (Jamie Lee Curtis), e fazer uma festa - Sim, tudo acontece ao mesmo tempo. 

    Michelle Yeoh (O Tigre e o Dragão, Podres de Ricos), Ke Huy Quan (Indiana Jones, Os Goonies), e Jamie Lee Curtis (Halloween, Um Peixe Chamado Wanda) receberam os oscars de melhor atriz, melhor ator coadjuvante, e melhor atriz coadjuvante, respectivamente. É um time de vencedores que trabalharam muito bem juntos, trazendo sensibilidade, cenas de lutas muito bem coreografadas, e humor.

    Mas voltando a história do filme, como essa família está relacionada com multiversos? Como diria Charles Chaplin “Cada segundo é tempo para mudar tudo sempre", e Evelyn descobre isso em um dos piores momentos de sua vida, então (quase) tudo muda de repente, quando ela descobre ser a chave para impedir a destruição de todo o multiverso. Sim, "quase tudo"... Pois apesar de se conectar com diferentes realidades dentro do multiverso para combater um grande vilão chamado Jobu Tupaki (que na verdade é sua filha), ela não pode escapar de sua própria realidade e de seu relacionamento destrutivo com sua filha - apesar de poder vislumbrar diferentes realidades se tivesse tomado decisões diferentes ao longo da vida.   

    A forma como é mostrada como cada pequena decisão que tomamos pode afetar nossa vida, é feita de uma forma genial e criativa. E leve em conta que o filme foi produzido com um orçamento baixo, apenas 14 milhões de dólares, e arrecadou nas bilheterias 10 vezes esse valor. Um grande contraste com filmes da Marvel que também exploram a teoria dos multiversos - como Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (2022), que teve um orçamento de 294,5 milhões de dólares - mas que carecem de profundidade. 

    Essa proeza, em parte, pôde ser realizada pelo fato de não terem sido criados apetrechos hi-tech para os saltos entre os multiversos, os objetos usados estão ao alcance da mão - nem sempre necessariamente da mão, como vemos em uma cena de luta hilária, mas que desagradou muitas pessoas que temem a conotação sexual - e o protocolo a ser seguido para saltar universos é muitas vezes hilário. Para ser clara, a cena que me refiro, Kwan disse em uma entrevista: "Cada decisão, há este cálculo matemático que diz: "OK, se mantivermos a luta do plug anal, que porcentagem do público perdemos?"; e Scheinert complementa: "E que porcentagem ganhamos? Há muito mais entusiastas do plug anal do que na mídia mainstream".

    Esse tipo de senso de humor "duvidoso" é uma marca característica da dupla - como visto em Um Cadáver para Sobreviver, também dirigido e escrito por ambos - e que permeia, deliciosamente, o filme.

    O uso da teoria dos multiversos como metáfora - No coração do filme está a intrigante teoria dos multiversos, um conceito profundamente enraizado na física contemporânea. Essa teoria (não comprovada, é apenas uma teoria) postula a existência de incontáveis ​​universos paralelos, cada um representando um resultado único resultante de cada decisão tomada em nossas vidas. Essencialmente, sugere que cada escolha que fazemos cria uma realidade ramificada, onde nossas vidas se desenrolam de maneira diferente a cada caminho percorrido.

    Físicos, como Hugh Everett III, contribuíram para o desenvolvimento da teoria do multiverso. A interpretação de muitos mundos de Everett propõe que todos os resultados possíveis de eventos quânticos existem simultaneamente, cada um criando seu próprio universo separado. Essa noção de múltiplas realidades coexistindo simultaneamente introduz uma sensação vertiginosa de complexidade, que o filme navega artisticamente.

    A teoria do multiverso na vida dos protagonistas, destaca como as escolhas que eles fazem levam a resultados muito diversos. Essa exploração poderosa nos lembra que nossas vidas não estão confinadas a um único caminho linear, mas sim uma amálgama de inúmeras possibilidades criadas por nossas decisões. “Aprendi a ser o máximo possível de mim mesmo", disse Nelson Rodrigues - e essa é uma das mensagens do filme: Dê o seu melhor, independente da situação. 

    Uma das mensagens mais profundas do filme está na exploração da empatia e aceitação. À medida que a teoria do multiverso confunde as linhas entre escolhas e realidades, o filme nos incita a abraçar a diversidade e a compreensão em toda a vasta tapeçaria da existência - mas isso só fica claro, para os personagens e público, perto do final do filme. Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo desafia a noção de uma realidade singular e fixa, incitando-nos a ter empatia com as várias facetas dos indivíduos em diferentes universos.

