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Valter Pomar

Historiador e integrante da Direção Nacional do PT

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A entrevista de Dirceu à Mônica Bergamo

"O ponto mais problemático, na minha opinião, da entrevista, está no balanço que Dirceu faz do governo Lula 3", avalia Valter Pomar

(Foto: Lula Marques/Agência Brasil)

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A Folha de S. Paulo publicou uma longa entrevista com o ex-presidente nacional do PT, José Dirceu.

A entrevista foi concedida à jornalista Mônica Bergamo.

A entrevista foi publicada em duas partes, a primeira concentrada em assuntos nacionais e a segunda em assuntos internacionais.

Copiei e colei ao final.

Afirmando não saber se a vitória de Maduro é real, por não ter elementos para dizer se acredita ou não no resultado, Dirceu defende que “o Brasil tem que ter uma atitude de maior distanciamento”. Traduzindo, se entendi direito, devemos reconhecer o governo Maduro.

Sobre Gaza, Dirceu concorda com a posição de Lula: “é um genocídio, uma guerra de extermínio”. E vai além: “O povo palestino tem o direito de se levantar em armas contra a ocupação de Israel”. Ao mesmo tempo, Dirceu diz que “temos que condenar o Hamas, e temos que condenar Israel também”. E agrega que “condenar Israel não tem nada a ver com antissemitismo”.

Sobre a guerra na Ucrânia, Dirceu diz que “a Rússia, de certa forma, se defendeu. É uma guerra, e nós não podemos apoiá-la porque a nossa Constituição proíbe. A Rússia invadiu outro país. Mas, se você olha os antecedentes”…

Sobre a Europa e os EUA, Dirceu fala que “o capitalismo vive hoje uma disputa entre as soluções da extrema direita e da direita”, mas não acredita “que a direita veio para ficar”.

Especificamente sobre os EUA, Dirceu afirma que “não são essa democracia [que dizem ser]. São uma plutocracia. Sabe quanto vai custar a campanha eleitoral [deste ano] nos EUA? R$ 7 bilhões. Os EUA são um império, e não uma República. Não estou fazendo juízo moral”.

Sobre China, a entrevista contém citações pontuais. Sobre Cuba, nada. Mas isso pode ter sido obra da edição, não do entrevistado.

Vista de conjunto, a opinião publicada de Dirceu sobre a política externa está um pouco à esquerda da posição do governo e alinhada com a posição expressa pelo PT ou, pelo menos, alinhada com a posição defendida pelas pessoas que respondem pela política internacional do Partido.

Já a opinião publicada sobre a situação nacional está alinhada com a posição do governo e corresponde ao senso comum de boa parte da atual direção do PT.

Por exemplo: “A liderança do Lula, que no fundo representa as forças políticas de esquerda no país, se expandiu [em duas décadas]. Nós vencemos cinco eleições [2002, 2006, 2010, 2014 e 2022], o que é um fato histórico mundial. Só não vencemos a sexta [em 2018] porque o Lula estava preso em um processo político de exceção. Mas a votação do [hoje ministro Fernando] Haddad [em 2018], que teve 32 milhões de votos naquelas condições, me deu a segurança de que havia ainda um período sob a liderança do Lula e, de certa forma, sob a hegemonia do PT. Isso se confirmou em 2022”.

Sem dúvida, das 9 eleições presidenciais realizadas desde 1989, ganhamos 5 e ficamos em segundo lugar nas outras quatro. E só não ganhamos 6 porque houve um golpe. 

Mas simplesmente não é verdadeiro dizer que, nesse período (2002-2022) “a liderança do Lula” e das “forças políticas de esquerda” tenha se expandido. Do ponto de vista estritamente eleitoral, nosso maior percentual de votos válidos foi obtido em 2002. E do ponto de vista da influência organizada na classe trabalhadora, estamos num momento de imensa fragilidade. Isso para não falar da situação no plano da batalha das ideias.

Portanto, não basta reconhecer que “a extrema direita sempre teve expressão no país”. É preciso compreender por quais motivos esta “nova” extrema-direita cresceu exatamente quando estávamos no governo; debater o que poderíamos ter feito e não fizemos, para impedir o crescimento da extrema-direita; e, com base nesta análise, decidir o que devemos fazer daqui por diante.

Outro exemplo do que dissemos acima é a ênfase que Dirceu dá, na entrevista, para as divisões na direita e na extrema-direita, bem como para as consequências que extrai daí. 

