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    Sylvio da Costa Junior

    Doutor pela UFRGS; Conselheiro Nacional de Saúde – Entidade FIO; Conselheiro Municipal de Saúde de Florianópolis – Entidade CUT

    11 artigos

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    As profissões da saúde e o SUS

    O debate sobre a formação de recursos humanos no SUS dialoga ora com o mercado de trabalho de cada profissão e sua organização, e ora com a formação dessa mão de obra para operar essa nova política

    (Foto: ABr)

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    A implantação de um sistema de saúde universal obrigatoriamente precisa de um grande contingente de trabalhadores para efetivação desse modelo assistencial. Assim, o debate sobre a formação de recursos humanos no SUS dialoga ora com o mercado de trabalho de cada profissão e sua organização, e ora com a formação dessa mão de obra para operar essa nova política. Nesse modelo assistencial universal, implantado desde a Constituinte, e permeado pela lógica da equidade, ofertando mais a quem mais precisa, é imperativo que o Estado não apenas organize a oferta de serviços à saúde, mas também a formação profissional e seu mercado de trabalho. Mas não foi esse o caminho que os atores políticos trilharam. 

    Quero deste modo abrir o debate nesse texto sobre a formação acadêmica e do mercado de trabalho na saúde, que forma e informa os verdadeiros operadores do sistema de saúde, aqueles que efetivamente fazem o SUS acontecer no dia a dia das comunidades e da vida das cidades.

    Os reformistas da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, e os parlamentares constituintes, em 1988, promoveram uma fundamental transformação no modelo assistencial, porém não reformaram na mesma intensidade a formação e o mercado de trabalho na saúde, dito em outras palavras mudamos o modelo de saúde do INAMPS para o SUS, demos um cavalo de pau na organização dos serviços de saúde, mas não fizemos o mesmo na formação acadêmica desses operadores da política e nem seguimos uma lógica racional na abertura de novos cursos de graduação, principalmente no setor privado. Mudamos o modelo assistencial, mas é necessário muito mais que isso.

    Mesmo com a efetiva implantação do SUS continuamos a promover a formação de trabalhadores no modelo pedagógico pré-SUS, pré-Contituição de 1988. As mudanças mais significativas na grade curricular remontam do governo Lula, em 2006, 20 anos depois da 8ª Conferencia de Saúde e 16 anos após a aprovação das leis orgânicas da saúde, em 1990.  Referente à formação vemos ainda a ênfase em matérias clinicas e cadeiras como interação comunitária em segundo plano na formação dos alunos. Disciplinas com ênfase no SUS que deveriam ser cadeiras estratégicas e transversais a todas as matérias em diversas oportunidades se vêem como disciplinas exóticas e escanteadas dentro dos Departamentos. Afinal, não é função fundamental da universidade publica a formação de mão de obra para o SUS? Se não é, deveria ser.

    Mesmo nos dias atuais as cadeiras voltadas à formação de mão de obra para o SUS são objeto de atrito dentro dos Departamentos dos cursos de graduação onde ainda a formação é baseada no micro especialista, em disciplinas clínicas, formando trabalhadores para o setor privado em um mercado de trabalho que não existe mais. Esse modelo hegemônico na formação sofre uma profunda crise pedagógica, pois o aluno em final de curso, que passou sua graduação inteira se preparando para um mercado de trabalho imaginário, ouve de seus pares recém formados que a realidade pós-universidade é distinta, quase oposta, a miragem que apresentam na formação micro especializada.  Isto acontece não apenas nos cursos privados, mas também nas universidades publicas financiadas com os recursos públicos, oriundo de impostos, de todos brasileiros, da empregada domestica e do auxiliar de pedreiro ao empresário de multinacional.

    A fantasia capitalista e liberal acredita que o mercado, uma vez livre, se auto regula e que o equilíbrio entre demanda-oferta podem harmonizar, equalizar, os interesses sociais. Esse pensamento liberal no campo da saúde causou uma total desorganização no mercado de recursos humanos no SUS. Durante os anos 90, nos governos FHC, ocorreram dois movimentos claros: de um lado o sucateamento das universidades públicas, com cortes de orçamento e atrasos de repasses, e por outro lado a abertura de cursos de graduação sem qualquer critério significativo entre as universidades privadas, o que levou na prática a privatização da demanda. Na histeria privatista dos anos FHC, como não havia força política para privatizar as universidades públicas, se privatizou a demanda, induzindo vestibulandos a ingressarem na recém enxurrada de universidades privadas que abriam cursos dos mais variados na saúde. Esse movimento levou a um verdadeiro desastre na saúde. Todo ano dentistas, psicólogos, nutricionistas e enfermeiros, por exemplo, recém formados, inundam o mercado de trabalho sem qualquer possibilidade desse mercado absorver essa mão de obra gigantesca, o que leva a formação de um exercito de reserva, uma pletora profissional, que rebaixa as condições de trabalho e salariais dos trabalhadores que conseguem se estabelecer nesse precário cenário. Dito em bom português, o mercado oferece R$ 4.000 de salário por 40 horas semanais, mas a pletora profissional é tão grande que se oferecessem R$ 3.000 pelas mesmas 40 horas semanais também haverá candidatos a trabalharem nessas condições. E a cada ano milhares de trabalhadores da saúde são lançados no mercado de trabalho aumentando essa pressão por emprego. Nesses termos nem o SUS nem o setor privado absorvem a todos.

