Elisabeth Lopes avatar

Elisabeth Lopes

Advogada, especializada em Direito do Trabalho, pedagoga e Doutora em Educação

28 artigos

HOME > blog

A metamorfose da verdade

As sociedades vivem o apogeu da mentira, ou na melhor das hipóteses a distorção conveniente da verdade, em todos os cantos do planeta

Milei, Trump e Bolsonaro (Foto: REUTERS/Cristina Sille | REUTERS/Mike Segar | REUTERS/Adriano Machado)

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

No último debate dos dois candidatos à presidência dos EUA, Donald Trump pelo partido republicano e Joe Biden pelo partido democrata, Trump fez sua fala inundada por mentiras. Segundo levantamento do canal CNN que transmitiu o evento, o candidato proferiu 28 declarações falsas. Embora as mentiras devam ser noticiadas no sentido de desnudar o perfil suspeito de quem deseja governar o país mais poderoso do mundo, a imprensa corporativa não recuou de sua performance calculadamente distorciva. Em vez de analisar o conteúdo do debate, as propostas de cada um, se limitou a criticar a fragilidade das frases confusas de Biden. Durante uma semana os noticiários referiram os deslizes do candidato do partido democrata e a repercussão desse debate no resultado que terá nas urnas, em novembro próximo. Com certeza, foram preocupantes as hesitações de Biden e a possibilidade de o país imperialista vir a ser governado por um propagador contumaz de informações falsas, além de ser acusado por vários crimes. A bem da verdade, a cena bizarra transmitida pela CNN nos sinaliza que a política americana agoniza.

Outra distorção no conteúdo dos acontecimentos mundiais ocorreu após a divulgação dos resultados das eleições de 07 de julho para o legislativo francês. A Nova Frente Popular (NFP), que barrou o avanço da extrema direita foi avaliada na maioria dos canais abertos e por assinatura como sendo uma coalizão de partidos de extremíssima esquerda. Ao analisarmos as pautas da NFP constatamos que não há nada que a classifique como extremista. A frente sustenta entre outras medidas, a recuperação de políticas públicas que favoreçam a qualidade de vida da população. Postula o aumento do salário mínimo, o retorno do imposto sobre as grandes fortunas, a taxação de lucros excessivos das grandes empresas francesas internacionais, a abolição da atual lei de asilo e imigração, a revisão da reforma previdenciária, promulgada pelo presidente conservador de centro direita, Emmanuel Macron, além de outras ações essenciais de bem estar social e de política externa, como o reconhecimento do Estado da Palestina. Não se trata, portanto, de extremismo de esquerda, o mínimo que podemos referir sobre a frente é o seu caráter antineoliberal. 

Outro aspecto que salta aos olhos como mais um elemento de inversão do real é a construção diária pela grande mídia da imagem de Tarcísio de Freitas, atual governador de São Paulo, como um político de direita moderado e com promissora possibilidade de ser um forte candidato à presidência do país nas eleições de 2026. Ainda que Tarcísio declare ter como ídolo máximo e exemplo a seguir, “o seu professor Bolsonaro”, acusado pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas de atacar a democracia brasileira, ainda que se contente em ser a sombra de seu líder inelegível, tal exaltação ao seu mito e a sua coleção de atos criminosos e destrutivos à vida dos brasileiros e do país, nos diz tudo sobre seu seguidor. A desfaçatez da imposição ideológica da mídia corporativa nos destinos do país passou de todos os limites toleráveis.

O recente encontro em Santa Catarina, na Conferência Política de Ação Conservadora (Cpac/Brasil), realizado de 6 a 7 de julho em cidade do Balneário de Camboriú, promovida pela extrema direita brasileira reuniu a nata de políticos conservadores e subservientes ao imperialismo norte americano trumpista. A presença da figura caricata de Milei, que abriu mão de participar do encontro da cúpula do Mercosul para estar nesta conferência, lacrou seu desdém ao necessário processo de fortalecimento de integração regional entre os países membros.

É inacreditável conceber que há, entre brasileiros, adeptos a essas sombrias lideranças cultuadoras do mais abjeto conservadorismo retrógado que nada tem a oferecer, nem mesmo o mínimo aceitável às mentes mais alienadas da realidade. No encontro fatídico, o histriônico Nikolas Ferreira, projeto de liderança extremista de direita, comparou o seu obscuro líder imorrível como o Messias injustiçado. 

A metamorfose da verdade tem se intensificado tanto, que surpreende qualquer lapso de bom senso, ora restante entre os que apostam nas mais espúrias lideranças surgidas em meio ao caos das democracias. A estratégia da mentira é habilmente articulada em nome do projeto de poder dos extremistas de direita. Uma mentira repetida muitas vezes torna-se uma verdade inquestionável, como afirmou Joseph Goebbels, ministro da propaganda na Alemanha Nazista.

Os radicais emaranhados em suas ideias fascistas utilizam as redes sociais, com comunicações curtas e assertivas para captarem a atenção das pessoas menos informadas ou com menor discernimento sobre a realidade. 

