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    Gustavo Conde

    Gustavo Conde é linguista.

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    Abertura para a morte

    "As cenas e as imagens que hoje ganharam o país correrão o mundo e deixarão evidente que a responsabilidade pelo genocídio em curso que se aprofunda nesta terra não é apenas de Bolsonaro e do jornalismo conivente e testemunhal que miseravelmente por aqui se criou: é nossa, é sua, é minha", diz o colunista Gustavo Conde, sobre a abertura do comércio no país

    Centro de Campinas-SP (Foto: Prefeitura de Campinas)

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    Os bolsonaristas não são gado. Para ser gado, há de se ter alguma atividade neuronal e algum senso de coletividade.

    Bolsonaristas não têm isso.

    Bois, quando se encaminham para o abate sabem que vão morrer. Não sou eu quem diz isso, mas os próprios abatedores. Os animais sentem o cheiro da morte, remancham, resistem, emitem sons lancinantes.

    Bois têm alguma consciência, bolsonaristas nem isso têm.

    O gado real somos todos nós, o povo brasileiro. Neste momento, estamos caminhando para o abate plenos da consciência da morte, mas sem qualquer possibilidade de reagir, como os bois fortes, saudáveis e vacinados da JBS.

    Cumprimos uma missão, a missão de salvar as vidas do gado de cima, os bois bilionários, os bois publishers, os bois vieiralimers, os bois empresários.

    Gado também tem luta de classe.

    E nesse matadouro em que se transformou o Brasil, não há distinção etária. Bezerros, novilhos e machos adultos são todos encaminhados na fila da morte.

    Os espécimes de idade avançada nem deveriam estar circulando pelo pasto, pois "só dão despesa e a carne é magra". O que a reforma da previdência não fez, o vírus faz, diria este governo matador.

    Na distopia das distopias, a pitoresca 'frente ampla' é ainda o rebanho das cabeças espertas, que se esfregam no poder do curral e querem viver um pouco mais para prosseguir esmagando a população bovina com a ração do neoliberalismo desossado - sem o esqueleto das leis e só com a carne moída do seviciamento.

    O gado somos nós.

    Tome-se as ruas das cidades brasileiras neste dia de 'adeus, quarentena' e constate-se: o brasileiro decidiu pela morte.

    As ruas estão mais lotadas do que todos os matadouros brasileiros juntos em dia festivo de queima de estoque.

    A pergunta filosófica que não quer calar é: quem, afinal, disse que o ser humano tem consciência da morte?

    É muita pretensão dizer que o ser humano tem consciência da morte. É a mentira do século e dos séculos, a pós-verdade apocalíptica do ano para o Dicionário Oxford, a fake news mais extravagante da filosofia eurocêntrica, erigida na máquina de moer carne sub literária vagabunda do racismo e do supremacismo.

    Os europeus fracassaram diante da covid. O Ocidente fracassou diante da covid.

    O Brasil?

    Nem se pode falar em fracasso no Brasil, porque o que ocorre aqui é muito mais do que um fracasso. Fracasso seria um elogio e tanto para o país que dá curso consciente ao maior genocídio assistido, institucionalizado e tolerado por quase todos os setores de comando de uma sociedade apodrecida pela ausência de caráter de suas elites.

    Belisque-se, querido leitor, você não está sonhando. Você está assistindo o país inteiro e a si mesmo - e a este bovino missivista - diante do caminho assentido da morte, sem possibilidade de escolha, como no nazismo.

    As cenas e as imagens que hoje ganharam o país correrão o mundo e deixarão evidente que a responsabilidade pelo genocídio em curso que se aprofunda nesta terra não é apenas de Bolsonaro e do jornalismo conivente e testemunhal que miseravelmente por aqui se criou: é nossa, é sua, é minha.

    Somos dóceis com a morte. Somos cordiais com a morte. Somos amigos, calorosos e solícitos com a morte. Receber de braços abertos a morte é um gesto, afinal, de desprendimento e redenção. Para quê essa mania ideológica insuportável de defender a vida a todo o custo? E o equilíbrio do ecossistema? E o direito à vida do vírus? E o que os vermes irão comer se não houver cadáveres amontoados pelas ruas e cemitérios?

    Estilos narrativos fúnebres à parte, o que mais choca nesse vexame em que a sociedade brasileira mergulhou depois do golpe de 2016, é que a abertura da quarentena é lida pelo povo como uma festa.

    Crianças querem ir ao shopping. Adolescentes querem passear pelas ruas. Trabalhadores exaustos sem dinheiro querem aliviar a tensão da impossibilidade de conviverem consigo próprios no 'isolamento desumano' decretado "à meia porta" pelos governos estaduais, desfilando nas vielas de comércio sem ter um centavo para gastar, mas apenas para aceitar docemente a morte como energia simbólica que justifique a perda de uma vida sem sentido e sem futuro.

    E não nos enganemos: a elite está guardadinha em casa, protegida, contando os dias e os mortos para se apoderar da terra arrasada cheia de oportunidades em que vai se transformando o cadáver-Brasil.

    Brasil, o país que oferece ao mundo um legado incomensurável, maior do que a superação do nazismo. O país que promoveu o suicídio coletivo de todas as suas instituições, de todos os seus poderes, de toda sua história, de toda a sua combalida e jovem democracia e de todos os seus cidadãos.

    A analogia de Bolsonaro a Jim Jones - o religioso fanático que induziu ao suicídio coletivo 918 pessoas na cidade Jonestwon, na Guiana, em 1978, incluindo 300 crianças assassinadas pelos pais - não é mais uma metáfora, assim como 'governo nazista' também não é.

    Bolsonaro é pior do que Jim Jones. Jim Jones, na verdade, foi uma 'prévia' para Bolsonaro, um 'aperitivo', um 'prenúncio', um 'aviso'.

    O verdadeiro suicídio coletivo em massa que entrará para os anais da história mundial é o Brasil de Bolsonaro, o Brasil do golpe de 2016, o Brasil de FHC, o Brasil de Temer, o Brasil da Rede Globo, o Brasil do ódio, do deboche, do fanatismo, da comunicação de guerra.

    Enfim. O Brasil fez a palavra 'distopia' parecer um lanche da tarde na casa da vovó.

    Mas tiramos o PT.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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