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Pedro Benedito Maciel Neto

Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007.

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Assombração e outros medos

"Por que a pregação de extrema-direita encontra terreno fértil nos empobrecidos?"

Estátua do STF 'A Justiça' vandalizada no 8 de Janeiro de 2023 (Foto: Joedson Alves/Agência Brasil)

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Meu pai foi um grande contador de histórias, um verdadeiro “peixe grande”, como Edward Bloon no filme de Tim Burton, aliás, se o cineasta estadunidense tivesse conhecido meu pai ele teria se encantado com a visão fantástica da realidade que ele descrevia com entusiasmo.

Para quem não assistiu ou não lembra do filme “Peixe Grande e suas histórias maravilhosas”, o resumo é o seguinte: Edward Bloom é um grande contador de histórias, fascinava a todos que o ouviam (como meu pai, mesclava realidade e fantasia); mas seu filho Will não acredita nas histórias do pai e, em dadas circunstâncias, eles rompem.

Não vou “dar spooler”, apenas indico, pois, o filme, a meu juízo, é uma obra de arte, uma história linda sobre a descoberta de Will sobre a alma de seu pai.

Hoje vou contar novamente uma das muitas histórias vividas com meu pai, e o faço para emoldurar a reflexão de hoje, qual seja: por que a pregação de extrema-direita encontra terreno fértil também entre os empobrecidos?

Vamos à história. 

Entre 1984 e 1998 meu pai investiu muito tempo, dinheiro e sonhos em seus negócios numa cidade do triângulo mineiro chamada Romaria; uma cidade de apenas dois mil habitantes, um lugar onde nada acontece, mas que, sob o olhar atendo do meu pai aconteciam coisa extraordinárias.  

Romaria começou a ser povoada logo depois da guerra do Paraguai, quando ex-soldados descobriram diamantes por lá. Bem, essa é outra história que depois eu conto.

Hoje vou relembrar do Gaspar, que era um jovem muito simples, com baixíssima escolaridade, que sequer completou o primário, mas que era conhecido na cidade como “o homem mais trabalhador da cidade” e era mesmo.Casado com a Margarida - que faleceu muito jovem -, tinha três filhos: Flavia, Fabinho e Fabiana; crianças educadas, bem cuidadas e felizes, que criavam um mundo de infinitas possibilidades na “casa de chão de terra batida”, sob as árvores de frutas no quintal.

Fato é que meu pai empregava as habilidades e da força de trabalho do Gaspar, por isso acabaram tornando-se bons amigos e seu filho Fabinho tornou-se afilhado dos meus pais.

Certa feita alguns funcionários do meu pai e o Gaspar conversavam e mostravam-se preocupadíssimos com a possibilidade de Lula vencer as eleições presidenciais, estavam preocupados com o comunismo e, principalmente, preocupados com o fato de que “se Lula ganha vai toma nossas casa tudo e as nossa fazenda” (sic).O Gaspar falava com autoridade e era ouvido por todos com atenção e reverência; ouvimos, respeitosamente, não interferimos. Então, habilmente, meu pai convidou Gaspar para jantar conosco; conversamos e rimos muito durante o jantar, meu pai contou suas histórias e ouvimos várias histórias de assombração (o Gaspar tinha muito medo de assombração) e, apenas na hora do cafezinho, retomou-se o assunto das eleições e o “risco comunista”. Isso mesmo. Gaspar tinha medo de assombração e de comunismo (para quem não sabe “medo de assombração” tem nome, trata-se de Espectrofobia, é um transtorno psiquiátrico caracterizado pelo medo irracional de fantasmas ou espectros). Meu pai, o meu “Peixe Grande”, perguntou ao Gaspar: “Gaspar, quanto você pagou pela sua casa?”, constrangido ele respondeu, “a casa não é minha Rogério, é alugada”; e meu pai continuou, “mas você tem as suas fazendas, né? Aquelas que o Lula vai tomar se ganhar.... Você tem que me levar para conhecer um dia.”.

O Gaspar não tinha casa, nem fazenda, não sabia o que é comunismo, mas tinha medo assim mesmo.

Contudo, as duas perguntas que meu pai fez, foram reveladoras para o Gaspar, que não era burro e no seu olhar percebemos a tomada de consciência.

Essa história é de 1994, Lula não venceu aquela eleição e a vida do Gaspar continuou na mesma: morando numa casa alugada, aliás, nada mudou na vida de todos aqueles que, como ele, defendiam um mundo que não lhes pertencia e nunca pertencerá.

Sua vida só melhorou a partir de 2003, com o “Minha Casa Minha Vida”, com a Bolsa-Família e o PROUNI levou dois de seus filhos à universidade e, merece que lembremos: o Brasil não se tornou comunista e nenhuma fazenda foi “tomada”.É triste constatar que, passados quase trinta anos, ainda ouvimos a preocupação infundada dos “sem-fazenda”, dos “sem casa”, dos “sem ações na bolsa” e dos “capitalistas sem capital” com um falso o risco comunista.Como eu disse, conto, novamente essa história para emoldurar a reflexão de hoje: por que a pregação de extrema-direita encontra terreno fértil nos empobrecidos?Como recentemente o professor e acadêmico Sérgio Castanho acolheu uma sugestão minha, leu e gostou da obra de juiz federal Rubens Casara, chamada “A construção do Idiota:  o processo de idiossubjetivação”, hoje, a partir dos medos do Gaspar, me atrevo a indicar outro livro: “O pobre de direita. A vingança dos bastardos”, de Jessé de Souza, que procura explicar a adesão dos ressentidos ao projeto liberal e à extrema-direita.

A questão principal do livro é: por que a pregação de extrema-direita encontra terreno fértil nos empobrecidos? 

A questão é de fato instigante, afinal, não podemos perder de vista que a os (i) bilionários e milionários são 0,21% da população, sendo o restante da população (ii) pobre remediado (a tal classe média), (iii) pobre ou (iv) miserável. 

Ou seja, o Brasil tem “meia dúzia” de super-ricos e mesmo assim a extrema-direita encontrou terra fértil para crescer na última década e meia entre os mais pobres.

Eu convido o leitor à leitura e proponho que o CORREIO realize no centro cultural um debate sobre o tema do livro de Jesse de Sousa, para que possamos compreender por que os pobres e a classe média, que não nada a ganham com as pautas da extrema-direita, abraçam uma ideologia que os oprime?

Essas são as histórias, reflexões e proposições de hoje.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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