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    João Antonio

    João Antonio da Silva Filho é Mestre em Filosofia do Direito e atualmente preside o Tribunal de Contas do município de São Paulo

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    A moral do poder

    O que é a moral? Trata-se de um conjunto de valores, normas e noções sobre o que é certo ou errado, proibido ou permitido, dentro de uma determinada sociedade. Assim, a moral tem a ver com os valores que regem a ação humana enquanto inserida na convivência social.

    Pois bem, estamos vivendo uma época em que alguns autocratas tentam impor sua moral como mero instrumento de hegemonia política. Tentam, pela individualização de condutas, dissociar a moral das condições objetivas existenciais.

    É como se o meio e suas condições materiais em nada influenciassem as posturas subjetivas dos humanos ou que suas condutas não ressoassem para toda a sociedade. As fraquezas humanas, digo, suas limitações cognitivas, sua incapacidade de superar sozinho obstáculos econômicos, eventos da natureza, suas incertezas quanto ao futuro – vistos do lado meramente metafísico – sempre foram encaradas como uma limitação individual, – um “defeito” do indivíduo.

    Em consequência, jamais as regras, a disciplina, as sanções, inclusive aquelas inevitáveis – aparecem em seu sentido prático, postas para o mundo real com todas as suas consequências. A moral passa a operar na vida dos indivíduos de um modo personalíssimo, sem nenhuma interação com o mundo dos fatos.

    Ao separar a formação moral de cada indivíduo do mundo dos fatos, ela, a moral, fica sempre relacionada ao obscuro, algo a ser proclamado pelos sábios ou por uma espécie de divindade que, a priori, sabe o exato comportamento a ser adotado por todos.

    Na prática, é uma tentativa de padronização alienígena modelada por uma verdade “do além”. Basta o indivíduo adotá-la e a humanidade seguirá seu curso nas expectativas da vida eterna. Assim, todos levarão uma vida “normal”, de preferência sem interferir naquilo que de fato organiza a vida em sociedade, a real política (realpolitik).

    Assim, para aqueles que estão no “bem bom” – a elite econômica e a casta do poder -, iludir “desavisados” passou a ser um excelente negócio. Um jeito para manter seus privilégios. A paciência dos “de baixo”passa ser virtude; a expiação pelos pecados, um conforto; e o conformismo com os privilégios do establishment, sinônimo de bons modos.

    A expressão “grandeza moral”, aos olhos dos que desejam manter o status quo, passa a ser um limitador da liberdade alheia, um jeito eficaz de fazer o dominado, quase sempre de baixa instrução, um alienado conformado.

    Esta moral imposta pelos “de cima” vem acompanhando a história da humanidade. A resistência dos inconformados não foi suficiente para refreá-la ou estimular modificações substanciais.

    A moral dominante continua a ser um estímulo ao conformismo: ora incentivando o individualismo competitivo, ora prometendo recompensas após a morte, o fato é que a humanidade segue, com poucos acumulando riquezas e a imensa maioria na pobreza absoluta.

    Nessa visão elitista da moral, o poder ao invés de utilizar a educação como um fator libertador, democratizando informações e conhecimentos para tornar o indivíduo menos dependente, ao contrário, a instrumentaliza para, habilmente, subjugar a pobreza de modo que o indivíduo aceite sua condição social como se fosse uma deficiência própria.

    Essa ilusão liberal ideológica, moral, metafísica e religiosa vem tomando proporções assustadoras. Ao debitar o fracasso única exclusivamente ao indivíduo, o conceito de liberdade é relegado a mero assistencialismo, de modo que a prática da caridade substitui a solidariedade no seu conceito socialmente admitido. Daí o individualismo competitivo acaba por sufocar os aspectos relevantes da individualidade, exaltando a liberdade como sinônimo de competitividade – liberdade para acumular mais riquezas sem dar satisfação à sociedade.

    A tendência do poder econômico consorciado ao poder político liberal é separar os indivíduos, uma espécie de “dividir para reinar”, e impedir que gestos de solidariedade possam socialmente estender-se e ganhem aspecto de organização da coletividade. Separar a formação moral da política, da economia, ou seja, da correlação de forças presente na sociedade, é o mesmo que impedir o povo de construir sua cultura nas contradições e delas possibilitar as soluções coletivas.

    É que a história é produto dos fatos, e fatos são produto da vida em sociedade e de interpretações históricas construídas nas contradições. Novos costumes, novos valores éticos, forjados na realidade, serão protagonistas de novas conquistas civilizatórias.

    A vontade do poder pode retardar por um tempo as transformações sociais, mas nunca irá conseguir deter a marcha da humanidade.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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