A gestão de portfólio da Petrobrás lembra filme de ficção: "Querida, encolhi a empresa"
"Maximizar os lucros para os acionistas, no curto prazo, é imperativo hoje na gestão da Petrobrás", diz o orofessor da UFRJ e pesquisador do Ineep/FUP
(Uma versão ampliada deste artigo foi publicado originalmente na Revista Forúm)
Nos últimos anos, a Petrobrás tem destacado o papel de sua estratégia financeira para o aumento de sua eficiência privada, expresso na redução do endividamento e na expansão do caixa livre e da distribuição de dividendos. O Planejamento Estratégico de 2022-2026 da empresa explicitou isso ao afirmar: “manter a estrutura ótima de capital, comprometimento com a melhor alocação de capital e maximizar geração de valor”.
Ou seja, a companhia pretende manter um nível baixo de endividamento e uma gestão de portfólio voltada para os investimentos na exploração e produção (E&P) de petróleo no pré-sal e para venda de ativos de outras áreas. Maximizar os lucros para os acionistas, no curto prazo, é imperativo hoje na gestão da Petrobrás.
No entanto, cabe perguntar: a redução da dívida sempre representa uma melhora das condições financeiras? Não necessariamente, pois é bom lembrar que o endividamento é uma das mais importantes fontes de financiamento dos investimentos, que gerarão caixa no futuro, após iniciada a produção.
No setor de petróleo e gás, o endividamento tem um papel relevante, em virtude do considerável descasamento temporal entre os elevados investimentos na exploração e desenvolvimento de novas reservas (projetos do pré-sal demoram entre 3 e 5 anos para serem finalizados) e o início da produção que proporcionará receitas ao longo do tempo de vida da reserva.
Nesse sentido, a estrutura de capital (maior ou menor dívida) deve ser analisada, levando-se em conta a capacidade de geração de caixa futura, fruto dos investimentos de hoje, e os riscos associados. Quando os custos da dívida são menores que a taxa de rentabilidade esperada dos novos investimentos, a expansão do endividamento torna-se uma estratégia desejada para a acumulação de capital da empresa.
No que tange à melhora na alocação de capital, a estratégia da Petrobrás concentra-se na exploração e produção no pré-sal, que possui maiores taxas de retorno, e na saída de outras atividades que possuem taxa de retorno positiva, embora menores do que na exploração e produção. Essa estratégia provoca a desintegração vertical da empresa, aumentando a exposição a variáveis que não são controláveis, como câmbio, preço do petróleo e mudanças tecnológicas referentes à redução dos custos das energias renováveis.
Daniel Yergin, em seu livro “O Petróleo: uma história de ganância, dinheiro e poder”, mostrou que a história do petróleo é a trajetória da formação dos grandes conglomerados empresariais integrados verticalmente.
Atualmente, as grandes petroleiras adotando a estratégia de integração vertical, aumentando-a com os investimentos em energia renovável, ainda que, no curto prazo, esses investimentos tenham menores taxas de retorno. Apesar do nível de dívida baixo, a Petrobrás hoje é a única que está fazendo um processo de desintegração vertical, vendendo até ativos de energia renovável.
Entre 2016 e o primeiro trimestre de 2022, a Petrobrás vendeu cerca de 46 ativos, dentre os quais campos de petróleo, a BR Distribuidora, a Refinaria Landulpho Alves (RLAM), que proporcionaram receita de R$ 145 bilhões (ao valor de 31/03/2022 deflacionado pelo IPCA). No governo Bolsonaro, R$ 97 bilhões entraram no caixa da Petrobrás com a venda de ativos.
Além da venda de ativos, a atual gestão de portfólio implicou na redução dos investimentos, que não estão cobrindo nem mesmo os desgastes das máquinas, equipamentos e reservas (valor da depreciação, depleção e amortização). Entre 2019 e o 1T2022, a Petrobrás desembolsou (caixa) na aquisição de ativos imobilizados e intangíveis cerca de R$ 110,5 bilhões, ao passo que a depreciação, depleção e amortização foi de cerca de R$ 196,5 bilhões. Com isso, a Petrobrás somente repôs 56% dos desgastes das máquinas, equipamentos e reservas; porcentagem bem abaixo da média das dez maiores petroleiras integradas (BP, Chevron, China Petroleum & Chemical, Eni, Equinor, Exxon Mobil, PetroChina, Shell, Suncor Energy, Total Energia) que foi de 76%.
A ampliação dos lucros e da geração de caixa operacional (R$ 505 bilhões entre 2019 e o 1T2022) da Petrobrás foi fruto da atual política de preços dos derivados, que utiliza a Paridade de Preço de Importação; e do aumento da produção de petróleo no pré-sal, que tem custo de produção baixo, entre US$ 41 e US$ 45 por barril, na média do primeiro trimestre deste ano.
Mas, se a Petrobrás está gerando esse enorme caixa, em contexto de dívida baixa, qual o motivo para não aumentar o investimento? A resposta está na gestão de portfólio, que tem como eixo o pré-sal. Como os investimentos em outras áreas são menos rentáveis, a empresa não diversifica o plano de investimento, resultando no aumento de recursos sobrantes (após os pagamentos financeiros) destinados ao pagamento de dividendos. Entre 2019 e o 1T2022, os dividendos somaram R$ 167 bilhões, dos quais 37,5% foram para a União e o restante para o setor privado, sobretudo, o estrangeiro (40% do total).
Com essa política, a empresa não consegue construir uma estratégia em relação às alternativas ao petróleo no médio e longo prazo. A Petrobrás poderia estar investindo em energias renováveis, olhando a transição energética como possibilidade de geração de lucros no futuro. No entanto, está presa num circuito fechado que beneficia os acionistas de hoje em detrimento dos consumidores e da empresa no futuro.
No filme “Querida, encolhi as crianças”, o protagonista, o cientista Wayne, encolheu acidentalmente, numa experiência, os seus filhos. Mas na atual gestão da Petrobrás, há uma decisão deliberada de encolher a empresa. Numa alusão ao filme, o Planejamento Estratégico da empresa para o período de 2022 a 2026 poderia ser denominado “Querida, encolhi a empresa”.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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