O aplicativo Tik Tok tem sido campeão na veiculação de mensagens de obscurecimento da realidade dos fatos ou de propaganda eleitoral enganosa. Os memes e vídeos curtos, fabricados pela inteligência artificial, ou por pessoas pagas pelos políticos, a fim de mobilizar aderência ao que desejam inculcar nas mentes, vão tomando conta de variados espaços da rede social por meio dos compartilhamentos decorrentes.

A votação expressiva dos jovens argentinos em Javier Milei, por exemplo, foi alavancada por sua comunicação ativa nas redes sociais, com a imagem de um economista ultraliberal e antissistema, que prometia uma virada radical nos destinos do povo argentino. Durante a campanha eleitoral para presidência no segundo maior país da América Latina, o então candidato de oposição, ao utilizar o aplicativo Tik Tok, respondia pelo apelido “Javi” a perguntas feitas por uma voz. Esses vídeos curtos resultavam em milhões de visualizações, expandindo a imagem do suposto salvador do país. A estratégia visava angariar apoiadores cansados pelas promessas não realizadas pelo partido peronista. “Javi” soube aproveitar as frustrações do povo que tem sofrido, a algum tempo, pelos índices de inflação em absoluto descontrole. Perto de completar um ano de governo, a situação da Argentina tem piorado muito e as promessas de redenção econômica não tem dados os frutos prometidos. O país vive a pior situação de empobrecimento da população. 

No Brasil, os políticos da extrema direita, além da utilização de comunicações duvidosas nas redes sociais sobre os mais variados temas, fazem uso da religião, principalmente do evangelho neopentecostal para obter maior aderência em pautas de costumes, tão em voga pela ala pseudo conservadora do congresso. Repetem versículos da bíblia com o fim de validarem o que professam e amealhar, deste modo, a fidelidade dos que os seguem em seus redutos eleitorais.

O episódio das joias, doadas ao Brasil pela Arabia Saudita, e apropriadas pelo ex presidente da república, Jair Bolsonaro, com a participação de militares de altas patentes do staff de seu governo em negociações fraudulentas para a venda dessas doações, bem como os discursos do presidente argentino Javier Milei e dos demais extremistas presentes ao encontro do Cpac, enaltecendo as qualidades morais de Bolsonaro, fazem parte da absoluta transmutação da verdade. Para os participantes na conferência conservadora e liberal, seu líder “imexível” é injustamente perseguido pela justiça brasileira.

Outro abuso sobre a boa-fé das pessoas, são as contumazes fakes News, termo inglês para a veiculação de informações falsas. Segundo pesquisa do Instituto Locomotiva, publicada com exclusividade na agênciabrasil.ebc.com.br, em 01/04/24, cerca de 90% dos brasileiros admite ter confiado em informações falsas. Os dados pesquisados ainda demonstram que de cada 10 brasileiros, oito já depositaram confiança nas falácias.

Em pleno período pre eleitoral para gestores municipais e vereanças em mais de 5,5 mil municípios do país, temos que ter absoluto cuidado com o fenômeno da metamorfose da verdade, por ser uma tendência mundial adotada, prioritariamente, pelos candidatos da extrema direita que apreciam o modus operandi de transformar a verdade em mentira. 

No decorrer do governo do inelegível estiveram em voga as lições nazistas, as orientações do milionário de extrema direita Steve Bannon, o exímio articulador de mentiras, amigo de Trump e dos Bolsonaro, o desvirtuamento das atribuições da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e as sistemáticas mentiras propagadas pelo gabinete do ódio. Enquanto escrevo este artigo, acabo de saber que a polícia Federal realiza, nesta quinta-feira (11/07/24), a 4ª fase da operação “Última Milha” para investigar a organização criminosa que monitorava ilegalmente as autoridades públicas, a fim de jorrar nas redes a produção de notícias mentirosas. Para tanto, utilizavam a estrutura paralela da Abin. 

Segundo reportagem da agenciabrasilebc.com.br: “Os investigados, segundo a corporação, podem responder pelos crimes de organização criminosa, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, interceptação clandestina de comunicações e invasão de dispositivo informático alheio”. 

Nesta operação, a Polícia Federal investiga ex servidores que estavam locados na Abin, os produtores das fakes News do “gabinete do ódio, criado durante o governo do ex presidente Jair Bolsonaro. Até o presente momento foram realizadas quatro prisões: Giancarlo Gomes Rodrigues⁠, Matheus Sposito, assessor na ocasião da Secretaria de Comunicação Social (Secom),⁠ Richards Dyer Pozzer e Marcelo de Araújo Bormevet. A verdade nestes tempos adversos ao Estado de Direito, parecia não ter sentido.

Conforme o genial Fernando Pessoa escreveu em sua obra Desassossego: “As figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais”. Portanto, não se deixem levar pelas figuras imaginárias de Trump, de Bolsonaro, de Tarcísio, de Milei, de Marine Le Pen entre outras tantas figuras espalhadas pelo mundo, além dos vulgares e nocivos políticos brasileiros eleitos nessa onda para o congresso. Creiam! Eles se limitam a produzir a metamorfose da verdade.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: