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    Victor Assis

    Dirigente dos comitês de luta contra o golpe em Pernambuco e editor do Diário Causa Operária

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    Até a Veja já entendeu que o Lula de 2022 não será o de 2002

    Presidente eleito, apesar dos acenos ao "mercado" durante a campanha eleitoral e a transição, indicou que não se curvará à política dos banqueiros

    (Foto: Ricardo Stuckert)

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    Vinte e sete de agosto de 2020. Representando o Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann. Em nome do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL),  Juliano Medeiros. À frente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Luciana Santos. Por fim, na presidência do Partido da Causa Operária (PCO), o companheiro Rui Costa Pimenta. O assunto? A possibilidade de os quatro partidos formarem uma frente de esquerda para as eleições municipais de 2020.

    Foi nesse debate, promovido pela TV 247 em conjunto com a DCM TV e a TV Fórum, que o PCO apresentou publicamente, pela primeira vez, o seu apoio à candidatura de Lula nas eleições de 2022. Lula sequer era candidato — na verdade, estava, do ponto de vista jurídico, inelegível. A colocação de Rui Pimenta, portanto, era uma palavra de ordem: é preciso unificar a esquerda para derrubar os processos ilegítimos contra o ex-presidente e lutar para que seja eleito.

    A proposta terminou sendo a única daquele encontro. Curiosamente, Rui Pimenta também ficaria marcado como o “mais pessimista” do debate. E não por acaso: sua avaliação era de que era preciso levar em conta “a marcha da situação política nacional e internacional” e que a esquerda deveria ter como eixo não a eleição de um ou outro indivíduo, mas sim derrotar a direita. Isto é, derrotar todo o sistema antidemocrático montado para que os elementos mais reacionários tomem conta do regime. Lula, nesse sentido, seria uma “arma para “impor uma reviravolta na situação política”. Alguém que, dada a sua capacidade de mobilização, poderia mudar efetivamente o quadro político do País.

    Vieram as eleições municipais e a avaliação mostrou-se impecável: a esquerda sofreu mais uma dura derrota. O PT, maior partido de esquerda da América Latina, sequer elegeu o prefeito de alguma capital. Por outro lado, a proposta do PCO não teve a adesão de qualquer um dos partidos, sob os mais variados pretextos.

    Eis que, no entanto, a situação política começou a mudar rapidamente. Em março de 2021, o STF anulou os processos contra Lula, restituindo seus direitos políticos. Ao mesmo tempo, as tentativas da imprensa golpista de impor à esquerda um candidato direitista, como Ciro Gomes ou mesmo alguém do PSDB, fracassou miseravelmente, em grande medida devido à incapacidade da burguesia de levar adiante a política de “frente ampla” nos atos Fora Bolsonaro. Cada vez mais, a candidatura de Lula ganhava força e, inevitavelmente, arrastava o setor mais combativo da esquerda para si.

    Com Lula no páreo, restou a burguesia uma intensa campanha para causar intrigas no interior da esquerda e, ao mesmo tempo, chantageá-lo para que não se tornasse o porta-voz de todas as reivindicações radicais de seus apoiadores. Foi muita, muita intriga, por mais que, nesse período, o Partido da Imprensa Golpista (PIG) não tenha feito uma campanha tão aberta quanto a que fez na época de sua prisão. À direita, as intrigas eram basicamente as mesmas que em 2016, com um tom cínico e policialesco: Lula não seria “inocente”, mas sim um condenado com seus processos anulados (!), Lula seria amigo de “ditadores sanguinários” como Nicolás Maduro (!), e por aí vai. À esquerda, as intrigas, que muitas vezes vinham de dirigentes da esquerda nacional, procuravam mostrar que Lula seria “apoiado por Joe Biden”, que seria a própria “terceira via”, que serviria para conter o movimento nas ruas, que sua política seria “neoliberal” etc.

    As intrigas da direita não merecem resposta. São, quase todas elas, folclóricas e delirantes. Apelam para o moralismo da classe média, e não para os interesses da classe operária. As intrigas “esquerdistas”, no entanto, que causaram confusão até mesmo entre apoiadores de Lula, estão agora caindo por água abaixo.

    Todas as intrigas “esquerdistas” partem de uma mesma análise profundamente equivocada: o Lula de 2022 seria o mesmíssimo Lula de 2002. Isto é, com as mesmas características, com a mesma política e representante do mesmo movimento. Trata-se de um vício infantil, mas extremamente comum entre a esquerda pequeno-burguesa, que foi incapaz de prever e denunciar todos os golpes de Estado do último período justamente por isso.

    O Lula de 2002, embora não fosse uma marionete de George Bush, foi eleito com o pleno aval da Casa Branca. Havia um levante em curso na América do Sul e o imperialismo tinha a avaliação de que era necessário pôr na presidência do Brasil, o país mais importante da região, alguém que conseguisse acalmar a população antes que o País entrasse em colapso. O imperialismo, assim, diferentemente do que fez em 1989, em 1994 e em 1998, “deixou” Lula vencer as eleições — não sem antes forçá-lo a assumir uma série de compromissos com seus representantes. Lula assinou a famigerada “carta aos brasileiros”, colocou em seu primeiro escalão vampiros como Henrique Meirelles e, à exceção de algumas medidas sociais, levou adiante, no primeiro mandato, a mesma política econômica de Fernando Henrique Cardoso.

    O cenário hoje é outro. Primeiro, temos um Lula 20 anos mais experiente, que já levou rasteiras inesquecíveis da burguesia. Lula havia sido chamado de “o cara” por Barack Obama e elogiado pelos comentaristas da Rede Globo, mas acabou indo parar na cadeia e viu seu partido ser espancado. E mais do que isso: a burguesia não mudou de política. Os motivos que fizeram o imperialismo perseguir Lula continuam de pé, e ainda mais intensos: a necessidade de reduzir o Brasil a pó e anular qualquer resistência a esse plano. A massa que apoia Lula hoje tem sangue nos olhos e a experiência de seis anos de golpe de Estado na pele. Lula tornou-se um político voltado para o confronto. Ou Lula enfrenta a burguesia e toma medidas que poderão aprofundar a crise do golpe de Estado, ou poderá ser ultrapassado por seus apoiadores. Coisa que visivelmente não quer.

    Esse foi o prognóstico do PCO quando decidiu apoiar Lula. Os acenos “à direita”, afinal, sempre foram parte da política de Lula. Não são a política do PCO, que defende a expropriação da burguesia, mas são parte da concepção que Lula tem da política. Isto é, de que é preciso fingir compromisso com os capitalistas para ter uma “opinião pública” favorável, mesmo que sua política, na prática, vá de encontro ao que fala. Não significa, portanto, que ao colocar Geraldo Alckmin (PSB) como vice-presidente, ele irá aprovar uma nova reforma da Previdência, coisa que o eternamente tucano adoraria.

    E é isso, no final das contas, que está sendo comprovado na prática. A própria campanha eleitoral de Lula, de sua parte, mais pareceu com a de 1989 — a mais radical e classista que o PT já empenhou — do que com qualquer outra campanha. Lula denunciou o golpe em várias oportunidades e defendeu medidas concretas, que se chocam com os interesses do “mercado”. No final do segundo turno, em contraste com a “carta aos brasileiros”, divulgou uma carta que, embora bastante limitada, não fazia um “aceno” ao mercado financeiro.

    Nos últimos dias, Lula está dando uma demonstração ainda mais contundente de que não será o Lula que os banqueiros querem. O presidente eleito segue em silêncio sobre a composição de seu ministério, o que vem deixando os capitalistas muito aflitos. Em um primeiro momento, indicou vários direitistas para o gabinete de transição, que é uma comissão semitécnica e semipolítica formada para negociar com o governo Bolsonaro e levantar dados sobre a situação real do País. Quando os nomes de Geraldo Alckmin, Persio Arida, André Lara Resende, Simone Tebet e várias outras figuras nefastas foram anunciados, a imprensa elogiou a “frente ampla” que Lula estaria criando.

    Mas eis que, depois de “dar a seta para a direita”, Lula está indicando que irá virar à esquerda. Em sua primeira visita ao gabinete de transição, Lula fez um discurso de 40 minutos que contrariou tudo o que o “mercado” esperava. Criticou a reforma da Previdência e a reforma trabalhista, criticou o “equilíbrio fiscal” e reforçou seu compromisso com os brasileiros que estão passando fome. Lula ainda falou que não irá “fatiar a Petrobrás”, nem privatizar os bancos estatais. No dia anterior, já tinha dito que o que a direita chama de “gasto”, na verdade, era investimento, e que o Brasil não deveria ter dívida com os bancos, mas sim com o povo pobre do País.

    Bastou isso para que o imperialismo entrasse em desespero. A bolsa de valores de São Paulo caiu — uma mera chantagem que dificilmente será eficiente — e os jornais burgueses — todos eles — publicaram inúmeras matérias e editoriais criticando Lula. Todos eles iguais: Lula seria “irresponsável”, teria “começado mal” etc. Muito chamou a atenção um artigo da Veja, escrito pelo economista Maílson da Nóbrega, que afirma:

    “As falas irresponsáveis de Lula começam a abalar a crença dos que, como este escriba, apostam que ele vai repetir o pragmatismo que demonstrou em 2003, quando convidou Henrique Meirelles para presidir o Banco Central, aprovou a equipe de economistas liberais e experientes que assessorariam o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e abraçou o tripé macroeconômico que herdou do presidente Fernando Henrique, caracterizado por austeridade fiscal, câmbio flutuante e metas para a inflação”.

    Ninguém deveria levar a sério o que diz o sujeito. É um verdadeiro monstro, um tipinho fascista, que ousa a dizer que “o livre pensar do presidente eleito pode tornar impossível discutir e enfrentar a grave situação fiscal deste e dos próximos anos”. Notem bem a arrogância do senhor que, sem ter um único voto sequer, critica o “livre pensar” de quem foi eleito com 60 milhões de votos. Nóbrega é claro: ninguém é livre para pensar o que quer — a não ser que sejam sobre coisas totalmente irrelevantes. Quando o assunto é economia, só se pode “pensar” aquilo que os bancos querem que você pense. Isto é, que a vida de 50, 60, 70 milhões de pessoas que estão passando fome valem menos que o charuto de um banqueiro.

    Se até a burguesia reconhece que o presidente que foi eleito no dia 30 de outubro não é o Lula da “carta aos brasileiros”, então viva! A guerra já está declarada. Que o Lula de 2022 seja a arma que falta aos trabalhadores para pôr abaixo o regime golpista.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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