Afeganistão: xaria ou jugo imperialista
O imperialismo foi derrotado depois de 20 anos de ocupação. Comemoramos ou choramos pela derrota da "democracia" no Oriente Médio?
Por Henrique Simonard, DCO
Na manhã do domingo (16), durante uma reunião entre companheiros, um deles interrompeu a discussão eufóricamente: “Eles venceram! Os talibãs tomaram Cabul!”, todos nós comemoramos imediatamente. Durante o dia não fiquei surpreso em ver que nossa felicidade não foi compartilhada pelos bem pensantes de selo verificado do Twitter. Todos muitos tristes. “Venceram os bárbaros, agora prevalecerá a xaria”, “pobres mulheres e homossexuais afegãos”.
Embora não tenha ficado surpreso, confesso que fiquei espantado com o cinismo e, sejamos justos, a confusão de certos setores que choravam as pitangas. Explico meu espanto: para esses setores dos prantos crocodilescos, seria melhor para os afegãos que prevalecessem os exércitos imperialistas, os soldados estrangeiros de mais de 20 países que ocupavam o território há pelo menos duas décadas. Confesso que me parece uma ideia absurda. O leitor pode querer me fazer a seguinte pergunta “Mas Henrique, como não vê que agora prevalecerá a xaria? Vão mandar estes homens cis, héteros e barbudos. Homofóbicos, machistas e misóginos. Esses monstros adoradores de Alá. Bárbaros, destruidores da cultura e do patrimônio da humanidade” e caso o fizesse eu seria obrigado a perguntar de volta: “o que esperavam? Que vencessem os mocinhos de cavalo branco?”. Seria certamente uma resposta que não ajudaria muito no debate, por isso me esforçarei de escrever o mais didaticamente que sou capaz para ver se compreendeis que para a população do Afeganistão, e do mundo inteiro, trata-se de uma grande vitória.
Primeiro é preciso colocar as coisas em perspectiva: estamos falando de um país com décadas de ocupação, primeiro os soviéticos e depois os norte-americanos e a OTAN. Um povo que foi privado de sua própria soberania, que foi invadido, bombardeado diversas vezes. Os EUA invadiram o território em 2001, sob o pretexto infundado de que Bin Laden (de origem saudita), que teria atacado as Torres Gêmeas, acusação até hoje não comprovada, estaria escondido no Afeganistão. Desde então, os imperialistas mataram pelo menos (segundo os dados disponibilizados pela Wikipédia, o que pode variar) cerca de 200.000 de civis e transformando mais 8 milhões em refugiados. Tudo isso não foram os talibãs que começaram, que, veja bem, nem sequer são a mesma coisa que a Al Qaeda de Bin Laden, mas sim os bondosos exércitos norte-americanos e europeus. Antes mesmo da invasão dos EUA em 2001, houve a guerra de 1979-89 quando, para expulsar os soviéticos que haviam recém ocupado o país, Estados Unidos, Reino Unido e Arábia Saudita financiaram a criaram as forças Mujahidins que depois viriam a se tornar os talibãs. Esta primeira guerra causou a morte de 2 milhões de civis e feriu mais outros 3 milhões. O legado desta guerra foi uma guerra civil que durou entre o fim da guerra em 1989 até o início da ocupação americana em 2001.
Os afegãos não tiveram paz nenhuma nesses últimos 40 anos. O que esperar de um país bombardeado por mais de 4 décadas cuja população foi massacrada, estuprada e humilhada por diferentes exércitos imperialistas? Um povo pacífico e progressista ou uma população empurrada violentamente para a barbárie e revoltada? O mundo é o que é, e a existência de extremistas religiosos que querem se vingar do ocidente não é mera coincidência ou um traço inerente à cultura muçulmana.
Fato é que 40 anos depois, a população afegã, ou pelo menos a parte organizada nas milícias jihadistas, venceu a guerra, e isto é motivo de felicidade para a população local, do Oriente Médio, e até latinoamericana. O que presenciamos domingo não foi a vitória do fundamentalismo religioso contra a democracia e a liberdade como quer apontar a imprensa burguesa, mas sim a vitória de um povo oprimido, e muito oprimido, sobre o imperialismo na forma mais forte e truculenta, que são os exércitos invasores da OTAN.
Mas e as mulheres e os homossexuais nisso tudo? Bom estes tinham três escolhas, primeira, torcer pela vitória dos imperialistas, os mesmo que destruíram as casas, hospitais e as escolas do país, imperialismo dos soldados estupradores e assassinos, o mesmo imperialismo que financiou e armou esses talibãs para começo de conversa; segunda, se juntar aos talibãs e expulsar os invasores do país; terceira e última, educar os exércitos em conflito sobre o decolonialismo e lugar de fala (alguma coisa os identitários conseguiram ensinar, afinal tanto os imperialistas como os talibãs destruíram estátuas milenares construídas por soberanos escravagistas que passaram antes por aquelas terras).
Brincadeiras à parte, é preciso entender o seguinte: embora o pequeno-burguês queira muito transformar a realidade segundo sua própria vontade, o Afeganistão é o que é: fruto de uma guerra violenta de mais de 40 anos, mas agora em 2021 essa guerra chega ao fim, com a vitória da população local, por mais atrasados que sejam os vitoriosos, ainda sim conseguiram um feito muito importante para o progresso não somente do país mas do mundo inteiro: expulsaram o imperialismo do país e consequentemente enfraqueceram-no a nível mundial.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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