Al Pacino e o destino
"Sua aceitação de qualquer coisa veio bem antes da queda, sem dúvida"
Leio no artigo “Al Pacino conta como a vida o levou ao topo do cinema e fundo do poço”, de Ana Paula Souza, publicado na Folha de São Paulo, que o grande ator lança o livro “Sonny Boy” e lembra como ascendeu com o Poderoso Chefão e faliu aos 70 anos, “aceitando qualquer papel”. Bom, a sua aceitação de qualquer coisa veio bem antes da queda, sem dúvida. Mas destaco os trechos que me interessam no artigo de Ana Paula Sousa:
“Em pequenas salas do Bronx, em Nova York, às quais a mãe o levava desde os três ou quatro anos. ‘Ela não sabia que estava me proporcionando um futuro’...
Na narrativa em que seleciona momentos-chave de sua trajetória, o ator forjado pela dramaturgia de Bertolt Brecht, Oscar Wilde, August Strindberg e William Shakespeare revela detalhes de uma das grandes eras do cinema americano, nos anos 1960 e 1970, quando despontou a chamada Nova Hollywood. Pacino já tinha sua turma e certo reconhecimento no teatro nova-iorquino quando Coppola, após vê-lo no palco, enviou-lhe um roteiro. O projeto não vingou, mas, meses depois, o diretor ligou para ele dizendo que filmaria "O Poderoso Chefão". ‘Aí, Francis disse que queria que eu fizesse Michael Corleone. Pensei: agora ele foi longe demais. Comecei a duvidar que fosse ele mesmo no telefone’...
O fim do anonimato causou, no entanto, grande impacto emocional no jovem cujo caminho tinha sido tortuoso. Ainda hoje, na escrita, parece ser custoso ao ator falar sobre o que carregava em si: a fratura emocional deixada pelo suicídio da mãe, quando ele tinha 21 anos; o abuso de álcool e drogas para aplacar a timidez e os vazios; e a dificuldade de traçar qualquer plano que levasse em conta o futuro."
Não li o livro, o meu conhecimento sobre a obra é o artigo de Ana Paula Sousa. Além do que conheço do seu trabalho no cinema. Mas creio que ocorre com Al Pacino o mesmo que com a maioria das pessoas, célebres ou não: elas atribuem a coincidências, dentro de uma força misteriosa do Destino, a felicidade ou a infelicidade do que lhes ocorre na vida. Passa longe da reflexão o que vem das circunstâncias favoráveis para que desabrochem em ação. Isto é, a Broadway e as telas do mundo não estão nem jamais estiveram para um gênio da representação como Grande Otelo. É claro. Como se cruza a linha do destino, que a cigana diz estar na palma da mão, com as forças da história e da sociedade?
Enquanto escrevo, recebo a notícia da morte de Cid Moreira. A repercussão dessa morte não é de espantar. O que espanta é saber como um apresentador de noticiário, leitor médio de textos, conseguiu chegar a tamanho lugar de fama. Destino? Notem que Cid Moreira possuía uma só máscara facial, que lia uma frase de Einstein com a mesma entonação da vida sexual da Madre Teresa de Calcutá. Igual. Ele não compreendia o mundo que cercava a notícia, ora, a notícia, ele não entendia sequer a frase à qual empostava a voz grave. Alheio absoluto ao mundo a que o grande Eliakim Araújo interpretava e entendia tão bem. No entanto, esteve nas telas da fama de todo o Brasil, dizem até que era compositor de música ao ler trechos da Bíblia! Mas como foi o seu destino bíblico? Atentem.
Aos 16 anos, foi a uma festa na casa de um diretor da Rádio Difusora de Taubaté, onde aparelhos de som estavam sendo instalados para a apresentação de cantores. Cid pegou o microfone para brincar e disse "Boa noite para vocês", imitando Carlos Frias, radialista que tinha uma crônica com esse nome sobre a Segunda Guerra Mundial. A brincadeira teve consequências. Algum tempo depois da festa, ele, que estudava para ser contador, foi pedir estágio no escritório de contabilidade da Rádio Difusora, mas acabou sendo levado ao estúdio para um teste. Tornou-se locutor aos 17 anos. Observem que o seu talento de voz grave estava em São Paulo, centro da economia do Brasil. E cruzou com as pessoas influentes que o indicavam a outras, que por sua vez o recomendavam, o resto já se sabe. Estava escrito nas estrelas. Se ele fosse um ótimo locutor a trabalhar no Recife, Fortaleza ou Salvador em tevê local, ah, nem com a proteção dos deuses do Olimpo. “Olimpo é um time?”, perguntaria Cid Moreira.
Mas voltemos ao grande Al Pacino e seu destino. Sem ter nem de modo mais distante o seu talento, eu também já quis ser ator. Estava em Água Fria, no Recife, por volta de 1965. Ah, isso ainda vai dar um conto humorístico ou trágico. Como eu declamava poemas no Colégio Professor Alfredo Freyre e os colegas gostavam, eu me disse, “levo jeito pra representar”. Agi. Procurei um indivíduo bem postado na sociedade recifense, empresário, mas que era ator do Teatro de Amadores de Pernambuco. Eu estava com a ousadia e loucura da minha necessidade. Então eu lhe pedi que me conseguisse um teste para o teatro no seu grupo. Ah, pra quê? Ele me olhou de cima a baixo e de olhos ferinos contra o adolescente franzino e malvestido, matou a vocação:
- Teatro pra você é entrar num mato sem cachorro.
E me deu as costas. Eu não sei até hoje se eu era o mato ou o cachorro. O “destino” então me fez desistir de ser ator. As condições sociais, históricas e de classe cortaram tão bela pretensão. Mas, graças a Deus todo poderoso, não perdi todo o abortado talento. Em lugar do teatro, me fiz escritor, onde imito, recrio e interpreto pessoas fora do palco. Contando a feia e bonita vida que eu vi e vejo. Ser e não ser.
Este é o destino. Os limites que todos sofremos de tempo, lugar e sociedade.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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