    Por meio do relacionamento tóxico de Evelyn e sua filha Joy, o filme também aborda a luta universal entre mães e filhas, transcendendo as fronteiras do tempo e do espaço. Nos lembra que conflitos e mal-entendidos persistem em todas as realidades; enfatizando a importância da compaixão e da empatia, independentemente do universo em que nos encontramos.

    Filosofia por trás de Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo - O filme baseia-se profundamente em vários conceitos filosóficos, enriquecendo sua narrativa com um significado profundo; e explora questões de identidade, existência e interconectividade, deixando o público com reflexões existenciais que se estendem muito além dos limites da sala de cinema - ou ao menos tenta. 

    Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo examina como nossas escolhas definem quem somos e como essas escolhas se espalham pela estrutura do multiverso. A filosofia existencialista, em particular, ecoa ao longo do filme, pois lida com a ideia de que a existência do indivíduo precede a essência, implicando que nossas escolhas moldam nossa essência, e não o contrário.

    Oculta na complexidade do multiverso, existe a mensagem que devemos abraçar nossa humanidade e interconexão compartilhadas. Em um mundo que parece cada vez mais fragmentado, esta mensagem permanece como um poderoso lembrete de nossa responsabilidade coletiva de entender e aceitar uns aos outros - uma tarefa nada fácil. 

    Os desafios de agradar a todos - Apesar de sua genialidade, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo provou ser divisivo entre o público. As complexidades da teoria do multiverso e a profunda exploração do filme sobre as relações humanas podem ser difíceis de compreender para alguns espectadores. A narrativa não linear e os temas instigantes podem desafiar as expectativas cinematográficas convencionais, levando a reações mistas. Como em qualquer filme que se aprofunda em conceitos filosóficos e metafísicos.

    Alguns espectadores podem achar que a exploração do filme sobre empatia e interconexão é muito abstrata ou mística para seu gosto. Também há a questão do humor ácido, que nunca agrada a todos. 

    Como disse Daniel Kwan em uma entrevista "Devo dizer que sempre há essa tensão entre 'quero que o público me ame' e 'não me importo se você me ama'. Vou desafiá-lo."

    O filme desafia o estereótipo de dramas mundanos e de ritmo lento. Ao infundir a teoria do multiverso na narrativa, as cenas de luta e humor ácido, ele cria uma experiência narrativa dinâmica e imprevisível, cada reviravolta na trama abre novas possibilidades. E talvez por essa razão o filme não tenha agradado o público mais conservador.

    Abraçando a empatia e a aceitação nos multiversos - Em sua essência, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo urge para reexaminarmos  a maneira como interagimos uns com os outros. O filme retrata a empatia como uma força poderosa que transcende as fronteiras do tempo e do espaço. Ao aceitar e compreender os outros, não apenas estabelecemos conexões mais fortes, mas também criamos ondulações de mudança positiva que ecoam em todo o multiverso.

    Em um mundo onde a empatia costuma ficar em segundo plano - se tanto, a mensagem do filme serve como um farol de esperança. Isso nos lembra que a empatia não é fraqueza, mas sim uma força profunda que pode quebrar barreiras e curar feridas.

    A empatia requer vulnerabilidade, uma abertura para compreender as experiências dos outros, mesmo que sejam muito diferentes das nossas. É necessário transcender os limites das realidades individuais para apreciar a complexidade da experiência humana. Em um mundo insensível, a escolha de cultivar a empatia torna-se um ato de rebelião, sinalizando a disposição de promover a compreensão e estabelecer conexões.

    A questão subjacente ao filme reverbera pelos corredores tortos de nossas mentes: Podemos encontrar coragem para simpatizar com aqueles que podem não demonstrar empatia por nós? Em um mundo cada vez mais marcado por divisão e discórdia, essa questão exige nossa introspecção e exame de consciência. 

    À medida que lidamos com as complexidades do multiverso da empatia, devemos reconhecer que a empatia não é apenas uma escolha, mas uma responsabilidade – uma escolha para preencher as lacunas entre nós e abraçar as infinitas possibilidades de conexão humana.

    Na grande tapeçaria da existência, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo nos ensina que a escolha de empatia é um convite para nos tornarmos arquitetos da mudança, criando uma sinfonia vibrante e harmoniosa em todo o multiverso da existência humana - isso se tivermos coragem para tal.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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