A Igreja e o ódio aos pobres
Nada mais verdadeiro em relação ao cristianismo brasileiro do que as palavras do grande escritor cristão Leon Tolstói: “Os ricos estão sempre dispostos a fazer tudo pelos pobres, menos descer das suas costas”
O jurista Fábio Konder Comparato reconheceu que a Reforma Protestante foi, incontestavelmente, a primeira grande revolução social do mundo moderno, atribuindo, à palavra “revolução”, o mesmo sentido que passou a ser vinculado a ela a partir da “Revolução Francesa”, ou seja, o de “uma renovação completa das estruturas sociopolíticas, a instauração, ex novo, não apenas de um governo ou de um regime político, mas de toda uma sociedade, no conjunto das relações de poder que compõe a sua estrutura organizatória”. De fato, longe de se constituir num arranjo ou arremedo superficial, a Reforma Protestante revolucionou profundamente todo o tecido social dos países que a acolheram. Não por acaso a sua deflagração coincide com a extraordinária expansão econômica, comercial e tecnológica que observamos a partir do século XVI nos países da Europa central e do norte.
Indústrias, universidades, escolas, hospitais, profusão tecnológica e grandes centros urbanos surgiram no encalço da Reforma. O desenvolvimento econômico foi associado ao respeito às leis e à segurança social. As profundas transformações socioeconômicas decorrentes da aplicação dos princípios cristãos restaurados e aplicados à vida social possibilitaram o extraordinário desenvolvimento que se seguiu. Impregnada na sociedade, a solidariedade cristã se traduziu na alfabetização em massa e na promoção coletiva da dignidade humana.
Este fenômeno ocorreu em todos os países do Centro e do Norte da Europa, atingidos mais fortemente pela Reforma Protestante. Na Inglaterra, em 1780, Robert Raikes iniciou o movimento das Escolas Bíblicas Dominicais, que teve um impacto tão importante sobre a diminuição do analfabetismo, da pobreza e da criminalidade no país, que se pode afirmar que o panorama social da Inglaterra se alterou completamente devido a sua atuação. Todo o sistema público de educação inglês foi criado a partir das Escolas Bíblicas Dominicais, que, além de ensinar as letras, também vestia e alimentava as crianças que atendia. Era notória a opção da Escola Bíblica de Raikes pelos pobres. Ela não reservava algumas “bolsas”, mas foi inteiramente pensada e direcionada para eles.
Por que o sentimento dos ditos “evangélicos” brasileiros em relação aos pobres parece ser tão diferente daquele dos pais da Reforma e também do de Robert Raikes, este leigo que, imbuído de profundo amor por Jesus e pelo seu próximo, realizou uma obra tão extraordinária?
Quando a Reforma chegou ao Brasil, ela não conseguiu manter o seu caráter “revolucionário”. Em vez disso, assimilou a estrutura social já instalada na sociedade brasileira. Aquela mesma diagnosticada por Gilberto Freire como “Casa Grande e Senzala”. Ao pobre da Senzala pode se fazer favores, mas jamais pretender alçá-lo aos mesmos patamares sociais dos habitantes da Casa Grande. Para não ferir o status quo, com honrosas exceções, a Igreja renunciou ao seu mandato social, adotando uma atuação bem mais discreta e assistencial.
A sociedade brasileira é marcada por uma violenta separação econômica entre abastados e miseráveis, que Cristovam Buarque identificou como análoga àquela adotada oficialmente na África do Sul entre 1948 e 1994, chegando a batizar o nosso próprio regime de segregação de “Apartação Social”. Os primeiros cristãos reformados brasileiros cedo perceberam que atrairiam para si o mesmo ódio irracional destinado aos párias se tentassem promovê-los socialmente para além do simples alívio das suas dores. No Brasil, qualquer tentativa de atenuar as profundas desigualdades sociais vigentes foi sempre considerada como um ato subversivo e perigoso.
Mesmo sendo católico e clérigo, o Monsenhor José da Silva Coutinho, conhecido na Paraíba como “Padre Zé”, experimentou o desprezo destinado a quem tentasse aplicar o cristianismo à vida social. Na primeira metade do século XX, o Padre Zé não apenas procurou alimentar os pobres, mas também profissionalizá-los e encaminhá-los, através do Instituto São José, que, entre outras ações, oferecia cursos gratuitos de datilografia para moças de bairros periféricos. Em vez de ser reconhecido como um benfeitor visionário muito à frente do seu tempo, foi acusado pelas respeitáveis donas de casa da classe média de então de “estar tirando as empregadas domésticas dos lares”.
Nada mais verdadeiro em relação ao cristianismo brasileiro do que as palavras do grande escritor cristão Leon Tolstói: “Os ricos estão sempre dispostos a fazer tudo pelos pobres, menos descer das suas costas”.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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