    A medicina, diferente das demais profissões da saúde e por motivos coorporativos, seguiu um caminho diferente, porém nada exemplar. O que efetivamente movimentou a classe médica foi seu espírito corporativo, e nada mais que isso, para criar uma reserva de mercado (e não um exército de reserva, como a maioria das profissões da saúde) controlando através de pressão política de suas organizações de classe a abertura de cursos de graduação levando a um cenário onde não há médicos para todos. Como isso, em diversos municípios do pais, o fato da reserva de mercado se impõe de maneira cruel, com médicos fazendo, muitas vezes, uma verdadeira chantagem com gestores municipais onde verifica-se um verdadeiro leilão por altos salários. Nesse campo de batalha estabelecido na profissão médica o Estado se faz de sonso e finge não ver o óbvio, sendo assim conivente com as corporações médicas. Vale destacar que por mais que reforcemos a importância da multidisciplinaridade no campo da saúde a medicina é uma profissão fundamental na assistência a saúde e, mais que isso, uma profissão socialmente necessária, pois quando o filho está doente ou quando uma dor aguda acomete a pessoa o povo quer o cuidado médico, o povo quer uma consulta com seu médico, quer ouvir da boca de seu médico de família o que ele, ou seu familiar querido tem. 

    Uma exitosa experiência, onde o estado chama para si a responsabilidade referente ao cuidado médico aconteceu no Programa Mais Médicos pelo Brasil (PMM), onde pessoalmente trabalhei no inicio do programa, nos anos de 2014 e 2015. Em 2014 o Ministério da Saúde(MS), sob comando do Ministro Alexandre Padilha, uma pessoa que conheci no período que trabalhei no MS (de 2010 a 2015) e admiro como sanitarista e político, lançou o programa acima citado. O PMM trabalhava em 3 eixos fundamentais: o provimento médico, com a contratação e lotação de médicos em vazios assistenciais não apenas nos sertões e grotões do Brasil mas também em vazios dentro das grandes cidades como Rio e São Paulo;  a organização da abertura de vagas em programas de residências médicas; e a unificação do cadastro de especialidades. Esses 3 eixos dialogam fortemente entre si como a Santissima Trindade para os cristão, onde um eixo isoladamente não tem sentido sem o outro, assim como na Trindade só se consegue explicar o Filho, explicando também o Pai e o Espírito, assim sucessivamente. Não preciso nem utilizar muito a língua de Luis de Camões para explicar a reação enlouquecida das corporações médicas. Teve deste cuspe, arremesso de ovo e ameaças de agressões físicas em médicos estrangeiros nos aeroportos até intimidação em locais de trabalho, tudo isso sob o apoio e patrocínio das corporações. Uma verdadeira loucura. 

    Resumindo: as profissões da saúde de nível superior se dividem entre aquelas que tem gente demais e as que tem gente de menos. Tá certo isso? Sem falar na formação...

    Não é possível uma efetiva implantação de um sistema de saúde universal sem alterar a organização de um conjunto de ações paralelas a assistência em saúde. Houve nos governos petistas ações nesse sentido, como a reforma curricular ou como o PMM, que obviamente foram sepultados com o golpe de 2016. O atual governo, de Jair Bolsonaro, incompetente na gestão dos negócios e interesses de Estado brasileiro e desprovido de compromisso social, tem ojeriza ao SUS, haja vista a implantação do Previne Brasil, tem como escopo diminuir o sistema de saúde para um sistema residual, ou ainda a gestão catastrófica do MS durante a pandemia que teve como efeito prático, além de mais de 600 mil mortos,  a tentativa de desmoralizar o SUS diante da opinião popular colocando um general despreparado como Ministro, que antecedeu e sucedeu médicos do mesmo nível. Qualquer tentativa de alterar interesses corporativos, de interferir em negócios de conglomerados da educação privada ou de mudar o status quo das universidades passa necessariamente por decisões de governo e por opções políticas. Para alterar o caminho que o SUS trilha desde 2016 é necessário mudar o atual Governo Federal, de cunho fascista, e afastar de maiores ambições eleitorais os pescadores de águas turvas, como João Dória e Eduardo Leite, que são semelhantes a Bolsonaro em sua essência, apenas usam sapatênis e comem de garfo e faca.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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