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Camilo Irineu Quartarollo

Autor de nove livros, químico, professor de química, com formação parcial em teologia e filosofia.

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A velhinha da lambreta

Temos a terceira maior população carcerária do mundo e desta 30% são devidas à aplicação das leis de drogas

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Stanislaw Ponte-Preta escreveu A velhinha contrabandista, em cujo conto o cronista descreve uma velhinha simpática que passa diariamente pela blitz na fronteira, aparentemente sem nenhuma muamba. A idosa carrega somente um saco de areia atrás da lambreta, mas nada de ilícito. Sempre com a lambreta e somente um saco de areia! O fiscal da alfândega estava com esse grilo – de que era muamba, o tal já não suportava mais a mesma velhinha.

Esse conto tem a ver com a política de drogas míope e punitivista, como a velhinha da lambreta, da areia, mas a muamba onde está? 

Temos a terceira maior população carcerária do mundo e desta 30% são devidas à aplicação das leis de drogas. Há um ditado antigo de nossa zona de canaviais que era “plantei maconha, colhi cana” – cana, encanar, cadeia. 

Os Estados Unidos, Canadá, Portugal e outros países legalizaram o uso, a pesquisa e o cultivo para fins industriais e medicinais dos derivados da maconha, aos portadores de autismo, epilepsia, Alzheimer, fibromialgia, depressão, ansiedade e enxaqueca crônica. No Brasil também se caminha no sentido de liberação do Canabidiol para doenças específicas, mas essa é uma maconha de laboratório, com alto grau de pureza e sem efeitos psicoativos, mas de relaxamento. Há também o chamado ‘uso recreativo’ entre os aficionados, para uso solitário ou em festas com os amigos. Contudo, a droga do usuário pobre é a mais barata, ruim e à mão. Para comprar o bagulho o tal vende a mobília da casa, o anel da mãe, os livros dos filhos, o crucifixo da avó, para sobreviver aos calafrios da abstinência nas ruas frias da Cracolândia, onde ladrões, usuários e traficantes se confundem nas batidas da polícia. 

A velhinha contrabandista passou mais uma vez e a atenção do fiscal era para o saco de areia! Quantas vezes mais?

A Defensoria Pública de São Paulo recorre no Supremo de um caso para definir o porte de drogas para consumo pessoal, proteger a intimidade e vida privada do impetrante. Os proibicionistas das drogas dizem que o judiciário está usurpando as funções do Congresso, mas se trata de um recurso extraordinário, paralisado há quase oito anos na Corte, do qual o judiciário não pode se omitir.

O problema das drogas não está na quantidade portada por um pequeno traficante ou usuário, mas é um assunto mais complexo e amplo, cuja temida solução passa por discussões corajosas e o Congresso não pode ser omisso. Até agora o discurso proibitivo dos políticos de Direita em relação a drogas, mas ávidos por cargos, ministérios do executivo e votos nas próximas eleições.

Estatisticamente, as mesmas quantidades de maconha dão prisões a pobres mas status de usuários a bem nascidos.  

O fiscal da alfândega aposentou-se e a velhinha não contrabandeava drogas ou areia, mas... o fiscal estava distraído. Ora, lambretas são legalizadas, têm registros, placas, que o fiscal não consultou. Era isso que contrabandeava nos bigodes da lei. Lambretas!

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