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    Sylvio da Costa Junior

    Doutor pela UFRGS; Conselheiro Nacional de Saúde – Entidade FIO; Conselheiro Municipal de Saúde de Florianópolis – Entidade CUT

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    As Conferências e a 17ª CNS

    Após o golpe de 2016, o SUS foi gravemente ferido. Durante o governo Bolsonaro o SUS não poderia ter caído em piores mãos

    SUS - Sistema Único de Saúde (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

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    Por Sylvio Costa Jr.

     Nos mais de 30 anos de existência desse adulto-jovem que é o nosso Sistema Único de Saúde, sem dúvida os últimos sete anos foram os mais difíceis de sua efetiva existência tal qual entendemos que o SUS deve ser: socialmente justo, integral na sua forma de cuidado e promotor de qualidade de vida a toda população.

    Após o golpe de 2016, o SUS foi gravemente ferido com a aprovação da emenda de teto de gasto — a famosa PEC da Morte — que promove uma perversão no financiamento do sistema, pois o SUS, que era subfinanciado, passou a ser desfinanciado. Somado a isso, tivemos um conjunto de políticas econômicas e sociais que tentaram restringir a participação social, como o duro ataque ao sindicalismo nacional e a constante hipertrofia do judiciário, sempre pronto a decidir pela ilegalidade das greves dos trabalhadores, quando não a própria prisão das lideranças sindicais e sociais.

    Durante o governo Bolsonaro o SUS não poderia ter caído em piores mãos. O presidente, irresponsável do ponto de vista social e sem apreço pela gestão da máquina pública, nomeou como seu primeiro ministro da Saúde o deputado Luiz Henrique Mandetta, autointitulado “amigo da ciência”. O amicíssimo da ciência, em seu pouco mais de um ano à frente do Ministério da Saúde, implantou o famigerado Previne Brasil (PB). Como já escrito em outro artigo nesse veículo, o PB é um cavalo-de-pau no financiamento da atenção básica, pois promove a regulamentação da PEC da Morte na atenção básica. Esse foi o papel do autoproclamado “amigo da ciência” em sua passagem pelo Ministério da Saúde.

    Despois tivemos nomeado como ministro o empresário do setor saúde Nelson Teich, conhecido como “Teich, o breve”. Após ficar alguns poucos meses à frente do Ministério, com seu aspecto sempre de cansaço e fadiga, a única coisa que se percebeu foi que ele era o homem errado, no lugar errado e no momento errado.

    Em seguida, tivemos o general trapalhão Eduardo Pazuello, os escândalos das vacinas superfaturadas, testes estragando em estoques federais, as mortes em massa por Covid, e o Ministério da Saúde gastando sua energia alterando bula de remédio antiparasitário para ser consumido como antiviral, normas técnicas sendo emitidas de forma apócrifa e o país em estado de choque. A CPI da Covid mostrou um show de aberrações em meio à pandemia — como, por exemplo, um PM malandro de Pouso Alegre, em Minas Gerais vendendo vacina ao Ministério mediante pagamento de R$ 1 de propina por frasco vendido — e a  estranha compra da vacina Covaxin sem aprovação da Anvisa e, ao mesmo tempo, o boicote a compra da vacina da Pfizer e da Coronavac.

    Após a saída do general de estimação do capitão, assume o Ministério o médico Marcelo Queiroga, uma espécie de Pazuello de jaleco. Óbvio que nada disso deu certo, e o Ministério da Saúde se encontra ao longo de quase quatro anos paralisado, sem programas robustos ou iniciativas de proa, apenas com patrulhamento ideológico a servidores e movimentos sociais. Chegado agora o período eleitoral, é sempre bom lembrar esses fatos, pois como se diz popularmente: na eleição até satanás se fantasia de sacristão.

    Importante notar o papel de destaque em defesa da vida, da vacina e do interesse do conjunto da população que os movimentos sociais tiveram e tem até hoje. O Conselho Nacional de Saúde teve um papel de destaque no combate ao obscurantismo, à negação da ciência, na defesa do SUS e de seu financiamento adequando.

