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    Pierpaolo Cruz Bottini

    Advogado, sócio do escritório Bottini e Tamasauskas e professor livre-docente de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP.

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    As mensagens de Deltan Dallagnol e os guardas da esquina

    'A doença infantil da vaidade apressou acusações mal construídas', escreve o colunista Pierpaolo Cruz Bottini sobre o ex-procurador da Lava Jato

    Deltan Dallagnol (Foto: Lula Marques/Agência Brasil)

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    * Publicado originalmente no Conjur

    Outro fenômeno comum, revelado pelas mensagens, é o deliberado encobrimento da falta de provas com estratégias de marketing. Na ausência de indícios claros dos ilícitos, bate-se o tambor com mantras repetitivos, como se notas à imprensa e entrevistas pudessem ocupar o lugar de documentos, testemunhas ou laudos.

    Argumentos são substituídos por estratégias de comunicação, sustentações orais por coletivas de imprensa, teses jurídicas por powerpoints.

    Na “lava jato”, mensagens apontam que falhas na denúncia contra Lula, como a dificuldade de provar o conhecimento da origem criminosa dos valores por parte de empreiteiros, e a existência de teses “capengas, foram ocultadas por táticas de marketing judicial, pela distribuição de releases para a imprensa para “definir as primeiras manchetes”: “É ele que dará o tom e pautará a imprensa de cara”, disse Deltan.Emile Zola, a pretexto das acusações infundadas contra Dreyfuss, na França do final do século 19, apontava ser “um crime ludibriar a opinião, utilizá-la para uma tarefa de morte, pervertendo-a até fazê-la delirar”.

    Essa perversão e delírio pautaram matérias, manchetes e capas de revista no Brasil há poucos anos. Em lugar de fatos, versões, em lugar de provas, expressões de impacto, em lugar de nomes, apelidos com repercussão midiática, em lugar da consistência, o açodamento diante dos holofotes.

    Por fim, as mensagens revelam que vazamentos seletivos de informações sigilosas acompanharam a “lava jato”. Agentes públicos, aos quais foi delegada a solene atribuição de guardar segredo sobre dados sensíveis, organizavam metodologicamente sua distribuição para órgãos da imprensa, para fragilizar inimigos e fortalecer suas posições corporativas.

    Há mensagens sobre “soltar os podres” e “tocar o terror” contra inimigos na polícia federal, “ir queimando aos poucos” pessoas e atos contrários aos interesses dos integrantes da força-tarefa, e sobre formas de forçar colaborações por meio da divulgação de dados em segredo de Justiça.“Meus vazamentos objetivam sempre com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar colaboração (sic)”. Palavras de Deltan Dallagnol. Não é frase que se espere de um fiscal da lei, de alguém que, no momento de posse, prometeu solenemente respeitar a Constituição.

    O granjeiro não pode negociar com raposas a distribuição das galinhas que jurou proteger. Muito menos em nome do combate à corrupção e de Deus.

    A propósito, muitas das ações parecem ter sido praticadas em nome de Deus. “Vejo Deus agir nesse caso desde o começo”, “Eu creio que Deus quer que a igreja alavanque essa mudança”, afirmou Deltan.

    Não creio que o Criador tenha outorgado a ele qualquer procuração, mas, se eventualmente o fez, deve estar bastante insatisfeito com o resultado do trabalho.

    Tempo e dinheiro, que poderiam ter sido empregados para juntar provas relevantes, identificar desvios de recursos públicos, e punir empresários e políticos envolvidos em corrupção, acabaram gastos em projetos político-partidários, megalomanias individuais e arroubos messiânicos.

    A doença infantil da vaidade apressou acusações mal construídas, e jogou na lata do lixo trabalhos que poderiam ter esclarecido malfeitos, se manejados de forma responsável e competente.

    Carrara afirmava que “quando a política entra as portas do Templo da Justiça, esta foge pela janela, para librar-se ao céu”.

    No caso, a Justiça cedeu, não sem resmungos, e deu espaço à política, que tirou para dançar procuradores e juízes, ao som de propostas legislativas de enfurecimento da legislação, da busca por fundos e recursos para promoção pessoal, e de candidaturas.

    A montanha da “lava jato”, com seus bumbos e carreatas, pariu ratos. Em especial, ratos no mundo político, em diversos e relevantes cargos.

    O mais triste, no entanto, é notar que tais estratégias não são fenômenos isolados, exceções ou pontos fora da curva.

    As prolixas denúncias, o manejo da imprensa para encobrir falhas de acusação, e o vazamento seletivo de dados sigilosos, embora não generalizados, são práticas repetidas nos foros, repartições e esquinas, em investigações grandes e pequenas, por todo o território nacional. Difícil encontrar advogadas ou advogados sem histórias para contar a esse respeito.

    Mas, há sempre um resto de esperança

    Ao final das mensagens, Deltan sugere a alguém que não se incomode com as críticas à “lava jato”, e cita Churchill ao afirmar que “se parar para atirar pedra em cada cão que passa pelo caminho, não chegaremos ao nosso destino”.

    Talvez os cães fossem aqueles que ladravam pelo respeito ao Estado de Direito, incomodando seu impávido caminho em direção à glória política. Levaram pedradas, ganiram, mas seguiram latindo. E, ao final, a caravana tombou. Seus efeitos ainda grassam pelo país, mas não faltarão cães a ladrar, em cada esquina, a incomodar quem quer que abuse de suas funções.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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