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    José Álvaro de Lima Cardoso

    Economista

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    A tenebrosa transação da Eletrobrás

    As empresas que comprarem a Eletrobrás não construirão nada e nem deverão contratar ninguém. Pelo contrário, pegarão o patrimônio enxuto e com investimentos feitos anteriormente como sempre ocorre nas privatizações

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    *José Álvaro de Lima Cardoso

    A Medida Provisória (MP) que viabiliza a privatização da Eletrobrás, foi sancionada no dia 13 de julho pelo executivo federal. A medida já tinha sido aprovada pela Câmara no dia 21 de junho. Os vetos feitos à MP pelo governo, foram justamente os de dispositivos que aliviariam um pouco os impactos da medida para os trabalhadores: aspectos que mencionavam a aquisição de ações com descontos por parte de funcionários, que proibiam de extinguir algumas companhias do grupo e a cláusula que obrigava o governo a reaproveitar funcionários por um até um ano. Ou seja, todos os vetos do governo federal foram para prejudicar ainda mais os trabalhadores, como já se podia esperar.

    As empresas que comprarem a Eletrobrás não construirão nada e nem deverão contratar ninguém. Pelo contrário, pegarão o patrimônio enxuto e com investimentos feitos anteriormente como sempre ocorre nas privatizações. Na conversão de empresa estatal para privada, o aumento automático da tarifa entra limpo nos seus caixas, puro lucro. A promessa com a privatização do setor (assim como acontece com as privatizações em geral) é que o Estado diminuiria a dívida pública e ainda investiria mais em educação, saúde e segurança. Mas alguém acredita nessa estória da carochinha? Um governo que está destruindo a educação pública e sucateando o SUS, ao mesmo tempo em que mantém um orçamento secreto para liberar verbas para os aliados no Congresso, irá expandir investimentos em educação e saúde?

    Há uma relação direta entre privatizações e desnacionalização da economia. Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas, após o golpe de 2016, houve mais de 15 operações de fusões no setor elétrico, que somaram quase R$ 86,2 bilhões em valor de empresa. Desse total, R$ 80,5 bilhões (mais de 93%) representaram aquisições em que os compradores eram empresas estrangeiras. Ter um sistema internacionalizado neste complexo setor de energia elétrica representa um tremendo problema para o país. A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica, que regula o setor), para fiscalizar todo esse sistema continental, tem 300 funcionários (se ainda os tiver). Só a Agência Reguladora do Setor Elétrico dos EUA tem 1.500 funcionários e cada estado do país tem uma agência do setor elétrico.

    O governo vai realizar a privatização da Eletrobras após uma série de investimentos públicos no setor. Provavelmente, muitos dos investimentos que foram feitos em estações e linhas vão aparecer pós-privatização como se fosse uma grande obra do setor privado. Esse é um aspecto simplesmente inacreditável da privatização no Brasil. A burguesia brasileira, e seus apaniguados, fazem, mais uma vez, cortesia com o chapéu alheio. Os investimentos públicos realizados na Eletrobras foram feitos com dinheiro do povo brasileiro, que, nas privatizações, é torrado como se fosse pão velho.

    Um dos problemas da internacionalização da economia ocorre no balanço de pagamentos. Ao lado dos bancos, as empresas de energia foram as que obtiveram mais lucros em anos anteriores. E, por serem, em sua maioria, estrangeiras, todo o lucro é remetido ao país de origem das empresas sem ser reinvestido no Brasil. Nosso grande potencial hídrico cobra tarifas muito altas e drena todo esse lucro para fora do país.

    Ao contrário do que ocorre no Brasil, Estados Unidos, China e Canadá mantêm o domínio do setor elétrico. Nos EUA, a maior parte é controlada publicamente pelo governo federal, em grande parte inclusive pelo próprio exército americano. Naquele país o Corpo de Engenheiros do Exército é o maior operador de energia elétrica, controlando as grandes barragens de John Day, The Dalles e Bonneville. Na China, a estatal Three Gorges Corporation controla a maior hidrelétrica do mundo, a Três Gargantas. No Canadá, o setor é controlado por companhias dos governos provinciais, semelhantes aos governos estaduais brasileiros.

    A Eletrobras tem 47 usinas hidrelétricas responsáveis por 52% de toda a água armazenada no Brasil e 70% dessa água são utilizados na irrigação da agricultura. Imaginem tudo isso nas mãos de uma empresa privada, provavelmente estrangeira, que só se interessa pelo lucro? Uma usina hidrelétrica jamais deveria ser privada porque ela tem a “chave do rio”. Ela armazena água para que em época de seca, como agora, tenha como transformar a água em energia. Mas cada gota utilizada na transformação da água em energia é uma gota a menos para o abastecimento.

    A privatização da Eletrobras, além de provocar demissões no próprio grupo, vai impactar também os empregos de trabalhadores de outras áreas (por exemplo, turismo) que dependem de atividades na água, já que as hidrelétricas definem o fluxo de muitos rios. Imagine isso na mão de empresas privadas estrangeiras? Onde acontece a privatização de empresa pública de energia elétrica, é garantido que vem o aumento de preços. O consumidor não vai ter alternativa, e sem garantias de uma prestação de serviço de qualidade, sem garantia de investimentos das empresas privadas, haverá apagões energéticos no futuro.

    Como a desgraça sempre vem acompanhada, governo e congresso encaminham a privatização da Eletrobrás durante a mais grave crise hídrica da história do país. O ONS (Operador nacional do Sistema Elétrico) vem  registrando sucessivos recordes históricos de níveis críticos na quantidade de chuvas sobre os principais reservatórios desde setembro de 2020, quando começou a última temporada hidrológica úmida nas principais bacias do país. Segundo as informações, no ano passado e neste, alguns meses registraram as piores frequências de chuvas de que se tinha conhecimento até hoje, numa referência que remonta ao ano de 1931. Simulações realizadas pela ANEEL, confirmam uma previsão de grande severidade hidrológica no segundo semestre de 2021. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) declarou situação crítica de escassez de recursos hídricos na bacia do rio Paraná, uma das mais importantes do país.

    Em situações normais, entregar para a iniciativa privada um patrimônio estratégico como a Eletrobrás já seria criminoso. Imagina quando isso é encaminhado pelo pior governo da história, que provocou a morte de milhares de brasileiros por descaso, acusado de montar um balcão de negócios para ganhar propina com a intermediação de vacinas? E isso tudo em meio à maior crise hídrica da história?

    Como se tudo isso fosse pouco, o governo espera arrecadar com a venda da Eletrobrás, holding que detém o controle acionário das estatais federais de energia elétrica, algo em torno de R$ 60 bilhões. Estimativas confiáveis avaliam o patrimônio da empresa em quase R$ 400 bilhões. Somente em 2018, 2019 e 2020 gerou lucros líquidos de R$ 31 bilhões, mais da metade do valor que o governo estima arrecadar com a privatização. Alguém, além dos bilionários que irão adquirir esse patrimônio a preço de banana, poderia estar de acordo com uma transação tenebrosa como essa?

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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