    Na pandemia de Covid-19, foi clara a importância do controle social nos municípios e nos estados, fiscalizando governos locais na compra de vacinas, pressionando gestores para rápida aquisição dos imunizantes e rechaçando o uso de cloroquina para uso na população como antiviral, ou ainda, auxiliando municípios na organização da população para distribuição de vacinas. O controle social se mostrou vivo e presente no momento mais difícil da pandemia, cumprindo assim seu papel fundamental e que será lembrado na historiografia nacional, a defesa do interesse popular.  O controle social mostrou que a sociedade brasileira está viva e atuante.

    Ao que tudo indica, passado o momento mais duro da pandemia, estamos em um momento chave para o controle social: a organização da 17ª Conferência Nacional de Saúde, em 2023. As conferências são espaços vitais para o SUS, pois, antes da Conferência Nacional, são organizadas conferências estaduais. O conjunto da sociedade brasileira se organiza ao longo de mais de um ano no debate sobre qual saúde pública queremos para o pais.

    Paralelas à conferencia de saúde, outras conferências também vão acontecendo para desembocar na Conferência Nacional de Saúde  ou ser pautada no encontro nacional. Cito três exemplos dessa natureza: a Conferencia de Saúde Mental, que movimentou em 2022 um grande contingente de usuários e trabalhadores no debate referente a luta antimanicomial e como essa rede de cuidados deve ser organizar. Mesmo com o boicote do governo federal cancelando o encontro nacional em 2022, o debate e a organização popular já foram colocados e dados. O adiamento do encontro nacional só mostra o medo que o governo tem da organização popular e como essa pauta da saúde mental é importante e não será esquecida. O assunto e a pauta estão postos, queira o governo goste ou não.

    Outro exemplo é a saúde bucal. Há quase 20 anos, em 2004, foi realizada a última Conferência Nacional de Saúde Bucal e, de lá para cá, muita coisa mudou na organização da rede de saúde bucal no SUS. Acredito que urge a necessidade de iniciarmos o processo de organização da IV Conferência Nacional de Saúde Bucal no Conselho Nacional de Saúde, entendendo seus desafios, obstáculos, mas também sua necessidade. Cabe ao controle social organizar trabalhadores, gestores e usuários para debater que saúde bucal deve ser levada para população brasileira, e inserida em qual modelo de sistema de saúde. Sempre aguardando o momento ideal, há quase 20 anos não se realiza uma conferência de saúde bucal. Quando o momento ideal virá? É necessário colocar a saúde bucal em movimento. Já!

    Finalizando, não poderia deixar de falar da Conferência Nacional Livre, Popular e Democrática de Saúde. A Conferencia é uma atividade preparatória para a 17ª Conferência Nacional de Saúde e envolve na sua construção uma série de movimentos populares, instituições e organizações comunitárias. A Conferência Livre surge da iniciativa da Frente pela Vida, criada em 2020 por várias entidades que militam na saúde pública e no SUS. Elas se constituíram para oferecer respostas efetivas durante pandemia de Covid-19 diante do desastre na coordenação ao enfretamento da pandemia pelo governo Jair Bolsonaro.

    Normalmente problemas complexos tem respostas simples e erradas. É necessário ouvir e debater com os diversos setores sociais para que a construção do modelo de sistema saúde que desejamos saia dessa energia social. A construção do SUS foi assim. Sem o povo na rua, sem o povo em movimento, o SUS será entregue de bandeja ao setor privado. No conforto da vida de classe média, dentro de casa, ou ficando horrorizado com as loucuras do governo Bolsonaro não avançaremos. O grosso da população está se virando para sobreviver. A pergunta que fica é: se os setores mais progressistas da sociedade, mais conscientes, e mais organizados não foram setores de vanguarda, capazes de iniciar as mobilizações, vamos cobrar a mobilização dos setores mais despolitizados e fragmentados do nosso tecido social?  Por isso: vamos as conferencias, vamos as ruas e, principalmente, vamos nos organizar, porque o paraíso não é perto.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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