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Elisabeth Lopes

Advogada, especializada em Direito do Trabalho, pedagoga e Doutora em Educação

35 artigos

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A realidade invertida

"O discurso progressista tem de se transformar em absoluta prática a despeito de transformar-se em apenas vendedor de ilusões", escreve Elisabeth Lopes

Ato bolsonarista na Avenida Paulista (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

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Inicio este texto trazendo alguns questionamentos densos e complexos citados de modo recorrente pelos pensadores de esquerda: Que mecanismos obstaculizam a revelação do real para boa parte do povo? Que saídas as pessoas têm para escapar dos véus obscurantistas que guardam, em si, estratégias de inversão da realidade, ou na melhor das hipóteses, de inversões por meias verdades? Como furar essa bolha em direção a uma problematização consciente sobre a materialidade social, política, ética, econômica e cultural de uma sociedade?

O anunciado fenômeno do avanço da extrema direita não só numa porção sul do continente americano, mas na União Europeia, denominado por alguns jornalistas como Trumpismo, nos assusta. 

Na semana passada nos deparamos com resultados alarmantes nas eleições para o parlamento da União Europeia que ameaçam as bases da democracia nesse continente. A virada para a extrema direita, tanto na Alemanha, como na França nos leva a pensar sobre o que motiva uma parcela do povo europeu na escolha de representantes retrógados, ultra conservadores, xenófobos, racistas. 

É difícil compreender a eleição de extremistas que advogam um Estado autoritário e policialesco. Manifestam-se contra a pauta ambiental, contra a diversidade cultural de origem étnica, de gênero, de orientação sexual e de outras formas de não reconhecimento do outro por ser diferente. E como se não bastasse revelam-se contra qualquer ingerência de políticas públicas de bem estar social para os menos favorecidos, ou contra políticas de integração aos imigrantes africanos, asiáticos e latinos, entre outros aspectos inaceitáveis do devir humano. 

 A implosão do neoliberalismo, a estagnação da economia europeia, a concentração de renda nas mãos de uma minoria, o empobrecimento da população e a falta de melhores perspectivas de vida e de trabalho produz a ascensão do extremismo na política.  

O povo descontente e desesperançado passa a ser presa fácil para candidatos antissistema, sobretudo a camada da população que está no início de sua vida produtiva. Este fenômeno aconteceu na eleição presidencial da Argentina com Javier Milei, que teve a maioria de seus votos entre os jovens já esgotados pelas promessas de prosperidade social pelos governos peronistas. Desiludidos pela falta de melhores oportunidades de emprego e de uma melhor inserção social, votaram no “economista libertário e extremista de direita”.

No Brasil assistimos o crescimento de movimentos ideológicos extremistas, a exemplo da Europa e dos Estados Unidos. Parte considerável do povo quase reelegeu o Bolsonaro,  apesar de todas as atrocidades cometidas contra a vida, das tentativas de apropriação de bens pertencentes à união, do desvio das funções de órgãos de governo a favor de propósitos inconcebíveis, da corrupção em ministérios, da falsificação de documentos, da prevaricação, da tentativa de golpe ao Estado de Direito e do terrível arrocho econômico imposto à população em seu governo. 

Nessa dinâmica assustadora, a composição do Congresso Nacional Brasileiro é o mais robusto exemplo do quanto o povo é vulnerável aos vários mecanismos de dominação.  A bancada extremista amealhou vários assentos na Câmara Federal e no Senado na onda do bolsonarismo.

Os candidatos da extrema direita atuam com promessas atraentes, nem sempre realizáveis. Suas pautas são excessivamente conservadoras e atendem a parte do povo que não se sente representada pelo avanço e reconhecimento, em períodos democráticos, de outras pautas não condizentes com suas crenças retrógadas. 

Outro aspecto coadjuvante nesse fenômeno de retrocesso reside na lavagem cerebral feita pela mídia comercial, patrocinada pela classe dominante, que manobra diuturnamente o desgaste dos governos progressistas.  

A teologia da prosperidade como mote das igrejas neopentecostais e a apologia à pauta de costumes por meio de pregações travestidas de um conservadorismo arcaico e reacionário constitui outra razão do avanço do extremismo.  Um exemplo incontestável da ingerência do fundamentalismo religioso em direitos do povo, resulta no absurdo das proposições previstas pelo Projeto de Lei 1904/2024, que equipara o aborto acima de 22 semanas como crime de homicídio, mesmo nos casos de estupro de vulnerável. Estes exemplos constituem apenas alguns, entre tantos modos de retrocesso. Essa lei reflete de modo incontestável o cinismo e a crueldade dessa extrema direita fundamentalista que não só quer agredir a vida das vítimas de estupro, mas também testar o governo progressista sobre o tema. Nas palavras do autor do projeto, deputado Sostenes Cavalcante (PL-RJ), “a bancada evangélica vê como um "teste" para o presidente Lula, se ele vetar o projeto” (disponível em brasildefato.com.br).

São várias vozes fetichizadas a tumultuar os ouvidos das pessoas e a materializar nas mentes a visão invertida da realidade, imposta habilmente por vários meios institucionais. A insatisfação do povo que vai buscar as aparentes saídas oferecidas pelas propostas vazias da extrema direita resulta no atual quadro de avanço dessa fase de absoluto atraso.

Neste sentido, como romper com a lógica invertida sobre as pautas de costume, sobre aspectos sociais, econômicos, políticos e ético culturais das sociedades na lógica neoliberal perversa? É necessário e urgente dar respostas às insatisfações reveladas por parte do povo desiludido com a atual configuração estrutural dos países neste período controverso do neoliberalismo e da polarização exacerbada. 

Um dos caminhos de luta contra a barbárie extremista foi apontado pelo Presidente Lula em recente discurso proferido no Fórum da Organização Internacional do Trabalho em Genebra, no dia 13/06/24:

Em 2024, o maior número de eleitores da História se dirigirá às urnas. Quase metade da população mundial participará de processos eleitorais, renovando as esperanças de um futuro melhor. A democracia e a participação social são essenciais para a conquista de direitos trabalhistas. Sem a democracia, um torneiro mecânico jamais teria chegado à Presidência da República de um país como o Brasil. Os ataques à democracia historicamente implicaram a perda de direitos [...]. O extremismo político ataca e silencia minorias, negligencia os mais vulneráveis e vende muita ilusão. A negação da política deixa um vácuo a ser preenchido por aventureiros que espalham a mentira e o ódio. A contestação da ordem vigente não pode ser privilégio da extrema direita. A bandeira anti hegemônica precisa ser recuperada pelos setores populares progressistas e democratas. (Disponível em https://www.gov.br) 

As sociedades democratas, portanto, têm de ouvir atentamente os anseios da parcela que tem migrado para escolhas de políticos de extrema direita, a fim de repensar alternativas que respondam aos seus inconformismos. Essa ação deve estar baseada em uma escuta dialógica, além de constituir um dos principais objetivos das pautas governamentais de espectro progressista.

Como referi no início deste texto, o questionamento sobre os mecanismos que obstaculizam a revelação do real é denso e complexo, mas não impossível para romper com a realidade invertida. Conhecer, interpretar e analisar saídas para esse fenômeno mundial de radicalização extremista e reacionária deve ocupar, de uma vez por todas, as agendas políticas de todo o governo que se diz democrático. O discurso progressista tem de se transformar em absoluta prática a despeito de transformar-se em apenas vendedor de ilusões.   

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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