Por exemplo: “Marçal é um problema muito maior para a extrema direita do que para nós. Eles vão ficar divididos em 2026 porque a agenda dele não une a direita”. 

Ou ainda: “A classe média de São Paulo não vai votar nele porque ela é cosmopolita, democrática, anti-homofóbica, antirracista, ambientalista, pela igualdade de gênero. E tem, inclusive, um olhar social (…) O Boulos tem que ganhar a classe média”.

Certamente há setores médios que votam na esquerda (aliás, certos setores da esquerda expressam mais os setores médios do que os setores populares). Mas não foi a chamada classe média que nos deu maioria nas eleições presidenciais de 2022, nem em São Paulo capital, nem no Brasil. Foram os setores populares. São principalmente eles que precisamos ganhar, não a “classe média”.

E o problema de fundo consiste no seguinte: entre 2003 e 2016 disputávamos contra uma direita, hoje disputamos contra duas direitas. Uma delas (a extrema-direita) tem forte apoio e capilaridade em camadas do povo que eram e devem continuar sendo a nossa base social. Mas, diferenças à parte, ambas direitas coincidem num programa de tipo neoliberal. O que nos coloca num dilema imenso: se para derrotar a extrema-direita nos aliarmos com setores da direita tradicional, se o preço desta aliança for aceitar ou conciliar com parte do programa neoliberal, o resultado político disto será o crescimento da extrema-direita. E o resultado macroeconômico será a continuidade do modelo rentista e primário-exportador.

Por conta do que foi afirmado, o “déficit de renovação” no PT – que Dirceu admite existir - não será resolvido através de “lideranças novas”, especialmente pelos citados (por Dirceu) Haddad e Rafael Fonteles. Pois nosso déficit de renovação é antes de mais nada político. Precisamos de outra linha política. E algumas das “lideranças novas” de que dispomos estão à direita do que precisamos para enfrentar o presente e o futuro. 

Aliás, esse é um dos motivos pelos quais o PT não vai passar o “bastão de esquerda para o PSOL”. Não é apenas um problema de “representação nacional, base social, memória histórica”, mas também a necessidade de uma nova orientação política. Que o PSOL não conseguiu produzir, como se pode constatar.

Dirceu fala que “assim como estamos reconstruindo o Brasil, temos que reconstruir o PT” e lembra que, em 2025, teremos “a oportunidade de renovar a sua direção”. Mas renovar a direção não pode ser compreendido apenas enquanto mudança de pessoas. Há um problema de programa, de estratégia, de padrão de funcionamento, que precisa ser enfrentado. E não se trata apenas de construir “um programa para os próximos dez anos”. Se trata de discutir o socialismo, palavra que salvo engano aparece uma única vez na entrevista, quando se fala das antigas repúblicas do Leste Europeu. No lugar disto, Dirceu afirma que “o núcleo do nosso pensamento” é o de “uma sociedade solidária, com igualdade, com justiça”.

Mas o ponto mais problemático, na minha opinião, da entrevista, está no balanço que Dirceu faz do governo Lula 3. 

Segundo ele, o “governo está vivendo um momento excelente. Se houver uma solução pactuada para as eleições das presidências da Câmara e do Senado, o ano de 2025 vai ser de crescimento econômico e estabilidade política, com a possibilidade de aprovação de uma agenda que ajudará no crescimento. Com isso, o Brasil poderá cuidar do que é importante: a transição energética, ecológica, a nova indústria do país. As duas grandes bandeiras para o PT a partir de agora devem ser a reforma do sistema político, para o fortalecimento dos partidos, e a formação de uma maioria parlamentar que apoie o nosso programa de governo (…) Se queremos evitar que haja uma maioria de extrema direita no Senado [a partir de 2027], temos que construir alianças dos estados. Estamos preocupados e já começamos a fazer isso na campanha municipal. Se não pudermos ter um candidato próprio, da esquerda, que ele seja da direita —e não da extrema direita”.

Não sei se Dirceu pensa exatamente isto ou se isto é o que ele acha prudente dizer, numa entrevista concedida na véspera do primeiro turno. Seja como for, os fatos são os seguintes: depois de 22 meses de governo, as pesquisas de opinião demonstram que a correlação de forças não está nada fácil para a esquerda. O governo não é o único responsável por isto, mas tem sua cota de responsabilidade. E só vamos tomar as medidas necessárias e urgentes, se nos convencermos de que não estamos “vivendo um momento excelente".

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